4 de fevereiro de 2009

PORQUE MINO CARTA SE DESPEDE


"O Congresso acaba de eleger para a presidência do Senado José Sarney, senhor feudal do estado mais atrasado da Federação, estrategista da derrubada da emenda das diretas-já e mesmo assim, graças ao humor negro dos fados, presidente da República por cinco anos." Mino Carta, em seu blog, no texto intitulado Despedida.

Trabalhei com Mino Carta por cinco, talvez seis, proveitosos anos, de 1982 a 1987. Aprendi tudo com ele: a assumir responsabilidades dentro de uma redação, a criar um veículo a partir do nada, a pensar estrategicamente, a aproveitar ao máximo o que é apurado, entre outras coisas. Quando comecei a fazer parte da sua redação, na revista Senhor semanal, eu era apenas um talento. Quando me afastei dele, já era quase um adulto. Quase porque ainda tive de aprender muito mais, para amadurecer o mínimo possível e deixar de ser um jornalista limitado e iludido sobre as próprias capacidades.

Agora Mino se diz decepcionado de tudo e pede o boné. De maneira amarga, mas lúcida, diz a seu modo e dentro da sua coerência, algo que os leitores do Diário da Fonte lêem aqui quase todos os dias: a de que vivemos no regime que é a continuação (para mim é o mesmo) do implantado em 1964, uma democracia de araque inventado por Golbery de Couto e Silva, e que eu chamo de Ditadura Civil. E que começou naquela derrota da emenda das Diretas-Já. Mas o evento focal que desencadeou a decisão de Mino deve ter sido a afronta contra a soberania italiana, o acobertamento aqui de um criminoso condenado lá. Por pura soberba de um governo que Mino apoiava e que não apoia mais.

A grosseria com que é brindado em vários comentários nos deixa pasmos. Não reconhecem o quanto perdemos com a saída de Mino do cenário jornalístico. Aos 75 anos, Mino merece uma aposentadoria. Deveria ser homenageado, paparicado, saudado. Devíamos todos agradecer sua presença, seu texto inimitável, sua grandeza, sua coragem. Uma pessoa que assume seus erros e acerta mais do que erra. Um Mestre, em todos os sentidos.

Ter trabalhado com ele foi minha grande chance de sair do ramerrão a que fui confinado pela ditadura e de me tornar maior, transcender o que tinham armado para mim. Mino é uma daquelas personalidades de uma época que será lembrado pela sua ação civilizatória num país assaltado pela barbárie. Um pintor maravilhoso, um romancista estupendo, um jornalista único. O que mais querem dele?

Abram alas para Il Maestro. Se existe alguém que merece ser chamado assim, esse é Mino Carta, italiano de nascimento e formação, brasileiro por opção, que se despede para nosso pânico, enquanto as hienas se beijam publicamente, celebrando um regime de opressão que parece não ter mais fim. Torna subito, Mino. Não podemos prescindir das tuas luzes.

RETORNO - Imagem desta edição: Sarney beija a senadora Ideli logo depois da vitória. A foto foi-me enviada por e-mail.

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