Nei Duclós
O filme de Stephen Frears, na Netflix, apresenta os dois
protagonistas por meio de gestos. O
muçulmano indiano Abdul (Ali Fazal) caminha apressado em passos curtos a revelar
sua ingenuidade no meio da multidão, onde é chamado de imbecil quando tropeça
num militar inglês. Seu trabalho é registrar prisioneiros num grande livro, o
que demonstra que trabalha para a lei na Índia ocupada, portanto é inocente.
A rainha Victoria (Judi Dench) é apresentada como uma
inválida manipulada pelas servas e que come apressada no banquete preparado
pela Corte. É dona de um império que domina 1 bilhão de pessoas. É, portanto,
culpada.
Mas ela é a lei e escolhe Abdul para seu confidente e
professor. Os papéis então se invertem. Ela nada sabe sobre a Índia que
seu exército e marinha dominam e resolve
aprender a cultura que desconhece com o solicito escrivão. Nessa situação ela é
ingênua pois acredita em tudo o que o bonitão diz, para escândalo da Corte, que
vê a ascensão social do penetra.
Abdul aproveita seus conhecimentos que são novidades para a
rainha e mente sobre sua familia, sua profissão e a História do seu país. É, portanto, culpado.
O flagrante causa impacto mas não quebra o vínculo. O que os une é a diferença. Cada um vê no outro a oportunidade de sair de
suas prisões. Um da miséria e a outra do tédio.
Funciona até a morte da rainha, que se fina nos braços do seu sábio
confidente. Ambos foram ingênuos e culpados, cada um a seu tempo, mas jamais
inocentes. O humano amor que medra na diferença eleva-os, apesar da injustiça
imperial, da fatuidade cortesã, da violência da exclusão, do desperdício e do
deboche.
filme não é
ingênuo, culpado ou inocente. E apenas
cinema, essa arte confinada em si mesma.
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