9 de maio de 2006

UM TEMPO DE HOMENS PARTIDOS





Estão usando trechos do Diário da Fonte para atacar ou defender o governo Lula. Isso significa corromper as palavras. Meus ataques são contra a ditadura em suas faces distintas: governo, oposição tucana, PT, PSDB, pirataria financeira, mídia comprada. Desvirtuar o sentido é me colocar num ou noutro lado da campanha política de cartas marcadas. É um tempo de partido, disse Drummond, tempo de homens partidos. Numa das citações, me colocaram como uma pessoa íntegra. Não sou íntegro, sou um homem partido. Sobreviver a 42 anos de ditadura não recomenda a integridade de ninguém. Calei quando deveria falar. Permaneci quando deveria cair fora. Menti porque assim decidiram. Não matei nem roubei, mas isso não me torna íntegro. Portanto, me coloca fora da moeda corrente da campanha política. Não contem comigo, com meu nome a zelar, com minha biografia. Sou um homem partido, de um tempo em ruínas. Sou daquela espécie de gente citada por Fernando Pessoa quando escreveu: "arre! basta de semideuses!" No armário, meus esqueletos dançam a rumba.

Foi esse eterno bater no peito de pessoas que juraram inocência, coerência e integridade que nos colocou na atual arapuca. A ditadura está dentro de nós. Não suportamos a idéia de um espírito livre. O fato é que as pessoas entregaram a alma para um projeto, o governo petista, e agora fogem do barco do partido para refugiar-se no capitão que não afundou com o navio. Porque reconhecer no capitão do navio a fonte de toda a tragédia que nos abate seria jogar fora mais de uma vida. Foi uma luta de 30 anos, como escapar sem ficar ferido? As pessoas querem manter acesa a chama da grandeza que cultivaram em pessoas que não mereciam confiança. Lutaram com todas as forças, se expuseram. Agora que está escancarada toda a barbaridade cometida, resta uma esperança, como se dizia de Lacerda em 1964, na véspera do golpe.

Pois sente no chão e chore. Foi uma vida jogada fora. Perdemos mais essa chance. Assim como perdemos quando as diretas-já foram derrotadas no Congresso; quando Tancredo foi eleito de forma indireta; quando o vice que não assumira o cargo tornou-se o primeiro presidente civil; quando Brizola foi derrotado pelo Lula em 1989; quando FHC assumiu com sua biografia de homem íntegro e entregou o país para os bandidos de todas as nacionalidades; e finalmente quando o atual governo assumiu para empurrar de novo o eleitorado para a direita. Ou reconhecemos que perdemos e que não somos íntegros, ou continuaremos jogando o Brasil para a lama cada vez mais funda.

E o que é insuportável é o deboche. Na publicidade, os cretinos se revezam em tirar um sarro da cara do povo. Você que ganha o seu dinheirinho, você sim pode usar o desodorante, Ronaldinho não; você que está aí no sofá, não se mexa, dizem os apresentadores. E dê-lhe Chitãozinho e Chororó, micaretas, sangalões, sem falar no Carlito Marrón, que celebra o Brasil fazendo o rasqueado cucaracho em publicidade milionária. Pode tudo no país que perdeu a soberania, que é tratado como palerma em Foz do Iguaçu, que entrega todo seu suor na dívida externa, que só ganha do Haiti em crescimento, que manda ainda mais soldados para o Haiti. Esse pesadelo acabará quando nossa auto-estima se insurgir e disser: fui enganado porque me enganei e não quis reconhecer. Agora que estou de frente ao espelho e tenho mais de mil anos, chegou a hora.

Basta de chefões da máfia eslava vir aqui querer comprar a Varig; basta de usar uma carência extrema, a necessidade de ambulância, para enriquecer; basta de dizer que o chefe da quadrilha não pertence à quadrilha; basta de achar que a direita até que é mais elegante; basta de desistir diariamente da democracia que ainda virá; basta de dar guarida à ditadura que implantaram em nós.

Quero ser livre, meu pai. Basta ser livre um só dia para minha integridade emergir. Basta um só dia de liberdade para que suspendam o pelotão de fuzilamento.

RETORN - 1. A conhecida obra-prima de Goya é sobre o serviço feito pela Revolução Francesa na Espanha saqueada. Os franceses da Revolução eram homens íntegros.

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