11 de março de 2006

ARTIMANHAS DE ENJAM-BRYVER





O múltiplo MacGyver não é o ídolo de certos caras que conheço. Teve um que deixou pingar a torneira da cozinha por dois anos e, irritado enfim com a falta de conserto, tascou epóxi na bruta, que imediatamente parou de verter. Falo daquele tipo de sujeito que nasceu brigado com a furadeira e que, ao ser pressionado para tomar uma atitude, destrói a parede novinha ao tentar pregar uma tacha. Ou o que raspa o chinelo na grama alta sem atinar que pode cortá-la. Quando, sem querer, derruba um balde de água suja na sala, coça a cabeça e aposta que tudo um dia evapora. Não se trata de um preguiçoso, é até uma pessoa trabalhadora e cumpridora dos deveres. Sá que não tem aptidão nenhuma. Os mecanismos são segredos inexpugnáveis e até hoje ele se admira com o funcionamento de um martelo. Atribui todos os milagres eletrônicos à intervenção divina, mesmo que já tenha lido pilhas de artigos sobre física quântica. É o cara que não serve nem para abrir uma compota e assim fica fora das utilidades masculinas tão destacadas pelas feministas.

HORTA - Também está fora da ordem quando se trata de fazer qualquer força. Colegas de trabalho um dia quase foram esmigalhados por um armário diante dos olhos do inútil, que se recusava a ajudar. Depois que o perigo passou, com algumas seqüelas para as vítimas, ele explicou que o problema vinha da infância, quando o pai o obrigava a regar súbita horta inventada para que aprendesse a ser homem. O evento se dava depois de fartos almoços e certamente foi praga dele que deu-se o acontecido: um belo dia um boi solto na vizinhança entrou pelo portão aberto e fez o maior estrago nas alfaces que eram celebradas a cada manhã de colheita. Não que não se esforce. Até tenta sobreviver em lugares ermos, quando sonha em plantar alguns canteiros. Mas os bichos tomam conta e basta a primeira capinada para dar distensão muscular grave.

AEROPORTO - Enjam-bryver é um outsider. Sofre de desgaste muscular crônico e decidiu que seu reino não é deste mundo, apesar de tentar transformá-lo por meio de fantasias em que costuma colocar as pessoas na ordem correta. Não entende como motores de explosão não leva todo mundo para os ares e mesmo aceitando racionalmente o fato de que vozes e imagens rodam pelo éter sem cerimônia, ainda é aquele menino que achava que um homenzinho vivia dentro do aparelho de rádio a deitar falação. Quando clica o mouse, é como estivesse tendo uma experiência mística e sempre sente saudade das palavras que somem pelo vídeo do seu computador. É instigante pensar que ele ainda consegue casar e, o que é mais importante, criar filhos, mesmo que um dia, ao descer do aeroporto com malas bem contadas (ele se esforça!) deu falta de um dos garotos. Enquanto gritava desesperado em plena pista, a esposa, entre penalizada e assustada, lhe avisava: Mas o guri está no teu ombro! É que o menino estava tão grudado nele, há tanto tempo naquela viagem tensa, que já fazia parte do seu corpo.

SUSTO - Mais grave foi quando furou um pneu na curva da marginal Tietê, na exausta volta de um feriadão na praia. Raspou o pneu por alguns quilômetros, pois tudo estava absolutamente escuro. Decidiu então parar e alcançar o recorde da troca, enquanto dois mal encarados se aproximavam. Você me dá uma carona? perguntou um dos facínoras. Não, muito obrigado, disse ele. Jogou as ferramentas dentro do carro e saiu em louca disparada. No quilômetro seguinte freou bruscamente: Fulana está dentro do carro? gritou, desesperado. Pô, pai, tu ia me deixar lá na estrada hem?, balbuciou numa voz sumida a filha então com cinco anos. Não foi má fé. Enjam-bryver é uma pessoa sensata. Só que não nasceu para o mundo real. Não dá para coisa, como dizem na fronteira. Esse guri vive no mundo da lua, advertia o pai fazedor de hortas súbitas. Não vai conseguir estudar, é uma pilha de nervos, lamentava a mãe. Para provar que estavam enganados, era o primeiro a buscar lenha no acampamento. Mas não conseguia visualizar um bom carregamento. Pegava então um longo graveto fino e o partia em mil pedaços. Com aquela pilha pífia chegava exultante no acampamento. É que, quando guri, Enjambryver era bem pior.

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