19 de abril de 2008

BILL E BOBBY



João Luis Fragoso, da UFRJ, está certo quando combate a visão reducionista da História brasileira, mas erra quando coloca, mesmo sem querer, sua brilhante tese (em que desloca o foco da posição do Brasil, que passa de vítima para protagonista) a serviço da política. Fazer o país arrostar suas próprias façanhas, sem colocar a culpa nos outros, não pode significar colocar nos ombros da cidadania todos os erros da ditadura, como acontece hoje. "Votou neles? arroste": esse é um raciocínio que não se sustenta, já que o sistema político está cristalizado e só se vota em que eles oferecem.

Talvez Fragoso ainda não tenha acordado direito para a manipulação do seu trabalho, já que circunscreve sua luta aos arraiais acadêmicos, esquecendo-se o quanto pode ser prejudicial uma obra bem intencionada que não preveja o estrago que fará em outros redutos, especialmente a política partidária, hoje confinada à mesmice tucano-petista. Apesar disso, é importante que Fragoso lance luzes sobre o engessamento dos pseudo-marxistas em relação aos fatos históricos.

Por exemplo: a Inglaterra libertou os escravos porque a revolução industrial precisava de consumidores. Teoria aceita como verdade e não podemos discordar dela. Mas houve alguém que lutou pela abolição, que impôs sua vontade ao longo de décadas, que queimou miolos, saúde e juventude no projeto. Não foi apenas infra e superestrutura, foi gente de carne e osso. Chama-se William Wilberforce, personagem deste grande filme que é Amazing Grace, ou Jornada pela Liberdade.

A cultura cinematográfica inglesa dá mostras sucessivas de maturidade, ao tratar grandes personalidades, reis e rainhas, com todas suas nuances humanas, de maneira criteriosa e muitas vezes cruel. Eles giram em torno do paradigma shakespeareano e conseguem debater a História por meio de performances magníficas, em todos os setores do cinema, da direção à interpretação, dos figurinos à montagem. "Jornada..." é um assombro de filme sobre bastidores da política e de reiteração do papel civilizador que os ingleses se atribuem.

Sou muito estranho, me emociono com filmes políticos bem feitos. Ainda mais um sobre Wilberforce, do qual nada sabia. O bom é que não há aquele ranço da correção absoluta. O jovem primeiro ministro Will Pitt, o melhor amigo do abolicionista, diz que principalmente as amizades dançam diante dos interesses econômicos e políticos. Ou seja, os artistas metem a mão sem cerimônia em suas estátuas, que saem dessa experiência ainda mais valorizadas. O segredo é a auto-estima nacional intacta e, repito, maturidade cultural

Os americanos já fizeram o mesmo com David Crockett e outros mitos, reinstalando-os na vida contemporânea sem cair em grosseiros anacronismos. Mas costumam errar a mão quando estão em jogo as picuinhas políticas em véspera de eleição. Estou me referindo a mais um filme democrata, Bobby (ou Robertinho), sobre os bastidores do assassinato de Robert Kennedy em 1968. Mesmo com a presença de atores soberbos, como Anthony Hopkins e Harry Belfonte, o filme dirigido por Emilio Esteves é a visão de um menino diante do seu ídolo.

Todos sabem que Robert Kennedy foi o responsável pelo fato de seu irmão Jonh ter caído em desgraça diante da máfia, que o ajudou a se eleger e depois foi traída. Bob ocupava o cargo de Procurador Geral. Todos sabem que foram os democratas que se meteram no atoleiro do Vietnã. Mas nada disso importa. O discurso de campanha é tratado como verdade histórica pelo cineasta Esteves (filho de Martin Sheen, que também está no filme).

O que vale são as presenças dos atores. Além dos dois citados, temos Bill Macy (com sua cara de rádio dos anos 30), Sharon Stone (ótima no papel de uma cabeleireira), Demi Moore (que interpreta uma cantora alcoólatra), entre outros. Uma surpresa foi ver a tradução que fiz para o título da saga do rei Arthur quando assumi o cargo de editor executivo da W11: “O único e eterno rei” foi a solução que encontrei para Once and future king. O tradutor do filme respeitou minha frase ( aprovada pela tradutora da saga impressa em livro, Maria José Silveira e pelo meu editor na época, Wagner Carelli). Mas no making of, pisaram na bola. Colocaram "O primeiro e futuro rei", mas vale a que está no filme.

É uma delícia ver seu próprio trabalho alcançar o status de idéia consolidada. Fiquei contente.

RETORNO - Imagens de hoje: na primeira foto, Ioan Gruffudd no papel de Wilberforce em "Amazing Grace" (filme que teve ainda a performance magistral de Albert Finney, um dos maiores atores do mundo) ; na segunda, Emilio Esteves e Demi Moore em Bobby.

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