15 de maio de 2012

CAPTURA

Nei Duclós

Quando te capturei, eras a armadilha.

Gastei meu verbo contigo. Agora virei mendigo da palavra que te fisga.

Ando sumido. Ermo da generosa exceção de estar contigo.

Falei contigo em segredo. Adivinhaste com medo. É fácil escapar, por isso estamos presos.

Fui escolhido para a cerimônia do teu beijo. Durou mais do que um hino. E o rufar de tambores era nosso coração aos sobressaltos.

Quando fores embora de mim, irei contigo. Assim economizas equívocos.

Precisei reaprender a não amar. Foi fácil. Doeu no início, mas com os exercícios a dor não fez mais sentido.

Fomos expulsos pelos falsos conteúdos. Por isso nos refugiamos nos becos dessa arte que some logo depois de brotar. Tanta leveza nos garante eternidade.

Quando alguém anuncia que desiste, não interfira, que isso só alimentará a fuga. Diga: bem feito para mim.

Tenha sonhos selvagens. Depois me conte.

Contra a parede, és um sonho sem explicação. Tua sombra borra minha percepção. Teu olhar chega a mim como um barco. Estou no cais, penumbra.

Anônima beleza apoiada no mistério, por que não notei antes teu esplendoroso gesto de sensual recato?

Olhas como se me conhecesses, mas só agora vi teu corpo sem acesso, glória feminina descoberta.

Consegues atrair como quem dá o bote. Desarmas minha vontade e ao mesmo tempo atiças. Custo a falar, enquanto teu rosto imutável parece que pergunta. Nada a dizer, tentadora.

Viajo em ti, sonâmbula. Vê se abre uma chance fingindo que estás em outro plano.

Perigosa pelo que sugere, alheia ao que viaja em mim quando te vejo de surpresa. Melhor pegar tua mão quanto antes.

Quando somes, parece que te abandono. Acabo dizendo adeus, sem querer, para quem me dispensa. Se houver reencontro, terei de me explicar, farsante.




Tudo passou em branco, só ficou a tarde em que enfim caímos no mesmo abismo e de lá jamais sairemos. Mar de amor, mulher impossível.

Faz de conta que gostamos das mesmas coisas. Mas não é isso que liga, visgo.


RETORNO - Imagem desta edição: Lauren Bacall.