28 de janeiro de 2017

CINEMA É A MONTAGEM DE RETALHOS




Nei Duclós


Giuseppe Tornatore encantou o mundo com o final do seu Cinema Paradiso, em que há uma sequência de famosos beijos hollywoodianos, cortados pela censura. No seu recente Lembranças de um amor eterno (La corrispondenza, 2016) o mote é o mesmo: a narrativa é composta de retalhos obsessivamente organizados por um professor de física para serem assistidos depois de sua morte pela bela aluna e amante. Jeremy Irons, que sempre faz papel do conquistador que nasceu 30 anos antes (no caso de Lolita, 50), contracena com a bela ucraniana Olga Kurylenko, 36, revelado para o blockbuster como Bond girl.

O filme se pretende de vanguarda, pois usa todos os recursos digitais para mostrar como funciona o amor depois da morte, em que o professor declara seu amor eterno enquanto aborrece e emociona a garota com sua sabedoria cool. Tudo funciona de maneira tão exata que incomoda, como se Tornatore não levasse em conta a impossibilidade de um esquema desses, em que tudo coincide maravilhosamente e as sabedorias amorosas se impõem sobre belas paisagens.

A moça é uma stunt, assume papéis perigosos em filmes de ação, enquanto estuda a teoria das cordas e outros mistérios do universo. É o jeito Tornatore de ser ao fazer filme sobre cinema. Em Cinema Paradiso, o cara da projeção acaba montando sua própria versão do amor na grande tela. Neste, a garota que se pune correndo risco depois de ter se culpado pela morte do pai num acidente de automóvel, em que ela era a motorista, acaba enredada numa montagem de imagens e falas do seu amante desaparecido.

Não há interlocução possível, já que o cara está morto. mas assim mesmo ela entra no jogo e também grava suas respostas. Pelo que entendi, a trama foi tão profunda que acabou inviabilizando a mulher para refazer sua vida com outro amor. Ela está confinada na solidão dessa relação tempestuosa e virtual, que a levou ao choro. O sujeito consegue o que queria: deixar a moça só para si, mesmo depois de partir.

Não gostei. Mas Tornatore tem sua complexidade e identidade como cineasta. Merece ser visto. Filme disponível na Netflix.

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