26 de setembro de 2008

ENTREVISTA PARA ALUNOS DO JORNALISMO DA UFSC


O jornalista e professor da UFSC Fábio Mayer me colocou na roda com seus alunos e o resultado do chat é o que está a seguir, com alguns cortes e correções. A foto é de uma redação antiga, daquelas das olivettis.

P - Estamos em 10 pessoas aqui na aula, da terceira à sétima fase.
R - Ótimo, boa tarde a todos.
P - Quem está digitando é uma aluna, Annelize. Nos diga então, por que você decidiu ser jornalista?
R - Foi complicado. No fundo, e já tinha decidido quando estava na minha cidade. Cheguei até a tentar uma vaga na rádio local. Mas depois quando fui a Porto Alegre, não tive apoio de imediato para seguir a vocação. Então entrei na engenharia, mas saí. No ano seguinte, entrei para o então Curso de Jornalismo da UFRGS. Entrei por vocação.
P - Mas você não teve apoio de quem? Da família?
R - O curso eramuito recente, os pais estranharam. Mas insisti, entrei e logo depois fiz teste para a Caldas Junior e aí entrei como foca na Folha da Tarde. Depois que entrei, me apoiaram. Hoje é moda, não é mesmo? Naquela época, fim dos anos 60, era um curso muito desprestigiado.
P - E qual foi sua reportagem mais marcante?
R - Minha primeira reportagem foi até antes de entrar na FT. Foi para uma revista da Prefeitura. O tema era sobre influência da televisão na infância. Mais tarde, outras reportagens foram importantes. "Uma grande abertura musical", que foi capa da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, era a cobertura de show no ABC, patrocinado pelos metalúrgicos. Estava todo mundo lá, da Elis Regina ao Lula. Foi forte, gostei demais e obteve grande repercussão, inclusive na direção do jornal, que não gostou. A maior parte do tempo fui redator e depois editor. Mas fiz reportagens, sempre que podia e queria. A primera reportagem sobre o filme Pixote, de Hector Babenco, fui eu que fiz, para a IstoÉ. No resto foram coberturas em equipe. O acidente com o césio em Goiânia, por exemplo, vários repórteres envolvidos, eu editei da redação da IstoÉ de São Paulo. E por aí vai, é muita coisa.
P - Tem algum fato curioso que você queira contar pra gente sobre seu tempo de repórter?
R - Vários. Um dia fui entrevistar um figurão em São Paulo, a pedido de Mino Carta. O sujeito era colecionador de arte. Quando cheguei querendo entrevistá-lo ele levou um susto. Achou que era o imposto de renda. Um momento inesquecível da reportagem foi entrevistar, logo antes de ela morrer, a Lina Bo Bardi, arquiteta do Masp. Na sua enorme mansão, vendo-a tomar um licor, ela me falou durante horas. Lina fui um dos poucos gênios, pessoas realmente geniais, que conheci.
P - E como foi trabalhar com o Mino Carta?
R - Mino é uma universidade de jornalismo. Sabe tudo. E o mais incrível: com ele perto, as coisas realmente acontecem. Quando ele saía de fria, furava pauta, era impressionante. Mino é poderoso, no sentido de um pessoa cheia de energia, ético, e um sábio. Sua mais importante lição eu procuro sempre aplicar. Qual é essa lição? O segredo está na equipe. Parece simples, mas não é. Antes de trabalhar com o Mino, achava que o grande jornalismo era feito por ditadores de redação, os caras que mandavam os outros azerem de determinado jeito. Com Mino aprendi que é exatamente o contrário. Você convoca a redação, você pergunta e escuta a equipe, que sempre traz as melhores pautas. Quando, nas reuniões de pauta, ficávamos em silêncio, ele dizia: E então, nenhuma migalha de uma idéia? É que acontecia o seguinte: quem sugeria, fazia. O pessoal gostava de ter idéia, mas fazer dava trabalho. Mino conhece todas as manhas do jornalista. Aprendi com ele a fazer um veículo de comunicação a partir do zero Peguei mais tarde jornal e revista e fiz acontecer, claro que em dimensões infinitamente menores dos projetos em que trabalhei como funcionário.
P - Quais projetos?
R - Coisas pequenas. Veículos corporativos, como uma revista para a Fiesp focada no chão de fábrica, sem fotinho de diretor, sem oba-oba nem pauta imposta por ninguém. Nós fazíamos a revista e os industriais e seu entorno - designers, engenheiros, sociólogos etc. - adoravam. Fiz por cinco anos e fez bastante sucesso. Publicava reportagens de grandes repórteres da grande imprensa, gente que vinha da Gazeta Mercantil, do Estadão. Matérias curtas, mas significativas. Enxutas. Não tinha nada a ver com esses luxos que se fazem hoje. Na revista senhor do mino carta inaugurei as edições extras, tendo editado uma só sobre o plano cruzado.
P - E quais mudanças você vê no jornalismo atual e o do início de sua carreira?
R - Muito profundas. Quando cheguei na redação, existiam inúmeros jornalistas experientes, feras mesmo, que começaram a me ensinar. Ser editor, para alguém na faixa dos vinte anos, era impensável, a não ser que se tratasse de um Mino Carta, filho de jornalista famoso e grande jornalista que ele, Mino, sempre foi, que dirigiu a Quatro Rodas com 26 anos. Ou seja, se pastava bastante antes de ter algum poder, responsabilidade maior numa redação. Hoje vejo que nã é bem assim. Outra mudança foi a eliminação do copy-desk. Os problemas que hoje vejo no jornalismo são em grande parte por falta de copy, ou seja, daquele jornalista que se debruça sobre o texto do repórter e trabalha nele, para melhor. Os textos eram miais densos, intensos, sem as redundâncias de hoje. Praticamente hoje você lê a primeira e a segunda frase e acabou, o resto é suite de dias anteriores ou redundâncias mesmo. Isso não é regra, mas é na maioria dos casos. Claro que tem também muita coisa boa.
P - O que você considera que seja bom no jornalismo atual?
R - Profissão repórter, do caco Barcelos. Aliás, Paulo Francis dizia que não lia jornais, lia jornalistas. Acho em geral a folha melhor do que os outros veículos.
P - Você se incomodava em trabalhar com hard news? Tentava fugir da estrutura rígida da pirâmide invertida?
R - Quando precisei trabalhar, trabalhava. Mas acho que mesmo na hard news você pode ser mais denso, mais criativo do que simplesmente seguir o manual. Veja o caso do Wagner Carelli, grande jornalista que no inicio de carreira trabalhava no Estadão. Ele tinha ido fazer uma reportagem quando o edifício Joelma começou a pegar fogo. Ele ficou a tarde lá, no edificio em frente e pegou tudo, que os outros não pegaram, pois cortaram o acesso a todos os edifícios em volta e ele ficou praticamente só na cobertura, sem concorrência. Aí ele estava escrevendo a matéria da forma tradicional, quando uma grande jornalista chegou por trás e disse: por que vc está colocando no pé do teu texto esse detalhe dos pés do governador descendo do helicóptero no teto do edifício em frente para ver o incendio? por que você não abre com isso? Foi o que ele fez. Foi capa do Estadão com a abertura criativa dele, soprada por uma jornalista veterana.
P - Legal! Como assim "mais denso"?
R - Mais denso quer dizer mais bem escrito. Você precisa exigir mais do teu texto. Não pode simplesmente deixar correr, mesmo que haja urgência. Precisa se treinar em conseguir mais. Mas isso deve ser permitido e incentivado pelo editor, pela direção do jornal ou revista ou noticiário. Quando dirigi por alguns meses o telejornal da record, em 1992, eu pedia para reescrever a cabeça, o lead da notícia. Era um escândalo. Diziam que não havia tempo, que eu era da escrita, que não sabia como funcionava a TV. Aí eu dizia: reescreve. Eles reescreviam. Mas eu dizia: reescreve e de novo! Precisa ser assim. Com o tempo o cara pega a manha e deixa de se entregar aos jargões que surgem.
P - E durante a ditadura, como foi fazer jornalismo?
R - Bem, acho que continuamos na ditadura, não me leve a mal. Mas quando a ditadura precisou dos militares para fazer o jogo sujo (a partir de 1985 não precisou mais) a censura era de fora para dentro. Hoje é de dentro para fora, existe a auto-censura. Naquela época, qualquer um censurava. O delegado da esquina ligava para o jornal proibindo publicação disto e daquilo. Hoje você está proibido de fazer um monte de coisas numa empresa de comunicação. Falar mal da publicidade, por exemplo. Atacar os apaniguados da direção, entre outras coisas
P - Foi por isso que você decidiu fazer blog?
R - Sorte que tem a internet, que é território livre, e o espaço da crônica, onde há mais jogo de cintura, mais liberdade para escrever. Sim, eu estava entalado com décadas de ditadura, precisei jogar tudo para fora, a censura milenar das nossa vida. Deu certo, fiquei feliz. Mas a imprensa te ignora. Jamais saiu uma só linha sobre o Diário da Fonte, que mantenho no blog desde 2002, analisando tudo, especialmente mídia. Ignorar é uma forma de censurar. Costuma-se incensar blogs comportamentais cools, mas blog que tenha o perfil e jornalismo, não. A não ser que faça parte da turma.
P - Que mudanças você acha que ocorreram no imaginário da figura do jornalista com a internet?
R - Muito profundas. Tudo veio á tona. O que era gaveta deixou de ser. E a sedução de poder publicar tudo o que vc escreve é maravilhosa. Quem se dispôs a isso, deixou de ser travado. Porque uma redação tradicional trava. Um jornal na internet, se for bem feito, liberta.
P - Você considera o blog como um novo gênero da literatura?
R - Não, blog é ferramenta. Lá você pode fazer o que quiser, escrever de maneira tradicional ou fazer experimento. Há uma confusão na área. Muita gente ainda acha que blog é uma espécie de anotações marginais a televisão, que se pela de medo da internet, trata blog e site como coadjuvantes. Mas não precisa ser, estar em segundo plano. Blog é vanguarda, é uma ferramenta up-to-date. Cabe tudo. Você pode criar um novo gênero de literatura usando a ferramenta blog, mas o blog não é um novo gênero literário.
P - Quantos blogs você tem?
R - um só, o http://outubro.blogspot/. E um site www.consciencia.org/neiduclos. No site coloco os melhores textos do blog.
P - No seu blog, você faz literatura ou jornalismo?
R - Publico poemas contos, crônicas. Mas também artigos sobre economia, política, história.
P - Você considera mais fácil fazer jornalismo ou literatura? O que você prefere?
R - Literatura sem dúvida, ma o jornalismo foi abraçado por mim em 1969, tem quase 40 anos. Aprendi a fazer tudo nele. Então gosto muito de jornalismo, mas literatura é meu fraco, meu forte. Os dois não são fáceis. Literatura é jogo pesado. Você não escreve porque tem "facilidade" de escrever. Acho que foi Chico Buarque que disse: quem tem facilidade de escrever é locutor. Os dois te exigem tudo, mais de uma vida. Acho reportar uma tarefa árdua, produzir um texto final coisa de enlouquecer, escrever um romance um desafio, dar sentido a um livro de poemas uma barra, escrever e selecionar teus contos, outra, não deixar-se envolver pela aparente facilidade da crônica também é complicado. Tudo é difícil, por isso é gratificante.
P - Como foi a sua transição da máquina de escrever para o computador? Na literatura essa transição é mais fácil ou mais difícil?
R - Escrever direto na máquina de escrever foi bem complicado. Eu estava acostumado, antes de entrar no jornalismo, escrever a caneta! Mas me acostumei. Quando cheguei no computador achei tudo uma baba. Para quem pastou na Olivetti, um micro é um bálsamo. Nunca mais aquela dureza de tecla, aqueles papéis amassados, aquelas correções torturantes a caneta em cima das pretinhas. Na literatura fica ótimp. Escrevi literatura em computador muito mais do que produzi em máquina de escrever.
P - Ruy Castro e Marcos de Sá Correa criticam a denominação Jornalismo Literário. O que você acha disso?
R - Gosto de Jornalismo Literário. Acho que eles tem o cuidado de dizer que no jornalismo você pode ser tão criativo quanto na literatura, só que agora não deixam. Foi-se o tempo em que os textos eram verdadeira peças de literatura, como na Realidade e mesmo nos jornalões diários. Acho que pra eles é jornalismo ponto, sem o literário. Faz sentido. Mas eu não desgosto da expressão, acho boa
P - Você acha que alguma publicação impressa atual conserva esta característica de texto solto?
R - A publicação toda? deixa ver. Talvez a Caros Amigos. Mas em geral o que existem são exceções, ao longo dos jornais sempre tem alguém arriscando.
P - E você acha que se o jornalismo se declarar parcial, em vez de manter a postura imparcial, ele ganha mais credibilidade?
R - Gostei de ler esses dias a diferença (não sei se existe) entre isenção e neutralidade
O jornalista precisa ser isento, não se deixar contaminar pela opinião das fontes. Mas não precisa obrigatoriamente ser neutro. Você faz uma reportagem policial isenta, mas não neutra, por exemplo dedica ao facínora alguma coisa especialmente pesado, e cobre a vítima de uma doçura que você realmente está sentindo. É só um exemplo.

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