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18 de setembro de 2010
NO JARDIM
Nei Duclós
Precoce, o pequeno pé de laranja lima arrisca sua segunda florada antes de completar três anos de vida. Sonhamos com a fruta colhida no quintal só pelo gosto de homenagear a doçura que ela oferece, imbatível diante das outras modalidades cítricas, mas ainda é cedo e o esforço costuma forrar o chão de pétalas abandonadas. A primavera também enche de esperança os novos brotos do limoeiro, devidamente podado e com um porte orgulhoso frente ao sol que se manifesta com mais freqüência. Ele começa a gerar pequenos botões, que se transformarão no mais aprazível suco da temporada, como já aconteceu uma vez, há tempos, antes da grande crise que se abateu sobre o jardim.
Pragas diversas interferiram no canteiro de ervas aromáticas, com exceção de um solitário pé de alfazema, já exuberante no cheiro que se espalha no quintal. Primeiro, foi o cão importado da grande cidade, que não estava acostumado a conviver pacificamente com plantas e acabou impedindo que elas vingassem. Depois vieram os caramujos, agora devidamente erradicados por dedicado profissional da grama e dos ancinhos, que nos visita mensalmente. E ainda houve outros eventos, dos quais nem é bom lembrar, já que estamos fazendo as pazes com este território.
Chegamos náufragos da megalópole, ermos por terra. Depois de comprar a casa, que dispõe de terreno razoável, sem excessos, mas sem escassez, contratamos operoso casal de uruguaios que fez uma limpa em regra na quantidade de problemas que se acumularam com o antigo dono. Depois, foi a vez de nos livrar de alguns imãs de bichos diversos, como vetusta bananeira que mais era casa de moradores indesejados do que fornecedora de cachos. As fortes ventanias da época dos ciclones nos obrigaram a exilar também o pé de abacateiro, que, já com tamanho razoável, se vergava perigosamente para a parte dos fundos da morada. Mas vingou uma novidade de nossa lavra, um arbusto no canto do muro, que abriga às vezes um casal de aves nativas, e que ali permanece sempre florido, para alegria dos insetos.
O excesso de problemas nos afastou bastante do lugar. Ficamos recolhidos às peças internas, nos reservando o direito de substituir o pedregulho herdado, por uma grama que precisou de tempo para nos acostumar a ela e a dar-lhe tratamento merecido. De toda a faina, resistiram algumas roseiras corajosas, que de vez em quando explodem em sóis de cores variadas, do amarelo ao rosa, como a nos lembrar que vale a pena pelo menos semear. Nem é preciso tanto cuidado, basta dar uma chance às criaturas. Não conseguimos manter xaxins e trepadeiras, que se estiolaram nos inúmeros contratempos climáticos e também devido à nossa falta de conhecimento básico no abraço com a natureza.
Cultivamos essa ilusão desde a juventude, quando queríamos voltar às origens da infância solta, já que estávamos exaustos do mundo da gasolina e do ruído. Depois de muitas vidas, aportamos no litoral, a uma distância respeitosa do mar, para evitar a muvuca na temporada e também porque ele precisa ficar fora do alcance da nossa vista, para que possamos usufruir de alguma surpresa e encanto quando nos encontramos. Praticamente vivemos no interior. Nos longos invernos, são esporádicas as visitas à praia, sempre batida pelo vento frio, e econômica em atrações quando longe do veraneio.
Conseguimos, mas nada obedece completamente ao sonho. Assim mesmo, quando as baixas temperaturas começam a ceder e a laranjeira, menina-moça, a florir, sentimos que valeu a pena. É quando podemos então colher a flor mais arisca do jardim conquistado, a poesia.
RETORNO - Imagem desta edição: o arbusto que abriga um ninho. Foto de Ida Duclós.
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