19 de maio de 2006

A NAÇÃO EM PEDAÇOS





O Brasil é composto de inúmeros pedaços que não formam um todo, uma unidade. Essas postas, para comparar às partes de peixes prontos para a fritura, não se comunicam, antes se expressam corporativamente, ou seja, cada nicho tem uma linguagem própria, que exclui todas as outras. A massa dos policiais fala um dialeto, a cúpula da polícia outro. O governo do Estado está voltado para si mesmo (o governo, não o estado), e não se entende com Brasília. Os partidos até podem se unir em acordos em votações e eleições, mas estão irremediavelmente separados. A mídia tem jargão próprio e finge que faz intermediação desses códigos, antes impõe o seu. A imagem que cada fonte quer passar para os outros públicos é a da fofura infinita. São tão corretos em suas lógicas que gostam de convidar a massa à reflexão. Convidam para pensar, como se produzir pensamento não fizesse parte da criatura . No fundo, querem manipular a cabeça alheia, já que estão certos de uma asneira, o de serem formadores de opinião. Ninguém forma opinião. Cada indivíduo desta nação em pedaços tem sua própria certeza. É por isso que, ou se diz obrigatoriamente "com certeza", ou todas as frases começam com uma negativa. Você diz: hoje o dia está bonito. Ao que replicam: não, mas dizem que chove à tarde.

BANCO - A expressão da moda é a execrável "presta atenção". Como são indivíduos inteiros em sua natureza de pedaço único, cada um acha que deve chamar o Outro à compostura de se alinhar aos seus propósitos. A verdade é que ninguém presta atenção, já que estão todos ocupados em chamar os outros para esse encargo. Mas toda essa confusão tem uma razão de ser. Começa lá por cima, em Washington. Para arrancar muitos bilhões de dólares do suor da população, o Consenso de Washington precisou da corrupção. Pagar essa fortuna para os gringos exige que não exista ética por aqui. Se você está no poder e paga religiosamente uma dívida contraída por governos corruptos, é que você faz parte da curriola (os juros são como o pagamento pela proteção da máfia). O pedaço do butim que sobra do pagamento dos juros da dívida externa é disputado pelas várias corporações. Quem tem levado a melhor são os bancos e seus lucros fabulosos. É emocionante ver Kaká, futuro hexacampeão do mundo, sorrir para você abrir conta no bancaço estrangeiro. É sintomático: na próxima Copa, o Brasil (Ricardinho e Rogério Ceni) está no banco. Quem é titular são os clubes europeus. Por isso temos Renato, Fred e Juan, e não temos Alex. O grande e genial craque está na Turquia. Ora, a Turquia...

CONVITE - Como todos precisam pegar uma parte da bufunfa pública, todos sentam em poltronas confortáveis e te convidam à reflexão. Levam anos para colocar bloqueio nos celulares nos presídios, e assim mesmo, quando fazem isso, não incluem o cárcere do chefão. Os motivos estão na cara, nem precisa mencionar. Aí a polícia leva uma tunda da bandidagem, que de repente pára de atacar depois de uma coincidência, o encontro com o líder preso. Quando a poeira baixa, a matança toma proporções de catástrofe. A situação é muito grave para ficar nas mãos só da polícia. Dizem as autoridades que a presença do Exército seria muito pior, pois as Forças Armadas são treinadas para aniquilar o inimigo, com pesadas conseqüências. É que não levam em conta o que significa Exército na rua numa guerra civil urbana. Imaginamos que o Exército tenha eficiente serviço de inteligência, saiba reprimir os ataques sem massacrar a população (ou é isso que está acontecendo no Haiti?). Chamar o Exército provoca traumas insolúveis. É que o Brasil em pedaços não cuidou disso também, o de incluir a farda vede oliva na grave crise nacional. O perigo são as vivandeiras de quartel, que sempre apelam para golpe de estado. O problema é que vivemos um clima de golpe, com a campanha eleitoral se servindo do massacre.

HORROR - Adeus, Brasil. Te cortaram em postas e te colocaram no azeite quente. Não querem solucionar nada, pois estão envolvidos até o osso no partilhamento do butim. Vivemos o falecimento do Estado de Direito desde abril de 1964. A Constituição frankestein de 1988 só é cumprida no que interessa, no que não interessa é ignorada. As armas estão no caminho de casa. E William Bonner aproveita a tragédia para falar ao vivo, vejam só, logo em frente ao complexo viário jornalista Roberto Marinho. Veio trazer para a cidade a solidariedade da rede Globo, disse ele. Ah, bom. O horror precisa desse tipo de manifestaçãp corporativa.

RETORNO - Imagem de hoje: mais uma foto de Helcio Toth, "Campinho de Itaguá". O jogo de várzea transformado em arte.

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