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7 de novembro de 2009
ANSELMO DUARTE: HISTÓRIAS LAPIDARES
Morreu Anselmo Duarte, o ator e diretor que honra o cinema brasileiro e a nação que ele ajudou a inventar. É tarde demais para homenagens, depois que seu filho Ricardo Duarte anunciou sua morte neste sábado. Já escrevi sobre Anselmo algumas vezes, como neste texto sobre sua obra-oprima, "O Pagador de Promessas", e neste sobre o trabalho de Wendel Martins, da UFSC. O que nos resta é resgatar algumas de suas histórias lapidares. Selecionei duas, tiradas daqui, que nos trazem um pouco do que perdemos agora e que nos fará falta sempre.
METEORO EM HOLLYWOOD
"Eu estive em Hollywood. Fui levado pelo presidente e o vice-presidente da Universal. Eu tinha ganhado cinco festivais internacionais e os americanos pegam diretores assim e levam para lá. Iam fazer isso comigo. Não que eu não quisesse. Quer fazer, faça. Iam pagar em dólar. Mas é que eu briguei antes do tempo, antes de receber o primeiro salário. O presidente e o vice-presidente da Universal me colocaram numa limusine que parecia um ônibus e fui conhecer os estúdios da Universal. Chegando lá, eu vi aquele portão largo, de ferro, muito alto, trabalhado, escrito Universal Pictures em cima. Quando eu estava entrando, olhei para o porteiro, fardado, de quepe, um coitado de um velho, que abriu a porta. Eu passei rente a ele e levei um susto quando vi a cara dele. Gritei: “Stop! Stop the car! Stop!” O carro parou, eu abri a porta e saltei. Cheguei pro porteiro e falei: “Bernoudy, como vai você?” Ele foi meu diretor na Atlântida! O Luís Severiano Ribeiro, grande exibidor do Rio, quando comprou a Atlântida, contratou o Bernoudy, que era produtor em Hollywood, para vir melhorar a Atlântida. Ele veio pro Rio, trabalhou, organizou a Atlântida. Dirigiu meu primeiro filme lá, Terra violenta. Ed (Edmond) Bernoudy adorava o Brasil, adorava o Rio. Ficou dois anos no Rio, já falava português. Foi assistente do John Ford. Era um bom diretor. Eu conversava muito com ele, aprendi muito com ele. E aí eu o vejo de farda e de quepe na porta da Universal. Eu saltei e perguntei: “Mas o que é que você está fazendo com essa farda aqui?” Meu professor, meu diretor, mas que coisa! A essa altura ele já estava com uns 80 anos. Eu tirei o quepe dele, joguei fora e falei: “Você não vai ser porteiro aqui, não! Mas que país é esse? Você foi diretor e lhe jogam aqui?! Deviam lhe aposentar pelo menos! Vamos embora!” Fiquei chateado. Daí eu cheguei no carro e falei para o tradutor: “Fala que esse homem não vai mais trabalhar aqui na portaria. Que ele vai ser o meu primeiro assistente. E ele vai no carro conosco”. O presidente da Universal virava a cara para ele. Quando eu saí de lá, falaram que ficava para depois o acerto do meu contrato. E sabe o que eles alegaram? “Mas como?! Nós estamos contratando um gênio” – porque, para eles, ganhar aqueles prêmios todos era ser gênio – “estamos contratando um gênio para melhorar nosso estúdio e ele foi aluno do nosso porteiro?!!” Acabou. Não me contrataram. A minha carreira foi a mais curta de um diretor em Hollywood."
O INVENTOR DO CINEMA NOVO
"Eu inventei o Cinema Novo. Como? Eu estava fazendo o meu primeiro filme, o Absolutamente certo, que foi saudado quando saiu. Ninguém esperava nada do “galã”. Toda a imprensa acha que galã é burro. E saiu que o Absolutamente certo era o cinema novo brasileiro. Ainda não existia o Cinema Novo. Depois veio O pagador de promessas. No livro do ano de Cannes tem sempre a justificativa do porquê eles deram a Palma de Ouro para aquele filme. E lá dizia que “esse filme, sem dúvida, marca um cinema novo do Brasil”. O pessoal do Cinema Novo já estava fazendo um filme. Eram cinco diretores que estavam fazendo o Cinco vezes favela. Tinha um guru da imprensa, o Alex Viany, guru dos jovens. Escritor, jornalista, foi diretor também. Então ele veio falar comigo: “Anselmo, tem uns garotos aí que eu estou lançando e que estão fazendo um filme que se chama Cinco vezes favela. E nós soubemos que seu filme foi selecionado para Cannes e o do Ruy Guerra para (o Festival de) Berlim. Nós queríamos assistir os dois filmes”. E daí passaram os filmes. Nessa sessão estava toda a rapaziada que viria a ser o Cinema Novo: Cacá Diegues, Leon Hirszman, Glauber Rocha – que já me conhecia de Salvador, de quando eu estava filmando O pagador de promessas –, Gustavo Borges, uns 10 ou 12 diretores do início do Cinema Novo. Quando terminou, aplausos e mais aplausos. E todo mundo falava: “Anselmo, você vai ganhar algum prêmio. É o melhor filme já feito no Brasil!” Todos falavam a mesma coisa. Mas, na verdade, eles nunca poderiam imaginar que eu ganharia a Palma de Ouro. Achavam impossível ganhar em Cannes."
RETORNO - Imagem desta edição: Anselmo Duarte atrás da câmara em 1970.
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