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26 de abril de 2011
CONFRONTO ENTRE NARRAÇÃO E DESIGN
A cena é famosa. Em primeiro plano, o tenente inglês T. E. Lawrence está ao lado de um poço com seu guia árabe. Ele é o protagonista do foco narrativo tradicional, a história do militar especialista em Oriente Médio em missão especial de reconhecimento das forças do príncipe Faiçal. Ao fundo, no horizonte da imagem tomado pela areia e a luz branca formada pela união do deserto e do céu. desenha-se a linha fina de um vulto negro. É um pequeno rasgo na paisagem que vai se expandindo conforme o personagem que ele representa se aproxima.
O confronto entre a narração, a representação da história tida como real, e o design, a fantasmagoria, é a charada proposta pelos signos desse trecho da obra, no caso o filme de David Lean, Lawrence da Arabia (1962). Dois mundos que não se tocam pelo desconhecimento e o gap civilizatório e geográfico encontram o ponto focal, o desenlace de um desencontro. A perspectiva que se avulta não é um aperto de mão, mas um tiro. Pois o guia reconhece na lista negra que balança e se contorce por efeito dos reflexos do sol sobre a areia, o adversário tribal que impedirá o acesso dos dois à água do poço. Para se precaver, o homem vai até sua montaria para retirar o revólver que tinha ganho de presente na noite anterior do próprio tenente, mas não consegue disparar.
A túnica negra atira antes com um rifle e o guia cai com um buraco mortal na cabeça. É então que Omar Sharif assoma no cinema do megaespetáculo, depois de brilhar no Egito. Em Lawrence da Arabia, ele faz o papel do Sherif Ali, com seu sotaque rasteiro, suas frases certeiras e curtas e sua determinação em não deixar que ninguém usufrua do patrimônio da sua tribo, fator de sobrevivência naquele lugar hostil. O jogo bruto da diferença é todo decidido sem diálogos. As palavras não importam e quando elas surgem é apenas para marcar o território já deflagrado pela aparição, a ameaça e a reação decisiva. That´s is my friend., diz Lawrence. I know read and right, diz a aparição. Você matou um amigo. Tenho formação: duas frases se entrecruzam na ferocidade da diferença.
Mas o fator principal aqui não é a nacionalidade, a raça, a posição na guerra . E sim a linguagem, que define os papéis de cada um. O tenente, a partir desse momento, cruza o umbral de sua própria percepção e penetra no reino improvável dos povos nômades. Ele estava firmemente arraigado em sua nação, mesmo debruçado culturalmente sobre a terra que estudava com tanto fervor. Ele fazia parte de um discurso e buscava outro, mas foi surpreendido por algo diferente, uma imagem em movimento.
O espectador também dá esse passo além do extremo e parte junto para o terreno ignoto das tendas, das preces, do vento sobre as dunas. Lá onde as roupas, os gestos, os princípios, as idéias subvertem o mundo conhecido e desenham uma realidade diversa para os ocidentais. Esse novo mundo fecha o cerco sobre Lawrence, que se envolve até a medula na guerra que não era sua, mas ficou sendo. E só é rompido quando, depois de cruzar o Sinai, vê o topo de um navio cruzando o deserto. A visão do canal de Suez é o caminho de volta para casa, para a infelicidade de voltar a ser o mesmo, a reassumir o discurso. Por isso é aterradora sua fuça tomada pelo pânico de pertencer ao que de todos desconhecem. Ele está irreconhecível. Seu rosto de cera ilustra o olhar opaco de quem viu demais.
O narrador foi colhido pelo corte profundo da paisagem rasgada por aquele fiapo de sombra que deu um tiro mortal. A narração confrontou o design. E o mundo se transformou para sempre. “Eles não virão pelo árabes, nem pelos ingleses, nem pelo ouro ou pelas armas,”diz o tenente em delírio para seu general. “Eles virão por mim”. Pois foi ele que viveu aquele confronto e é ele, portanto, quem decide a parada.
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