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13 de abril de 2006
O SENTIMENTO SEM NOME
Nei Duclós
O que chamam de amor é um grupo infinito de sentimentos incompreensíveis, que formam um conjunto batizado por essa palavra. São como fibras de um cabo de luz ótica, visto depois de um corte. Você olha o perfil e vê uma série de pontinhos, cada um fazendo parte de uma fibra. Como são intensas e vivem unidas, confundem os conceitos. É costume chamar, indiscriminadamente, de amor uma série de sensações, unhas cravadas no coração indefeso, ou apenas rios de lava que percorrem o corpo, uns de maneira mais tépida, outros abrindo caminho com fúria. É impossível separar cada fibra do feixe todo, por isso há tanta má vontade, na prática diária, em relação ao amor. Ou se abandona o sentimento (aquela fibra sem nome, que faz parte do conjunto, mas não é o amor, condomínio poderoso de inúmeras habitações) ou se convive muito mal com ele. Como posso saber dessas coisas? Sei lá, às vezes a lua cheia está plena de recados.
PRESENÇA - Ao acordar, existe uma sensação. Pode ser arrependimento, ou simplesmente continuação de um sonho. Estás só, mesmo que haja presença alheia. É contigo o embate: alguém plantou dentro de ti uma fibra ótica que cruza, como um neutrino (partícula que existe, mas não deixa marcas) teu corpo todo e te faz tropeçar no piso encerado (ou no chinelo, mas esta é uma palavra pouco apropriada quando se fala dessas coisas). Basta conhecer alguém e uma outra fibra não te abandona. Como podes se nem conviveste com aquela vida? É apenas um fisgar. Quando te revoltas com alguém pedindo comida num país que exporta proteína, desabafas para alguém desconhecido, teu coração está cheio de revolta e calor. O momento passa e ninguém lembra de mais nada. Volta para ti um cheiro, uma lembrança, uma cena, e lá está, plantada como um salso chorão (aquela árvore que se derrama em folhas e galhos sobre o chão), como um tornado invisível, a parte do feixe que deixaste de lado como um lixo industrial. Vais até o quintal da tua vida e vês, atirado, enrodilhados como cobras mortas, o conjunto de brilhos agora foscos, que deixaste de lado.
ESPELHO - A vida é um eterno assassinato dos sentimentos sem nome. Como não podem ser identificados, não há batismo. Chamamos de paixão, amor, empatia, todas as palavras, mas não se trata disso. É algo completamente desconhecido. É território inexplorado, que fazem a riqueza da psiquiatria. Não se trata de batizar, mas de identificar como algo próprio, que faz parte de um conjunto maior. É mais do que a arqueologia do coração e da mente, é trabalhar com um universo desconhecido, que está dentro de nós, mas estamos ocupados com outras coisas. Como há completo desconhecimento, os livros de auto-ajuda fazem a festa. As pessoas correm para as livrarias para tentar entender alguma coisa, mas existem apenas palavras. O sentimento sem nome (um olhar, uma esperança) está fora delas e continuas no terreno baldio da tua história. Então, se instala o hábito. Ou as pessoas se rendem aos argumentos falsos dos autores que nada entendem do incognoscível, ou continuam à parte de tudo. Aos poucos, tua cara toma a forma de uma máscara de horror.
MURO - Pois é preciso estar protegido contra qualquer tipo de sentimento. Tens mais o que fazer. Precisas sobreviver, fazer os outros se enxergarem, ordenar, contrapor, vencer. Para que serve isso que está agonizando como uma cobra de luz dentro do balde de tua indiferença? Serve para serem depositados em animais de estimação, em viagens inúteis, em poses estudadas. Serve para o vazio, enquanto sonhas com o amor tornado impossível, pois se não consegues entender uma só fibra do conjunto, como poderá lidar com uma cidade, uma nação, uma estrela inteira de grandezas infinitas? Idealizas o grande amor enquanto perdes o contato com que o tenta se salvar dentro de ti. Basta saber que isso existe, que não tem nem terá batismo, e acolhas em tua casa como um viajante sem pouso. Dê-lhe comida e água e um teto, para que possa ficar, ou parta um dia sem remorso. Serás assim a hospedagem de sentimentos desconhecidos, mas reais, e serás visto como alguém que sabe honrar o compromisso maior com a vida: a de existir para que todos possam encontrar seu destino e conseguir chegar ao portal divino com um feixe de fibras que se retorcem.
PERFUME - Será teu presente ao Deus que te aguarda, essa ramo de flores ainda incógnitas, mas vibrantes. O Paraíso precisa desse gesto, para que haja perfume na morada eterna e algo mais do que lágrimas na terra em conflito.
RETORNO - 1.Foto maravilhosa de Marcelo Min, o Olhar Absoluto, numa loja de luminárias da Consolação. Passei anos por lá e jamais vi algo assim. Min enxerga. 2. Bebeto Alves comemora os 30 anos da inesquecível banda Utopia e inicia celebrada turnê pelo país. Muts Weirauch e o Alphagroup se apresentam em Porto Alegre com clássicos antigos e modernos da música que ele adora e nos faz a cabeça. Delmar Marques lança livro e video sobre os minuanos em espaço cultural da praça Benedito Calixto em São Paulo no dia 20. 3. Hoje é dia da minha crônica semanal no espaço Literário do Comunique-se. 4. Muts informa sobre seu novo show: "O repertório (são dois momentos)tem no primeiro lance, uma coletânea de rocks e baladas e blues e countries da longa estradada da vida. São títulos dos Beatles, The Doors, Rolling Stones, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Eric Clapton, Jimi Hendrix, The Who, Led Zeppelin e Steppenwolf. Agora começa a segunda parte, com a banda mais entrosada..vamos pegar as 18 músicas que tenho guardadas(Duclós - Muts, naturalmente). Daí, começaremos a gravar no estúdio Believe, onde ensaiamos direto, ao vivo, como nos velhos tempos dos anos 50-60, quando as máquinas gravadoras não tinham mais que dois canais.O título, 1967 da capo", diz da anotação musical:começar novamente desde o princípio: 1967. Vou te dando notícias no decorrer da epopéia.Grande abraço.muts". 5. Meu texto " É de trem que eu preciso" foi publicado no La Insignia.
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