17 de fevereiro de 2006

EXCLUSÃO SEM CHORO NEM VELA





Está se formando um movimento nacional contra a exclusão das artes na mídia. No Comunique-se, a luta foi desencadeada pelo escritor e jornalista José Paulo Lanyi, que agora publica um texto meu sobre o mesmo tema. É o que reproduzo a seguir. No Comunique-se, onde o texto está na seção Em Pauta, vários colegas já se manifestaram. Para ilustrar, escolhi uma foto do Olhar Absoluto, Marcelo Min, que colocou seu talento a serviço dos excluídos.

Nei Duclós

Falar em exclusão é cair em inúmeras armadilhas. Primeiro, ceder à tentação de fazer um diagnóstico recorrente entre todos os grupos que se sentem prejudicados pela falta de atenção. Segundo, pagar o mico de se passar por uma pessoa dedicada às lamentações. Terceiro, correr o risco de cometer injustiças, atacando quem não deve ser atacado. A saída é usar um velho instrumento do jornalismo: focar o tema objetivamente, limpar a argumentação de qualquer síndrome e evitar ao máximo atirar no alvo errado. Em pratos limpos: vamos falar de exclusão, centrando fogo no boicote explícito à diversidade das manifestações do talento na mídia.

Quem trabalha em redação sabe: os veículos de comunicação, em geral, não gostam de arriscar em pessoas desconhecidas e por isso vivem ocupados com as mesmas personalidades. É um vício de marketing: você reitera o Mesmo, que pode ser rapidamente identificado. Há também um fator estratégico: destacar alguém desconhecido significa, num sistema de vasos comunicantes, insuflar o prestígio do jornalista ou do veículo em quem não tem ainda prestígio. É o famoso "colocar azeitona na empadinha alheia". E, o contrário, reportar alguém famoso é pegar carona na atenção que ele vai despertar entre os leitores. Esse é um sistema que pode ser enquadrado nos maus hábitos, mas não na falta de ética. O bicho pega quando há sistemática oposição a determinados artistas ou autores, as famosas listas negras que, como as listas que correm pelas CPIs, oficialmente não existem, mas que las hay, las hay.

O jornalismo que reporta fatos culturais costuma ocupar enormes espaços com alguns autores ou artistas eleitos. Como há um gargalo - a produção é muito maior do que o número de veículos importantes - o álibi é o chamado critério, que poderia ser sintoma de saúde se a seleção obedecesse à ética, mas torna-se doentia pelo excesso de repetição e pela má vontade mais de uma vez comprovada. O problema é que essa exclusão não se limita à mídia: num efeito dominó, os autores excluídos não são convidados para antologias, não fazem parte da percepção acadêmica e jamais são lembrados nas premiações.

Acho esse comportamento muito estranho pois, veterano na profissão, sempre me pautei pelo comportamento oposto. Um dia, na Folha de S. Paulo (final dos anos 70), descobri que os Novos Baianos estavam no Index. Resolvi perguntar: eram os proprietários da empresa, eram os jornalistas que ocupavam os cargos mais importantes, era alguém influente que interferia na pauta? Descobri que a proibição existia, mas não consegui identificar a fonte do anátema. Como ninguém vestiu a carapuça (esconderam-se diante do confronto?), fiz matéria sobre o grupo e depois mais outros textos. Lembro que acontecia o mesmo em relação ao Teatro Oficina, pelo menos naquela época logo depois da saída de Tarso de Castro. Fui num ensaio e o Zé Celso levou um susto: a Folha está aqui? Dei a matéria na primeira página da Ilustrada.

Na revista Senhor, de Mino Carta, publiquei um resenha enorme (de autoria de alguém que não lembro mais) sobre "As veias abertas da América Latina" , de Eduardo Galeano, que já era best-seller, mas não tinha merecido ainda a atenção da imprensa. Quem me sugeriu a pauta foi o Luiz Schwarz, então executivo da Brasiliense. Ainda na Ilustrada, achei estranho que ninguém entrevistava o Mario Chamie, poeta importantíssimo e intelectual de primeira linha, que tinha assumido o cargo de Secretário de Cultura do município de São Paulo. Era porque o prefeito era malufista, o Reinaldo de Barros. Dei uma capa na Ilustrada.

Hoje, tenho acesso às páginas do Diário Catarinense, onde divulguei autores como Marco Celso Viola, que publicou seu primeiro grande livro em 35 anos de ofício poético que mereceu algumas linhas de resenhistas tentando colocá-lo na gaveta dos anos 70. Em Porto Alegre, fui falar com o grande escritor J.A. Pio de Almeida, que escreveu pelo menos uma obra-prima, As Brasinas, feixe de pequenos contos sobre pessoas e vivência do pampa. Ele fez a edição do próprio bolso e jamais divulgaram o livro. Pio de Almeida, na visita que fiz à sua casa, lembrou que na época em que era secretário de redação do Correio do Povo, convivia diariamente com escritores que não saíam da sua sala. Hoje esses escritores têm fama e poder, mas esqueceram de Pio de Almeida, que é autor de poucos livros, a maioria de poesia e tem uma gaveta cheia, especialmente de suas crônicas, que por décadas publicou na imprensa gaúcha. Onde estão os editores de cultura, os repórteres, que não vão entrevistá-lo?

Como autor de quatro livros, dois deles publicados neste século por duas editoras importantes (Globo e Francis), que não mereceram nem uma nota na grande imprensa (com exceção da Istoé), me identifico plenamente com a crítica a esses maus costumes. Quando pedi para ler, no ano passado, um romance publicado em 1999 por uma pequena editora do Recife (Bagaço), fiquei abismado: o livro não tinha merecido qualquer referência na mídia. Consegui publicar a resenha no Rascunho e aproveitei a chance: como não houvera nenhuma manifestação, eu poderia afirmar que esse era o mais importante livro dos últimos vinte anos. Logo depois, foi publicado um ranking com os livros mais importantes da literatura brasileira dos últimos 15 anos. Claro, sem se referir a "Corações futuristas", de Urariano Mota, tema da minha resenha. Faz sentido. Tinham esquecido de rankear as publicações e tomaram providências antes que a exclusão fosse definitivamente rompida.

Uma das exclusões mais graníticas foi a de Tarso de Castro. Publiquei uma crônica no meu site, Cinco vezes Tarso de Castro, há alguns anos atrás. O texto emocionou o jornalista Jary Cardoso, que estava envolvido com o projeto de um livro sobre Tarso, que foi assumido de maneira brilhante por um dos seus filhos, Tom Cardoso. Tarso que é Tarso, que mudou a imprensa do país, foi jogado no limbo, o que resta para os outros? A exclusão é inumerável e tema importante para o debate.

Meu dignóstico: a fonte da exclusão são os interesses de grupos, encastelados na cultura, que é um fator de ascensão social, como lembrava diariamente o Plínio Marcos na Folha da época do Tarso; a exclusão se manifesta pela ocupação de vastos latifúndios na mídia, deixando de lado a diversidade do talento, que assim fica sufocado e não chega ao público; a exclusão cultural na mídia é uma representação de uma exclusão maior, provocado pela ditadura financeira, focada na superconcentração de renda; a situação está no limite, pois a Internet está fazendo água nesse cerco.

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