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4 de março de 2006
TODAS AS CHANCES DA ESCRAVIDÃO
A ditadura que nos governa não é de esquerda, como quer a direita. Está acima das ideologias e é puro pragmatismo: se serve de qualquer um, de qualquer indignação e luta para continuar imperando. Os lucros estratosféricos dos bancos, as pesquisas encomendadas, a grana preta da corrupção e da publicidade, o exílio da família Celso Daniel, perseguida por pessoas conhecidas, nas fuças de todo mundo, tudo isso são as chances aproveitadas pela escravidão que nos mantém no jugo. O mais perverso é dividir o eleitorado entre uma pretensa esquerda, o lulismo e seus asseclas, e a direita, os tucanos e sua entrega profissional do país. Entre os dois gumes, resiste o fio torto da nossa soberania. Nela devemos depositar nossa luta e esperança. Defender este governo, compactuar com a divisão entre os que são contra ou a favor do povo, são duas faces do mesmo crime. Tudo isso se reflete na mídia, cada vez com menos leitores, amarrada pelo pescoço pelo mal que nos pune.
ERROS - Por que, quando querem fundar um novo jornal, apostam na imbecilidade? Por que querem fazer cada vez pior, achando que esse esquema, o de evitar o talento e a coragem nas redações, é o caminho certo? Por que apostar ou no ranço da resistência ultrapassada, ou no marketing do bundismo militante são cartas sem contestação nas mesas de negociação, quando se quer criar um veículo novo na praça? Querem fazer sucesso com um jornal? Lancem um jornal independente, feito por espíritos livres. Coloquem a publicidade no seu devido lugar. Não é possível que os anúncios substituam as fotos, impondo suas presenças na leitura dos textos. Ninguém compra jornal ou revista para ver os anúncios e parece que isso deixa a publicidade enlouquecida de despeito. As pessoas querem ler algo que preste e não ficar olhando como a cervejaria clonou a musa para distribuir mulher como brinde para jovens e velhos. O desplante asqueroso da publicidade é fruto da nossa conivência. Todo mundo acha que deve baixar as calças para as agências, quando devia ser o contrário. Quando você fizer um veiculo de qualidade, a publicidade vai correr atrás. Você libertará os publicitários da própria armadilha. Eles te agradecerão. Estão exaustos de fazer gato e sapato em jornais com cada vez menos leitores.
ÂNCORA - E a queda tem sido brutal. Em cinco anos, dizem as pesquisas, jornalões perdem de 30 a 45% de leitura. É a internet, dizem os pobres de espírito. Internet coisa nenhuma. É o vandalismo da mídia comprada, fajuta e mal escrita. É a superconcentração de renda. Como podem pagar 400 mil reais por mês para o chamado âncora mudar de rede? Isso é uma fortuna, pago pela publicidade. Dividam esse dinheiro com jovens talentos, eles se tornarão celebridades em pouco tempo. Se você fizer um jornal decente, as pessoas vão disputar nas bancas, vão chorar quando não conseguirem seu exemplar, tenhamos internet ou não. Nos restaurantes de luxo, onde se fazem os acertos para destruir os jornais (achando que os estão salvando da ruína) se insiste sempre nos mesmos lugares comuns. Gosto das frases lapidares sobre jornalismo, de autoria de Mino Carta, que tive a oportunidade de ouvir ao vivo. Isto chama-se matar uma revista, dizia ele quando cometíamos erros. Ontem, na espera do dentista, folheei Caras. É de amargar. O Mick Jaegger ficou olhando, diz a capa, a Luciana Gimenez no Copacabana Palace, acompanhada do marido. Pelo amor de Deus. Vamos parar com isso.
TRÊS MESES - Tem jornal moribundo pronto para ir embora para sempre. Me dêem três meses, com garantia de pagamento de salários (médios) para alguns repórteres e fotógrafos. Como sempre, ficarei na minha. Vou deixar a meninada deitar e rolar. Levanto o bruto num trimestre. Não eu, mas qualquer um que faça o contrário do que pregam consultorias e idéias fixas. Ranço fora, falsa indignação fora, denuncismo plantado fora, texto ruim fora, foto ridícula fora, preguiça fora, falta de paixão fora, departamento comercial fora da redação, patrão longe de nós. Jornalista na rua, pautando e editando suas matérias. Três meses, cara. Three days, man, dizia aquele apresentador louco de Woodstock. Basta uma fresta de sol na gruta do horror para que o anjo da lucidez desça sobre nós. Junto dele, nossa amada musa, a liberdade.
RETORNO - Uma foto fisgada por acaso: a velha redação do Correio do Povo, no tempo em que se fazia tudo manuscrito. O Correio foi o jornal que deixou de lado a divisão na política gaúcha e se tornou o primeiro veículo independente do Rio Grande do Sul. O que fez depois com a independência são outros quinhentos.
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