26 de janeiro de 2005

O DESPREZO PELA NAÇÃO



O número de prisioneiros brasileiros nos EUA aumentou mais de 1.500% em um ano, informa-nos a Folha. A maioria vem da mesma região de Governador Valadares, o que significa que existe crime organizado crescente de expatriação, por conivência (no mínimo, por omissão) de todos os governos. Numa cidade pequena, todo mundo sabe quem faz o serviço. Até repórter de TV foi lá entrevistar os caras que faturam alto enviando gente para fora. Essa fuga em massa não é busca de oportunidades, é desprezo pela nacionalidade, da qual as maiores manifestações, de um lado, é o trabalho sistemático de catequese anti-Brasil feita pela televisão e, na outra ponta, a maneira cretina como os argentinos nos tratam, tanto oficialmente quanto nas gargalhadas do Maradona.

MAD MARIA - Não foi por acaso que Mad Maria, o projeto baseada no romance de Marcio Souza, ficou engavetado mais de 20 anos e só agora foi ressuscitado. Porque toca num tema de sobrevivência nacional, a formação do território. Era de interesse da pregação do Brasil Grande que a criação do Acre ficasse sob o manto dos segredos oficiais, pois era a época de usar o nacionalismo para abrir as pernas para os estrangeiros (um paradoxo que se opunha à política pública nacionalista da era Vargas). Hoje, quando o objetivo de entregar o país para a política de anexação de territórios do império americano está praticamente consolidado, o projeto foi desengavetado (é sempre importante reiterar a falsidade para torná-la real). A nova série da Globo (de apurada carpintaria e magníficos atores) prega a falta de legitimidade do estado do Acre, que pertenceria à Bolívia e que teria sido tomado pela esperteza da nossa diplomacia e nossas ligações com potentados estrangeiros como Percival Farquar, dono da estrada de ferro Madeira-Mamoré, tema que esqueleta a trama. Para isso, desveste de grandeza uma figura da mitologia militar, o marechal Hermes da Fonseca, na época presidente eleito da República pelo voto direto (e não, portanto, autor de golpe de estado); e outra da mitologia civil, Ruy Barbosa. O objetivo é convencer o país que não merece ter o território que tem, pois conseguiu tão vasta porção do planeta graças aos expedientes mais perversos e ilegítimos. Na mentalidade colonizada que nos domina, o importante é logo entregar tudo para os americanos, já que aqui existe uma coisa execrável, o chamado povinho brasileiro, alvo de tanto deboche (como acontece sempre e como pôde ser visto no último Hebe, em que uma anciã pobre que fumava palheiro era comentada pela galinhagem explícita desse programa horrível). Souza escreveu seu romance-denúncia em plena ditadura civil/militar, no tempo em que ela se segurava pelos atos institucionais, pela fraudulenta fachada de democracia de cartas marcadas (o que se sofisticou nesta era da urna eletrônica) e de entrega da soberania via aumento da dívida externa. O autor queria colocar a Amazônia no mapa da literatura brasileira e deu conta do recado de maneira brilhante, mas seu texto agora serve, não para revelar o Brasil, mas para ajudar a entregá-lo.

ATORES - Por contrato, o ator Antonio Fagundes obriga a Globo a colocar na sua mão sucessivas gerações de beldades mal saídas das fraldas, para exercer seu poder senil de galã canastrão. Foi assim com Adriana Esteves, Malu Mader e agora com nova starlet que se desmancha diante do seu sorriso alvar e sua cara coberta de grossa camada de pancake. Fagundes é sempre ruim na televisão (no cinema, pela mão de Cacá Diegues, convence, mas torra o saco quando fica com sua cara de sonso metido a comedor, coisa que fez em inúmeras produções). Em compensação, a mini-série tem Juca de Oliveira, avassalador como o engenheiro responsável pela ferrovia, a caracterização perfeita de Rui Barbosa feita por esse grande ator que é Renato Borghi, o gênio de Othon Bastos encarnando Hermes da Fonseca e a graça de Ana Paula Arósio, de rosto tão luminoso que parece ter sido feito sob encomenda pela mão de um Criador inspirado. Como tudo na Globo, há uma soma de plágios, que jamais funcionam como citações, pois a rede maior é devoradora de tudo e não é por nada que seu slogan é não tem para ninguém. Há plágio do filme ganhador do Oscar O Piano na cena de apresentação de Arósio, há um clima de David Lean no uso do trem e na reprodução do inferno da selva e há a lembrança de Visconti nas seqüências palacianas (assim, os diretores da Globo tornam-se os cineastas que invejam). Nas amplas escadarias e saguões, os personagens globais entregam-se ao seu ofício mais importante, que é passar seus objetos de poder (no caso, bengalas, luvas, chapéus) para serviçais, o que eles fazem com um prazer explícito. Os primeiros capítulos das produções da Globo sempre são caprichadas, depois tudo vira um roça-roça dos velhos poderosos como Fagundes com as estrelinhas emergentes. Como se o público fosse obrigado a agüentar os desmandos da testosterona vencida, entronizada nessa rede que representa o poder sem limites dos negociantes, empenhados em vender a maior nação do mundo para os bandidos que, antigamente, foram escorraçados daqui a bala, como diria o Marechal Floriano Peixoto.

RETORNO - Envio mensagem para o doutorando da PUC-SP Lauro Marques, mas o e-mail volta. Escrevo para Carlos Alberto Souza enviando meu texto sobre Edward Said, mas o e-mail volta. Não consigo me sintonizar com algumas pessoas, algo há.

Um comentário:

  1. Essa série da Globo era porcaria sem contar que essa metida sebosa e nojenta da Ana Paula Arósio já causava asco em todo mundo desde aquela época também.

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