Nei Duclós
Em A Ponte
dos Espiões, Spielberg aprofunda seu resgate dos princípios fundadores da
civilização e da democracia
Todos são
iguais perante a lei, mas não perante o cinema. Steve Spielberg, na sua missão
de atualizar os princípios fundamentais da democracia americana, ainda cai na
tentação de colocar o Outro Lado – russos, alemães, árabes – no lugar comum do
cenário infernal e sinistro de ruas caóticas e prisões insuportáveis. Isso é
que o mantém no conservadorismo, apesar do seu trabalho eficiente de opor a
individualidade consciente e apoiada na Constituição às instituições
pervertidas pelos interesses.
No filme Ponte
dos Espiões (2016), Spielberg se debruça sobre a natureza similar dos
indivíduos fieis à pátria, desde que essa fidelidade exija comprometimento com
a ética, mesmo sob o clima pesado da guerra. E que não representam governos e
nem apenas a si mesmos, mas a esse vetor ético fundador de nações.
Os dois
personagens principais são encarnados com profunda competência (cool,
minimalista, densa, focada) por Tom Hanks e Mark Rylence. Tom é Donovan, o
advogado de seguros convocado para defender o espião russo Abel, nascido inglês.
Uma defesa para livrar a cara da isonomia da justiça dos Estados Unidos, mas
que no fundo ninguém torce pela absolvição, ao contrário. Rylence é o ganhador
de Oscar de 2016 por esse papel (depois de ter surrado o mundo com sua magnífica
interpretação de Thomas Morus na série Wolf Hall). Ambos se identificam na
persistência às suas metas, sem abrir a guarda para as pressões institucionais.
Estão sob suspeita e isso os aproxima, como a dizer que todos estão no mesmo
barco e a guerra fria é um estagio obsoleto numa geopolítica que precisa mudar de
estratégia para haver paz e sobrevivência da espécie.
A situação
similar fica evidente em duas cenas idênticas. Em Berlim, Donovan vê da janela
do trem que cruza a fronteira os jovens tentando pular o muro e serem
metralhados por essa tentativa. Em Nova York, também num trem, ele vê com
preocupação a mesma situação de garotos pulando as cercas internas dos bairros,
numa citação explícita da obra prima West Side Story, que nos remete às guerras
internas de gangues. Tudo muito atual: a substituição da guerra fria pela
guerra generalizada e o perigo de voltarmos ao mesmo ponto de conflagração
anterior. No filme, o esforço individual é reconhecido como promotor da paz,
mas ao mesmo tempo, visto hoje, é mais uma batalha perdida da civilização
possível.
Quando o
espião Abel é libertado, diz para Donovan que pintou um quadro, que é o rosto
do novo amigo. São as identidades similares que criam vínculos em momentos
limite. A única saída é a persistência e a coragem. Spielberg só precisa
abandonar a visão aterradora dos cenários do Outro. Reconhecer a humanidade do
inimigo é um passo importante. Falta dar o passo do cinema. Não que vá pintar
um quadro bonito de Berlim Oriental ou dos nazistas, mas precisa dar o mesmo
peso e a mesma medida no que mostra em sua obra fundamental do cinema
contemporâneo. Se há poucos gênios em atividade no mundo, Spielberg é um deles.
Poeta:
ResponderExcluirem linhas essenciais, concordo contigo. Especialmente, quanto á genialidade de Spielberg
(marco túlio de rose)
Obrigado, Marco Túlio
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