29 de abril de 2016

PLANOS



Nei Duclós

Prefiro divulgar o que não tenho
um trevo de quatro folhas
uma casa na montanha

Prefiro planejar o que não sonho
uma viagem aos Andes
um rebanho de espantos

Prefiro andar onde me perco
um deserto de conchas
uma praia vulcânica

Prefiro fazer o que não posso
te levar para longe
prometer que ainda volto



25 de abril de 2016

DEMIURGO



Nei Duclós

Não empilho mais palavras
escrevo agora na nuvem
Chove, pássaro de espuma

Molhe o corpo suspenso,
demiurgo, jogue alto
o som do renascimento



RETORNO - Imagem desta edição: obra de Edouard  Bisson

22 de abril de 2016

A TERRA



Nei Duclós 

Imaginamos a terra e ela retribui
O berço é fruto da vigília
(o sono que se esvai entre armadilhas
do despertar tardio)

 Vivemos no casulo, invenção do uso
Criaturas datadas, somos findos  
capítulos de correnteza
claros de crepúsculos

E tem o mar, que não é terra,
mas sua porção maior,
O mar é a longevidade feita de surpresa
que o húmus não supera

Vivemos entre corais, ossos de sereia
 e a primavera, a ilusão suprema
Há neve em nosso olhar
e um barco a vela

RETORNO - Imagem desta edioção: obra de Eugène Fromentin

18 de abril de 2016

O SANGUE AZUL DA IDEOLOGIA



Nei Duclós

As virtudes revolucionárias definem a nova aristocracia, que torce o nariz para as decisões e os perfis do Terceiro Estado, o Congresso. Robespierre implanta o terror ideológico fundado numa fraude, a porção minoritária do voto encurralado pela abstenção e pela oposição, num pleito cacifado pela propina.

Há um frisson com engulhos diante da diversidade da nação exposta na representação de palanque, que se faz instrumento de uma vontade coletiva expressa nas ruas e que levou tudo a reboque, inclusive a mídia acusada de ser sua inspiradora.

A nobreza inventada pela posse ilícita dos recursos públicos acredita, como Robespierre, que o país não precisa de mais juízes, mas de mais guilhotinas. Não há inocentes na queda de braço dos Estados Gerais. Tudo pode servir à pose de quem se acha detentor de um patrimônio comum, o povo, e demiurgo de uma religião, o poder.

Ondes estás, Tocqueville? Precisamos de tuas luzes.

17 de abril de 2016

COM O TEMPO

Nei Duclós

Com o tempo, ficamos mais densos
Uma certa curva no olhar oblíquo
Um sorriso prudente, marcado pelas dores
Um olhar solidário de quem compreende

Longevos no sonho exausto e ainda exposto
Sabedoria dos limites, e uma serenidade
alheia aos conflitos. Uma coragem
que ninguém ensina e impõe respeito



16 de abril de 2016

DIVISÃO DA ARTE



Nei Duclós

No meu espaço reina a liberdade
Vibrei na fortuna o estandarte
 Milagre da sina, imposição da sorte
Coube-me a estrela na divisão da arte

Nas nuvens cultivei o voo cego
Escolho o que tenho e não enxergo
talismã do berço, coração mais sóbrio
deixei fluir a vocação inglória

Aprendi no abraço o que me faz esporo
perdi no tempo o amanhecer incerto
o corpo sem cobertura, o rosto exposto
a palavra dada sem aguardar retorno

Faltava um verso para fechar a história
veio por acaso como a flor na queda
cobri o flanco para avançar seguro
levo a bandeira sem permitir a guerra