28 de dezembro de 2018

O SONHO ÍNTIMO DO CINEMA



Nei Duclós

A chave para decifrar dois filmes, um chinês, Pérolas no mar, de 2018, e A Travessia, de 2015, ambos na Netflix, são as cenas em que os protagonistas se deparam cara a cara com o seu sonho, que significa anular todo o entorno e enxergar apenas o que foi projetado como o evento mais valioso de toda uma vida. O rapaz que perde o grande amor porque se concentrou demais no jogo de computador, que narra o desencontro amoroso, consegue ver o que projetou quando há a separação e daí vem sua fortuna. Enquanto o equilibrista francês Phillipe Petit que em 1974 cruzou clandestinamente oito vezes numa só manhã o espaço de 44 metros entre as torres gêmeas (de 400 metros de altura) em Nova York, sem cabo de segurança, só consegue sua façanha quando todo o entorno some e fica ele apenas diante do fio que o levará ao infinito e o vazio que poderá tragá-lo, mas que no fundo o inspira.

Os dois filmes abordam o sonho íntimo e pessoal do cinema dos protagonistas, que inventam uma saída para suas vidas e seu anonimato arriscando tudo o que atrapalha no entorno. Pois nada importa para o chinês que visita a família todo ano novo ou o equilibrista  que desenvolve sua arte virando artista de rua. Ganhar a vida com malabares ou vendendo discos piratas de jogos no metrô e nos túneis de Pequim são a tralha cotidianas de jovens que só poderão ascender pelo desafio extremo, arriscando tudo. Para isso criam o cinema que lhes diz respeito: na tela do computador, ou no espaço aéreo de Nova York, o sonho se realiza pela invenção do que realmente interessa para eles.

Os espectadores podem se enrolar na visão múltipla da China Continental e suas paisagens, de Pequim e seus problemas e promessas, da Paris com suas chuvas e pobrezas, de Nova York com seus perigos e encantos. Mas o cinema mesmo é o que cinema trata: as imagens e sons do equilibrista solitário com sua percepção única do abismo e sua frágil ponte, e o especialista em software que acredita na sua história e se concentra nela até conseguir dar o salto.

Dois grande filmes. Pérolas no mar (o presente prometido do verdadeiro amor) é de Rene Liu cm o casal de intérpretes  Boran Jing e Dongyu Zhou. Phillipe Petit é interpretado por  Joseph Gordon-Levitt no filme de Robert Zemeckis. A mocidade ajuda o mundo a se superar pelo esforço e o talento. E o cinema é seu íntimo testemunho.



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