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31 de julho de 2005
O SISTEMA FECHADO DA INFORMAÇÃO
Nei Duclós
O jornalista Carlos Chagas abordou o tema Delúbio-Valério-Mala-Genoino-Dirceu há um ano e quatros meses na Tribuna na Imprensa. Divulgava fatos, baseado em fontes. Não aconteceu nada. O escândalo explodiu quando o mesmo fato foi novamente descoberto, desta vez por meio de uma denúncia de alguém por dentro do esquema, Roberto Jefferson. O fato é o mesmo, e a versão (que também vive a reboque dos fatos) idêntica. Mas as informações divergem. Em Chagas, o rolo estava ligado às sobras de campanha e à necessidade de caixa para a arena política, algo que estava sob controle da pretensa normalidade do jogo. Na CPI dos Correios, trata-se de desvio de dinheiro público. O que define uma informação talvez não seja nem o fato nem a versão, mas como estes dois elementos se encaixam no noticiário e como são formatados numa criatura à parte, a que entendemos como informação. A informação tem vida própria e é de outra natureza. Do que se trata, então?
EGOREPÓRTER - Manipulação é um conceito simples demais para decifrarmos o enigma. A informação depende da percepção coletiva, da densidade da veiculação e da ação desencadeada a partir dos acontecimentos? Ou não passa de um sistema fechado de representações, que serve de insumo para uma indústria, a mídia, que assim tem material suficiente (abundante e barato) para se retroalimentar? A segunda hipótese me parece mais completa. Alvin Tofler já notou que o maior anunciante da mídia é ela mesma ("você não pode perder") . Nas reportagens de TV o que vemos? Os repórteres reportando-se a si mesmo. Hum...está bom mesmo, quantas vezes você não viu o repórter provando algo e fazendo esse comentário? Num programa de reportagens da Rede Record, foram gastos incontáveis minutos para mostrar o repórter descendo de rapel em direção à gruta do Morcego, onde teriam se escondido Lampião e Maria Bonita. A caverna não tinha nada nem significava nada para o que estava sendo mostrado. Os personagens históricos passaram ao largo da matéria. O que valia era o esforço despendido pelo jornalista na sua aventura de estar fazendo o próprio trabalho. Informação é isso: é o aviso permanente de que você está consumindo a própria informação, que é um produto do marketing e do jornalismo que se faz hoje.
Quando um correspondente de guerra fica de costas para o sítio onde houve um atentado e, de frente para câmaras, despeja algum texto sobre o evento, a informação é a presença do repórter no lugar onde aconteceu o fato, e não o fato em si (e nem a versão que ele está veiculando). É por isso que se dá tanta ênfase ao crédito. Depois de um palavreado (quase sempre o mesmo) surge a grande revelação: Fulano de Tal, para o Este Jornal Desta Televisão. A extrema redundância desse alimento, que fortalece o monstro que se coloca à nossa frente todos os dias, está sendo rejeitado. A população refugia-se na internet e em alguns articulistas mais iluminados para poder chegar onde quer, aos acontecimentos, que passam ao largo da informação. Nenhum fato é mais importante do que o círculo fechado do produto empacotado e pronto para a divulgação.
O fato, a morte de Jean Charles Menezes, diz respeito apenas à sua família. A perda é exclusivamente particular. Publicamente, temos a informação: o sistema de auto-defesa britânico contra o improviso suicida do migrante, fuzilado por ter tentado escapar do cerco; a passeata com bandeiras ou as flores na estação de Stockwell; o processo que poderá inocentar os algozes. Não importa apenas o fato, ou a versão que sairá vitoriosa. O que vale é a produção em série de informações por parte do sistema de comunicação, que funciona na base da pauta rotativa, a que parece ir longe, mas sempre volta ao mesmo lugar: Fulano de Tal, de Londres, Especial para Este Momento.
TIRANIA- Isso se reproduz indefinidamente por toda a cadeia da massificação da mídia. Quando vemos o cantor Daniel em todos os programas de TV falando sem parar, a informação é o sistema lucrativo que tem como fonte a produção do que dizem ser música, mas é apenas uma contrafação. Quando as televisões informam que só existe um site, o deles, para todo tipo de evento, ou quando uma rede de televisão se fecha nos seus próprios contratados e contratos (a seleção brasileira sub-20, por exemplo, só existe numa rede, nas outras não), tudo faz parte dessa serpente que come o próprio rabo e ganha a vida exibindo essa performance ao público ludibriado. Descendo (por atingir menos gente) até a mídia impressa, vemos como os responsáveis pela divulgação de fatos culturais voltam-se para si mesmo. Quem faz a divulgação e detém o poder do espaço é o que interessa, enquanto os autores ficam à parte. Mesmo quem é considerado por essa pequena tirania, acaba como coadjuvante de quem faz a cobertura ou a análise.
Parece abertura de discurso americano: "Eu estava vindo para cá quando aconteceu alguma coisa engraçada comigo". Eu, eu, eu: é disso que trata a informação, esse sistema de representações, que funciona como um veneno a serviço da destruição da vida humana no que ela tem de mais preciosa: individualidades que deveriam estar conectadas com o mundo, mas acabam sendo apenas consumidores de universos paralelos alienantes, regiamente pagos pelo sistema de opressão financeira e política que nos governa.
RETORNO - 1. Uma notícia reveladora: "Confissões de um assassino econômico (Confessions of an Economic Hit Man) mostra como os Estados Unidos utilizam a globalização para defraudar os países pobres em trilhões de dólares. John Perkins trabalhou como economista-chefe da empresa Chas. T. Main em Boston, Massachusetts, no período de 1971 a 1981. É considerado um especialista internacional no que se convencionou chamar de "macroeconomia" e apresentado como "ex-membro respeitado da comunidade de negócios na banca internacional". Em seu livro , descreve como trabalhou para que os Estados Unidos pudessem defraudar em trilhões de dólares países pobres do globo inteiro, emprestando-lhes mais dinheiro do que eles poderiam pagar para depois se apossar das suas economias." Depois riam do Brizola quando ele falava em perdas internacionais. 2. Urariano Mota no La Insignia deste domingo: "O brasileiro, o cão, a raposa, esse animal híbrido, sem espécie e sem definida raça, de nome Jean Charles de Menezes morreu por engano assim, abatido com oito tiros. Morte dura e vil, que até a um cão, que até a uma raposa, que até a um coelho, seria prova de manifesta perversão e crueldade".
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