8 de dezembro de 2005

QUE IMPORTÂNCIA TEM ISSO?


Tem gente que sente saudade do tempo que não viveu, aqueles anos que coincidiram com a minha mocidade (prefiro esta palavra, ainda mais antiga). Foi um tempo de assassinos, como agora. A época que não suportou a ruptura proposta por John Lennon, o de assumir a dor e não deixar que ela ficasse entorpecida pela indústria cultural e as drogas. Lennon foi fundo na sua denúncia, assumiu corporalmente sua luta contra essa fantasia tão real que parece viagem de LSD. Foi por isso que ele falou the acid dream is over, e nada mais além disso. Mas a babaquice geral da televisão transformou a saga do artista revolucionário num pastiche recheado com o que mais abominávamos: a saudade. Chega de saudade, a frase lapidar do nosso tempo, permeou sempre essa insurgência geral contra o mundo oficial. Mas ela ressurgiu hegemônica e transformou os anos 60 e 70 numa coisa parecida com os 40 e 50. Para quem nasceu há pouco, não há diferença nenhuma. Ver o passado em branco e preto, como fazíamos antigamente, continua sendo o hábito da mídia.



LINK - Uma tira do Angeli é lapidar sobre o tema de hoje. Wood acha que ele é o John Lennon, diz Stock. Mas Wood se engana. John Lennon sou eu. Reproduz fielmente o que sentíamos: o de se identificar com a mesma luta. Não havia um link claro entre os dois lados do mar. Estava no ar, como lembrou na Feira do Livro de Portinho, na nossa mesa-redonda, o Juarez Fonseca (autor da foto que acompanha este post, tirada em 1968 na lanchonete da Ufrgs).Escutávamos alguns discos e víamos alguns filmes, mas não tínhamos acesso, como hoje, ao que se fazia, aos eventos que rolavam, só tempos depois. Fazíamos tudo à nossa maneira. Existiam vários grupos, que se reuniam ao redor de fontes de atuação como a música, a faculdade, a periferia, o teatro e a literatura. Éramos marginais da universidade (como eu e Virson Holderbaum), misturados com estudantes secundaristas fugidos (como Marco Celso Viola), filhos desgarrados de intelectuais (como Roque Callage e Eduardo San Martin). Fomos fundo, sem grana, sem emprego, na maior repressão. Inventamos uma poesia possível, agarrada, explosiva, reproduzida em poemas expostos em cartolina e em livros mimeografados (os primeiros de que se tem notícia). Foi assim que nos transformamos na revolução permanente, para depois nos dispersar pelo mundo e apagar todos os vínculos com o que nos gerou. Somos exilados de nossa pátria comum, o socialismo, sonho maior da geração que quis mudar o mundo e não conseguiu. O inimigo, em qualquer país era o mesmo: a barbárie do capital sem freios, a manipulação da indústria cultural, o massacre do indivíduo, a guerra.

MILITÂNCIA - O socialismo de Lennon, utópico, era sem conflito: imagine as pessoas vivendo em paz, sem precisar da religião. Mas sua militância era totalmente imersa no conflito. Não era um sujeito de encarar a paz como alguém soltando pombinhas brancas. Encarava a barra pesada da direita. Procurou alternativas como no Canadá, cercou o sistema no fígado podre do poder. Por isso foi assassinado. Pela indiferença, pela inveja, pelo ódio, pelo surto. Tudo matou Lennon e hoje se relembra sua morte há 25 anos. Que importância tem nossa história no rastro dessa biografia? Nenhuma. Somos outra nação, outro universo. Tínhamos em comum a sensação de queda permanente, a vontade de assumir a dor que nos enlouquecia para que houvesse no futuro um tempo de paz. Esse tempo só se contrói dentro de cada um. E ao redor, quando existe misericórdia do tempo, e vitória.

RETORNO - No momento em que a Azaléia, por meio do seu porta-voz, o ex-governador gaúcho Antonio Britto, anuncia a demissão de três mil pessoas, a revista (V)Exame, a mesma que optou publicamente pelo entreguista FHC antes das eleições (numa clara demonstração das forças que a utilizam), faz reportagem de capa sobre a necessidade de globalizar ainda mais o Brasil. Um dos destaques são os calçados: " A tendência das linhas de calçados baratos é ceder espaço para os chineses. O setor teria de se concentrar em desenvolver tecnologia, design e marca para competir em faixas mais sofisticadas do mercado". Ou seja, o pobrerio fica com os calçados pôdres que machucam e imitam as grandes griffes, enquanto a tigrada disputaria os chinelões acima de mil reais. De onde são estes jornalistas, da aristocracia? Oficialmente, o editorial demonstra apreço por dois ídolos: o ex-presidente Collor e a minúscula ilha de Cingapura, exemplo de internacionalização. Cingapura é menor do que o município de Uruguaiana. Não pode servir de farol para o Brasil, que ainda mantém vestígios de sua antiga autonomia, como é o caso dos Correios, que estão na mira da revista. Somos nossos piores inimigos. Fatalmente eles vão querer entregar os Correios para o Turkistão, ou a Eslovênia. Todo mundo tem direito de colocar a pata aqui dentro. Há traidores por toda parte. E dinheiro público para cacifar a privatização

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