23 de dezembro de 2018

BIRD BOX: O MAL SEDUZ PELO OLHAR




Nei Duclós


Bird Box (2016, Netflix) , de Susanne Bier, com Sandra Bullock e John Malkovich, roteiro de Eric Heisserer sobre livro de Josh Malerman, é a longa jornada de uma pintora que é obrigada pelas circunstâncias – o suicídio da população - a assumir a indesejada maternidade. Ela estava confinada em seu apartamento, desconfortável em relação à gravidez, participando da sedução do olhar, criando imagens para o mundo dominado pelo visual. Para assumir seu filho – e de quebra, a filha que a amiga lhe confiou antes de se matar - precisava romper com esse vínculo e isso acontece quando o mundo inteiro se corrompe pelo olhar.

Ver é o verbo do cinema. Assim como Chaplin pergunta para a florista que foi cega se agora podia ver, como Spielberg que mostra a invasão alien por meio de robôs com olhos poderosos, como Kubrick que mostra a necessidade da elite de não ser vista, como Fernando Meirelles baseado em Saramago que confina as pessoas cegas num cenário apocalíptico, também a diretora de Bird Box mostra que renunciar a olhar o que está fora de casa e ficar vendo só o que esta dentro de si mesmo pode ser a salvação.

O que leva as pessoas ao suicídio? A visão de algo assustador. Quem sobrevive a essa crise terminal são os que tapam os olhos e se refugiam em casas abandonadas com as janelas fechadas. Há os que enxergam o Mal mas continuam vivos, tentando levar os que restam do massacre ao caos que eles agora compartilham, a exemplo do clássico Vampiros de almas (de Don Siegel, 1956), em que os habitantes de uma pequena cidade aos poucos são levados a mudar de personalidade e apoiar os invasores extraterrestres. Esses traidores usam a voz para convencer as pessoas a tirarem as vendas dos olhos e assim cair na armadilha.

Bird Box clona bastante o filme de Meirelles baseado em livro de Saramago, mas se sustenta com suas particularidades e as performances dos astros Sandra e Malkovich, que encarnam o conflito da mulher lúcida contra o imbecil grosseiro. As mulheres são sagradas – a irmã, a amiga, a médica – e os homens essas criaturas asquerosas, com exceção, claro, dos personagens negros, o atendente gordinho de supermercado e o amante musculoso, que se sacrificam pelo bem de todos. Os brancos malvados também morrem, mas sem dignidade.

Os heróis são os pássaros, que alertam para o Mal. Quem se salva são os cegos, que não são seduzidos pelo olhar. A natureza foi dominada pelo crime e pela sombra, mas fica uma esperança de que isso possa ser revertido a partir das lições aprendidas.

Um bom filme sobre o olhar – ou seja, sobre cinema.


Um comentário:

  1. Gostei tanto do seu comentário que vou imaginar o filme! bjs

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