19 de março de 2006

A CAMPANHA DA ILEGALIDADE




Ninguém me contou, eu vi. Na série JK, da Globo, passa diante dos milhões de telespectadores a seqüência sobre a renúnica de Jânio Quadros. Houve tentativa de não deixar o vice-presidente, João Goulart, tomar posse, dizia o texto. Então aparece o José Wilker no papel de Juscelino franzindo o cenho e dizendo que Jango (que estava em viagem oficial para a China) tinha o direito de assumir. JK pega o telefone e liga para Jango, garantindo que ele venha para o Brasil. Nem uma linha sobre a resistência armada no Rio Grande do Sul, a Campanha da Legalidade, que foi quem garantiu a posse de Jango (com apoio da Brigada Militar gaúcha e do II Exército). Uma campanha traída, como nos diz Jefferson de Barros no livro "Golpe Mata Jornal", pois o parlamentarismo que se instalou, mesmo sendo depois derrotado no plebiscito, foi a ante-sala do golpe de 64. Passar por cima da Legalidade não é erro histórico, é manipulação pura e simples.

LOTT - Nada também sobre o Marechal Lott, que se manifestou contra a ameaça golpista e por isso foi colocado em prisão domiciliar. Como comentei aqui, Lott foi tratado como coadjuvante de Juscelino nesta série paga para mentir. Um programa que se esbalda em Carlos Lacerda (interpretado por José de Abreu) e não faz referência (pelo menos não vi) a Samuel Wainer, que era o alvo favorito de Lacerda. No lugar de Samuel, os autores da novela colocaram o Roberto Marinho como a grande figura da imprensa da época. Não era. Marinho só teve importância mais tarde, com o golpe de 64. O caradurismo é impressionante. Wilker/Juscelino pede para o dono do jornal Globo comparecer à inauguração de Brasilia. O doutor Roberto então fala mal da gestão do presidente e da nova capital, que geraria inflação. Depois, na festa de inauguração, JK recebe com pompa o proprietário de jornal que não tinha a importância que teve depois. Isso não é manipulação apenas, é distorção. Querem reescrever a História? Isso se chama Campanha da Ilegalidade.

CULPA - A culpa é de todos: políticos, professores, jornalistas, escritores, acadêmicos, atores. A Universidade enterrou a era Vargas e a Legalidade foi erradicada do imaginário do país pela direita (conseguiram, e só recentemente obras como a de Paulo Markun sobre o tema fazem justiça da Brizola, o líder da oposição ao golpe de 1961). Tornou-se lugar comum limpar toda a obra do trabalhismo dos anais da História. Distorcem tudo, mentem descaradamente, e ninguém reclama? Ei, ninguém me contou, eu vi a Campanha da Legalidade. Nós, os garotos da época, simulamos um quartel e fizemos ronda com cabos de vassoura ao ombro. Estávamos mobilizados contra o golpe. Fomos nós, não foi o Juscelino! Fomos nós, e ninguém mais. Nós, naquele quartel de brinquedo, nós na redação da Ultima Hora armada com Taurus 38, nós, no Palácio do Piratini aguardando o bombardeio ordenado pelos golpistas, que no final não veio, nós, ouvindo Brizola, fomos nós! O povo mobilizado, armado contra a ditadura. Essa glória ninguém nos tira. Nem mil anos de mentira vão destruir aquela vitória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário