6 de março de 2017

POEMAS DO FIM DO VERÃO


Ainda concentrado e fora do circuito, desenvolvo poemas com iscas de palavras que me ocorrem.

Nei Duclós

PLATAFORMA

Essa beleza que não é provisória
Que permanece como flor de poucas horas
Expressa em palavras repletas de memória

Subias num trem
e eu estava de uniforme
De vestido longo quase tropeçavas
Mas te recompunhas ao me ver pela janela

É dessa beleza que falo
Quando o amor se despedia da plataforma

INSTANTE

Nenhuma ideia vai fora
Nenhuma nesga de luz
Todo broto traz a aurora
Toda flor vem do que fiz

Juntei porções de aventura
Obras ainda por vir
O teu olhar me confirma
o peixe oculto no rio

A colheita é o que se aninha
no coração ainda frio
Não perco a nota mais pura
que no instante se afirma

BARALHO

É simples configurar um poema
Basta embaralhar as certezas
Colocar isca pequena em alto oceano
Avistar ilhas que os vulcões extinguem

Passar a limpo rascunhos mais urgentes
Guardar as sobras em virtuais estantes
Sentir-se útil ao desperdiçar sementes

Depois esperar que os passantes
joguem moedas de atenção no chapéu tosco

O poeta fica na calçada
escutando pássaros

ÚNICO ESPANTO

Moro nos meus pensamentos
cidade que subverte o tempo
Ruas que compus no vento
Bairros onde esqueci a infância

Nenhum mapa marca sua presença
Passagens aéreas de imprevisível pouso
Trens obsoletos perdidos no deserto

O não lugar parecido com despensa
Poemas pendurados em réstias
Fantasias que não se sustentam

Vivo debruçado na varanda
Enxergo a lua, meu único espanto

BANJO

Não precisa gostar
mas viajar junto
Nem ignorar
mas enxergar o ponto
Não é para conhecer
(outro departamento)
Nem mesmo admirar
não é um palco

Discernir entre obra e autoria
Saber apenas o que está escrito
Conceber a arte como carpintaria
Pintura dividida entre a tinta e o mito

Assim também a poesia
rabisco de anjo numa areia fina
Blues de um banjo banhado em flor noturna
Trabalho que Deus pergunta onde assina

NEI DUCLÓS

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