16 de julho de 2009

JOGO BRUTO NA FINAL DE VIDA OU MORTE


Nei Duclós

Uma partida que decide um campeonato se diferencia de todas as outras porque um dos times morre para sempre no final do jogo. Não é um mata-mata no meio do caminho, como acontece na Copa do Brasil. Nesse momento da eliminação, os jogadores voltam para casa sem ter passado o vexame de chegar no limite e não conseguir. O drama verdadeiro é ter a taça ao alcance da mão e vê-la escapar para os braços do seu pior inimigo. E no futebol, todos sabem, o pior inimigo são os argentinos.

Não porque eles sejam tudo isso que acreditam ser. Mas porque costumam convencer que dispõem desse destino inventado. Eles formatam essa criatura principalmente quanto enfrentam os brasileiros. Geograficamente, a Argentina é um aleijão, fruto das derrotas em campo de batalha. Perderam o Uruguai e todo o território, hoje brasileiro, que vai até Santa Catarina. Como são aleijões geográficos, criaram o mito de melhores do mundo. Isso acontece em sociedades isoladas. Para os peixes do aquário, quem troca a água é Deus, disse um dia Mario Quintana.

Mas não podemos desprezar nossos vizinhos, mesmo reconhecendo que eles são insuportáveis nessa gana de vencer a qualquer custo. Precisamos entendê-los, como se faz com grupos humanos problemáticos. E uma final da Libertadores, como a que tivemos nesta quarta-feira entre Estudiantes de La Plata e Cruzeiro no Mineirão, é a chance de focar os muchachos que se expressam às patadas porque não amadureceram para a possibilidade de, um dia, morrer.

Tivemos um primeiro tempo que pode ser comparado a uma arena onde é permitido o assassinato. Foi um tropel de brutos, um clube da luta. Pisar covardemente o adversário caído, dar tapa no rosto na frente do juiz, tranco por trás com ajuda do braço foram expedientes usados que fazem sombra a sacanagens clássicas como o carrinho – aquele arrastar de chuteiras em direção ao tornozelo de alguém, num impulso de todo o corpo repentinamente transformado em avalanche. Esse primeiro tempo, sem gols, foi a intensificação do jogo anterior, na Argentina, em que duas camisas exasperadas travaram um duelo sinistro, mas que só chegou às chamadas vias de fato no Mineirão.

Mas no segundo tempo, o clima mudou. Conformados em ter de jogar futebol e não participar de um chacina, os jogadores se concentraram num jogo rasteiro e corrido até chegarem, cada um, a um gol. O empate civilizou a contenda e houve uma trégua nas botinadas, apesar de continuarem as provocações, as ameaças, as quedas falsas, as faltas cavadas.

Alguns jogadores sintetizam a identidade do jogo. Ramires, por exemplo, da seleção brasileira, joga futebol, não é de luta. Até, pelo menos, o milésimo tranco de Verón. O excesso do capitão argentino transfigurou o craque, que acabou se rendendo à brutalidade ambiente. Isso anulou-o perante um jogo que precisava dele para virar. Sim, porque ao fazerem o segundo gol, os argentinos celebravam o assassinato do futebol brasileiro e projetavam a determinação de não deixar mais ninguém colocar mão na taça. Essa gana dos hermanos é uma espécie de segunda natureza, despertada quando algo ameaça a hegemonia que imaginam desfrutar perante o resto do mundo (no caso, o Brasil).

Kleber, tão incensado, também entrou na roda argentina, que chamam de catimba, mas é coisa pior. A estrela cruzeirense perdeu seu tempo tentando revidar e acabou nas garras do tango. Tornou-se inútil, então, o único gol de Henrique, ou o bolaço no travessão da cidadela platense, ou, ainda, o esforço de todos os jogos anteriores. Uma final perdida joga por terra tudo o que foi feito antes, inclusive o sacrifício do time perante o Brasileirão, o campeonato que resta ao Cruzeiro agora. Voltar à vida real caindo pelas tabelas é o pior dos pesadelos.

Enquanto os brasileiros sofrem, a massa adversária presente ao estádio canta canções de guerra e pula a alegria dos vitoriosos. São danados esses caras do colosso de prata. Eles conseguem se superar e até se acertar nesse esquema que os define, o de serem uma correria em campo com precisão de relógio cuco. Isso seria não reconhecer o mérito alheio? Claro que não. Trata-se apenas da constatação dos fatos. No dia em que eles te convenceram que são mesmo essas sumidades do esporte bretão, pode recolher as chuteiras. A Argentina consegue vencer aqui e ali, mas sempre será o vizinho que cobiça o gramado alheio. Por isso se acaba na luta de vida e morte das sucessivas finais do futebol.

Para eles, é importante provar que são melhores. Nós, que não precisamos provar a evidente hegemonia, somos apenas o resultado da nossa vocação real de gigantes. E toda grandeza tem memória dos antecedentes, dos maracanazos, dos saltos altos, das omissões. Aprendemos que perder, morrer em campo, acontece. É uma fatalidade passageira.

Por enquanto, a verdade é essa, das vagas estrelas do Cruzeiro, a constelação que se diluiu num carrossel vermelho e branco.

EXTRA: ABRAÇO MORTAL E LIBIDO

1. Você votou em Lula em 1989 para derrotar Collor? Dançou. Você, no fundo, votou em Collor. Os dois se abraçaram ontem e juraram fidelidade. Todo aliado do Lula, todo aquele que justifica os atos do presidente vândalo, hoje é Collor de Mello. Gostaram? É assim que a ditadura do voto de cabresto, o voto útil, faz. Sem mencionar que a alegria do encontro entre os dois palhaços foi pontuada por uma explosão explícita de um roçar de egos. Cada um tem a alegria que merece.

2. Os americanos estão preocupados com a repressão à libido em época de América politicamente correta. A Esquire, num artigo assinado por S.T. VanAirsdale, diz textualmente: “Obama can't check out a behind”. Ou seja, o presidente deles nem pode olhar o traseiro (ou dar uma checada no busanfan de uma brasileira), que todo mundo corre para desmentir. Deve ser direito adquirido esse, o de olhar uma brasileira pelas costas, abaixo da cintura. O jornalista acha que Harry Potter está influenciando os machões do futuro, tornando-os docinhos da mamãe. O cara gosta do Charles Bronson, deve ser isso. Está explicado. Ele assume o bordão das perigaças: “Falta homem no mercado”.

3. Li que Obama não disse sobre Lula: esse é o cara. Ele disse: that´s my man. Tradução livre: esse é o meu motorista, meu ajudante-de-ordens, meu xiru, meu subalterno, meu faz-tudo, meu serviços gerais, meu agregado das pilchas, meu feitor, meu capataz. Talvez seja por isso que ele ficou tão à vontade para dar uma boa olhada no traseiro da delegada da Unicef, menor, negra e brasileira. Obama teria contado com o apoio do “seu homem”? Não pode ser. Deve ser coisa daquele anãozinho francês, o carlabrúnico.

4. Se o jornalismo fosse esse troço pregado pela mediocridade bem posta dos comunicólogos e consultores, a matéria cult de Gay Talese, Frank Sinatra está resfriado seria, no Brasil, reduzida a cinco linhas e publicada na coluna social. Temos, no nosso jornalismo, magníficas reportagens escritas por textos geniais espalhados por inúmeros veículos, todos eles mortos (mesmo os que, aparentemente, sobreviveram). Basta pegar as matérias de Narciso Kalili, Edenilton Lampião, Hamilton Almeida Filho, Joel Silveira, Marcos Faerman, entre muitos outros, e teríamos exemplos de sobra. Mas ficam incensando o Gay Talese, que, demagogicamente, disse que veio ao Brasil "aprender". Só se ele soubesse português e fosse consultar os arquivos mortos do talento assassinado.


5. Carlos Heitor Cony, nas suas costumeiras arengas da Folha, colocou a culpa do abraço entre Collor e Lula no Getúlio Vargas. A manchete do fim do mundo escrita pelo Cony deverá ser: “Apocalipse provocado pelo ditador do Estado Novo”. A justificativa do atual beneficiário da bolsa-ditadura é a de que Luiz Carlos Prestes, ao sair da prisão, abraçou-se ao seu carcereiro na campanha eleitoral de 1945. "É bem capaz!", como dizem os gaúchos. Cony usa do velho artifício do anacronismo para misturar as cartas.

Prestes envolveu-se, em 1935, num golpe de estado contra um governo eleito por Assembléia Constituinte, por sua vez eleita pelo voto direto (com a participação pioneira do voto da mulher). O movimento que liderou matou gente. Foi derrotado. Getúlio poderia ter mandado fuzilar, matá-lo na hora da caça, mas o manteve na prisão até soltá-lo, vivo. Hoje, é moda dizer que a vitória da FEB trouxe a democracia de volta ao país. A FEB foi uma força militar organizada, armada e enviada para a Europa pelo governo do Estado Novo. Quem lutou, de armas na mão, pela liberdade n os campos da II Guerra foram os soldados mandados pelo Getúlio Vargas.

Ma aconteceu exatamente o contrário. Um golpe militar (o de 29 de outubro de 1945) derrubou Getúlio e convocou nova Constituinte. Ciente das más intenções da direita, que queria entregar o país (como de fato o fez a partir de então), Prestes aliou-se a Getúlio para derrotar os entreguistas. Nada a ver com o conluio de interesses escusos entre Collor e Lula, unidos no sucateamento do país (Lula completa o que Collor e FHC fizeram, a destruição do Brasil soberano, ou da Era Vargas). O que unia Prestes a Getúlio era o espírito público. O que une Collor e Lula é o espírito de porco.

Como exemplo de homem íntegro que não se vende, Cony invoca a figura carismática de Monteiro Lobato, que estava louco para entrar na Academia Brasileira de Letras. Aí o espírito de porco do Julio de Mesquita (não sei se Filho, Neto ou Tataraneto) disse: mas Getúlio também está lá de fardão, vais compactuar com teu carcereiro? Lobato teve então de desistir. Vejam a sacanagem. Tiraram de Lobato o prazer de envergar o fardão.

Monteiro Lobato atacou o regime do Estado Novo e foi preso por ordem do Conselho de Segurança Nacional. Da prisão saiu ileso, vivo. Publicou a maioria dos seus maravilhosos livros durante o Estado Novo. Hoje, a turma que o coloca como paradigma anti-Vargas faz gato e sapato de sua grande obra. Destroem tudo, esses gafanhotos do mal. E a culpa é de quem? Daquele gaúcho, claro. Haja.

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