26 de maio de 2012

ALQUIMISTA


Nei Duclós

Leva-me contigo, pássaro infinito. Voe para um lugar com coração.

Virei outra coisa, alquimista. Agora posso te encontrar, nas ilhas de coral desta aventura.

Falta você, musa perdida. Falta teu arrulho. Tudo o mais é ruído.

Não tenho nada, mas sou saudado como alguém que conta. O Imperador me chamou no palácio, quis me ouvir. O povo me deu abrigo.

Não faço coleção de vícios. Sou asceta, poeta sem beletrismo. Trabalho a palavra, osso duro, confisco.

O amor não cabe neste sítio. Está tudo definido. Você pontifica, eu me recolho nas nuvens.

Se perguntarem pelo amor, esconda. Sorria enquanto teus joelhos dobram ao lembrar de mim.

Não se iluda, não sonho mais. Conto as estrelas na varanda do teu beijo que ainda pulsa.

Estive mendigo esse tempo todo, quando me deixaste só depois de nossa briga. Fiquei rico de perdas, meu latifúndio.

É só poesia, direi para quem vier me pedir satisfação. Guardem as virtudes, que eu me viro com os defeitos que me atribuem.

Diga que estou perdido, que me confundo, me mistifico. Invente que não sou digno, nem lúcido, nem vivo. Morda meu corpo onde dói mais, tua despedida.

De que adianta te falar se não tens ouvidos para mim? Estás distraída, enquanto a areia do tempo escorre pelo espaço gelado do teu silêncio.

Comunhão de amor não correspondido. Você em outra esfera, eu no abismo.

Se souberes me ver, estarei junto. Como sol e Lua no entardecer do rio.

Nem quero consolo, nem de nada me queixo. Apenas toco a flauta do destino no verbo que me sublima.

Por isso tenho esse andar de peregrino sem pouso, de pescador nas pedras. Esse desconforto de ser o que busca e não o que te encontra, magnífica.

Chora de emoção ardida o que um dia tivemos, planície. Flor que se fina no crepúsculo.
   
Venha me dizer o que falta para estar contigo. Outro coração, outra vida?

Não há maior solidão do que o poema jogado como sombra da montanha no vale deserto. Há frio à noite, doçura.

Fico eu à mercê de quem vê o que não tenho. Ainda guardo os sonhos que me deste, ametista.

Parecias tão acessível. E de repente estás em endereço desconhecido, em Júpiter.

Alguém tomado pela sua arte é a maré alta da criação. Todos se banham nesse amor de ofício.

O que há contra a sintonia, a música entre espíritos, o prazer de águas internas cristalinas? Deixe rolar. A alternativa já conhecemos: o vazio construído pela barbárie.

Sonhei o verbo que nos aproxima. Ficamos densos de tanto delírio.

Não me entendes, palavra fina. É que falei de manhã, quando há neblina. Mais tarde, irmão do sol, brindei com café meu som confuso. Esqueça tudo e me convide de novo, musa.

Por que me esfolas, dançarina? Nem pisei nos teus pés para tanto grito. Fique na valsa e esqueça o violino. A música está no coração, onde dominas.

A beleza é soma íntima. Aflora, como as espigas. Colhemos com o olhar o que germina. Seja o que for, terra, gramínea: teu cheiro, tua forma única.

Todos se declaram, pois és, de verdade, linda. Mas só eu tenho coragem de te dizer o que pinta. Não desconverso tua real beleza.


RETORNO – Imagem desta edição:  obra de Ursula Malbin.