23 de julho de 2009

GOL DE PLACA NO MIOLO DO CAMPEONATO


Nei Duclós

No jogo desta quarta-feira no Beira Rio, em Porto Alegre, o gol mais bonito foi o de Jean, do São Paulo. Um pé atrasou a bola por um espaço mínimo, o suficiente para o outro pé bater com efeito e por elevação. A bola subiu em elipse, cobriu o goleiro, raspou na trave e entrou, provocando desespero no Colorado, que já contava com a partida ganha desde os dois a zero do primeiro tempo e a perda de um pênalti por parte do adversário. O futebol é aparentemente aritmético e analógico, quando no fundo é quântico e virtual. O espaço do gramado não é o mesmo do jogo. A grama está confinada por números exatos, o jogo transcende os limites, dribla a percepção e faz gol de cobertura na mesmice do noticiário.

O gol de Jean foi visto como resultado de "um lance despretensioso" pela reportagem de plantão. O atleta teria tentado cruzar simplesmente. Foi então pura sorte, um desvio de conduta da bola endereçada para outro objetivo, o miolo da área, onde se decidiria o lance. Acho má vontade do jornalismo esportivo. Você não pode desvirtuar uma jogada só para não arriscar o pescoço, pagar o mico de ser enganado. Então, aposta no pior achando que está certo.

Parece que há medo de dizer: foi um golaço de verdade, pois nasceu de uma elipse, de uma curva sofisticada, de uma bola de efeito. Surpreendeu todo mundo e foi fruto da agilidade de pensamento do jogador, da sua presença de espírito e da noção que tem da possibilidade de inventar espaços onde ele não existe. Você não pode decidir apenas baseado no que você vê. Pois você enxerga o que dizem ou o que está treinado para ver. Não é como um tira-teima, que mede os centímetros de um impedimento, como foi feito nos dois gols de Alecsandro, do Inter.

Dizer que Jean quis fazer uma coisa e foi brindado pelo acaso é apenas uma opinião. Agora, dizer que foi um gol proposital, pensado na velocidade da luz e que decidiu a sorte do jogo, é mais do que uma opinião, é o reconhecimento dessa graça misteriosa, o talento, tão negado pela mediocridade reinante. Os medíocres não acreditam num lance genial, acham sempre que aí tem, alguma coisa foi feito errado. São capazes até de convencer o próprio autor da façanha de que ele não quis fazer aquilo mesmo.

Num domingo desses, Tabajara Ruas me provou, baseado na experiência do futebol pentacampeão do mundo, que Ronaldinho Gaúcho mirou no gol e acertou no jogo contra a Inglaterra em 2002. Não foi sorte a bola ter cruzado o espaço sideral e se depositado na gaveta, para espanto dos ingleses, que até aquele momento achavam que dominavam o mundo. Ali eles viram que existe algo fora do alcance e se renderam às evidências da civilização atlântica.

Gostei da rodada do Brasileirão, que teve uma importante vitória do Avaí, aqui da ilha, contra o Grêmio, o que fez o time da casa subir ao 16º lugar e sair da zona do rebaixamento. O campeonato de pontos corridos está pelo meio e os jogos pertencem ao Brasil, não tem estrangeiro enchendo o saco. Gostei que o Nilmar está satisfeito no Colorado e recusou a proposta dos alemães. Nilmar é liso e desde que driblou sete para fazer um gol de placa está sendo perseguido em campo. Nesta noite contra o São Paulo, fez pouco. Mas não se deve subestimar um craque. Nem mesmo um jogador considerado médio.

Jean é um bom sinal. Ele atrasou a bola para si mesmo quando estava com dois zagueirões na suas fuças. Estendeu o braço, encolheu uma perna e chutou na base da bola, de um jeito que ela rodasse no ar. A bola, então, discípula dos vislumbres e da imaginação criadora, rompeu os cubos e quadrados da nossa expectativa. E projetou-se por trás do goleiro depois de atingir a altura da Lua recém eclipsada. Beijou a trave e chiou a rede, que naquele momento era o conjunto dos nervos da massa proprietária do Beira Rio.

Depois desse lance, os colorados não deixaram mais o juiz em paz. Mas a verdade é que o time subestimou o adversário, quis dar olé no meio da partida e abriu a guarda. O juiz é um desastre, mas deve-se admitir que o time vacilou. "Chove, governo ladrão", como dizia o italiano anarquista.

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