O trabalho honesto depende do sossego público. Quem trabalha e jamais rouba sabe o quanto é necessário colocar a cabeça em ordem quando chega em casa. Viver à custa do próprio esforço sem destruir vidas humanas é pura encrenca, fonte permanente de conflito, que suga todas as energias e te deixa um caco no final do expediente. A barulhada infernal que tomou conta do Brasil impede que pessoas honestas possam passar algumas horas diante da própria identidade, longe do ralador que é tirar leite de pedra. Do outro lado, todo transtorno da paz das pessoas honestas está diretamente ligado à contravenção: o inferninho sem alvará, o carro envenenado cheio de drogas, a atividade empresarial predatória em região residencial. Agüentem, aqui não é uma ilha deserta, dizem os contraventores justificando a violência auditiva. Pois é exatamente o contrário: numa ilha deserta, você bota o som no volume que quiser.Onde há povoamento, você respeita a população. Há lei contra isso. Mas há omissão, quando não conivência.
MORAL - O caradurismo da direita que empalmou o poder na Câmara Federal, graças à incompetência dos dito progressistas (no fundo fazem todos parte da mesma corja) expôs um perigo que ameaça o Brasil: o de que a moral é deixada de lado pela esquerda para que a direita tome conta. Moralista é o pior xingamento que pode existir numa roda de pessoas esclarecidas. No Brasil, o esclarecimento está a serviço do obscurantismo: não tem nenhuma, tudo pode. Meninas passam conversando animadamente e repetindo a cada frase a palavra caralho. Nada contra, diria Seinfeld, o sitcom que ridicularizou o pensamento politicamente correto. Parada gay cevada a centenas de milhares de reais do dinheiro público (como aconteceu na época em que a Marta Suplicy era prefeita em Sampa) é exatamente o oposto das velhas paradas da juventude. Antes, era a meninada que saía à rua para mostrar o que o país tinha de melhor. Hoje, a bizarrice toma conta de maneira explícita e não reclame, ou vai ser moralista? Não seja reacionário, te dizem os reacionários, os mesmos que está no poder há quarenta anos. Agora viraram todos democratas e aumentam seus salários com uma alegria ímpar.
DOROTHY - Ninguém sabe quem são os madeireiros e os grileiros de terras públicas do Pará? Ou onde estão? E os pistoleiros somem no ar assim no más, enquanto os jurados de morte apontam todos os dias a ameaça que ronda as suas casas? Tem lei neste país! diz o presidente que deixou que matassem a missionária Dorothy. Tem nada, Lula. Aqui é a lei da selva. Desmatam, matam, poluem e depois vem a voz embargada de emoção dos apresentadores de TV a fazer reconstituição do crime. Atiraram na pobre mulher com uma Bíblia na mão, num território onde cabe a humanidade inteira e sobra espaço. É simples: é o Mal no poder de fato, enquanto a ditadura posa de democracia no mais sinistro tempo das nossas vidas. Nem se pode mais matar em paz, disse uma vez um matador. Dorothy procurava algo além do arco-íris e encontrou balas na nuca. Foi para o meio do nada com sua determinação e espírito público. Foi tratada como criminosa, já que não deixava matarem em paz. Andava pelo ermo total agarrada à sua Bíblia. É o tipo de pessoa que não pode ficar viva no Brasil.
GANDAIA - Caia na gandaia, como ensina o ministro da Cultura. Vá atrás do trio elétrico depois de comprar por um milhão de dólares o seu abadá. Destrua os tímpanos das pessoas para ganhar os tubos e sacuda as carnes até comprar todos os aviões a jato do mundo para seu usufruto particular. Ao mesmo tempo, extorca todas as empresas com impostos escorchantes, todos os trabalhadores com remunerações abaixo da crítica e depois vá para a televisão comprada fazer média, digo, fazer mídia. Mate a missionária no meio da mata, aquela que lembra a justiça onde só existe choro e ranger de dentes. Veja o gordalhão latifundiário reclamando da irmã Dorothy. Veja como eles têm nomes esdrúxulos, como mostram suas caras de facínoras, como arengam sem parar suas necessidades em público. Vejam essa canalha que toma conta do país com suas presenças rotundas, com seus poderes federais, com suas surras a jornalistas independentes, como se fôssemos todos um bando de inúteis.
RETORNO - Vai acabando o verão, as visitas voltam, mais intensas do que nunca. No seu terceiro ano de vida, o Diário da Fonte (que produziu como nunca nesta época de praia) firma-se como leitura diária. Trabalho honesto, silencioso, não remunerado. Marginal, portanto, ao horror oficial do país entregue aos bandidos (vejam Genoino e Severino brigando: não são fofos? O que mais encanta em Genoino é quando ele franze o nariz para mostrar que é fera, tigre da luta libertária. É um paspalhão, assim como seu opositor assumidamente fisiológico).
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