12 de novembro de 2016

PALHA





Nei Duclós

O que está escrito rola nos vazios
da casa, em papéis avulsos, dados
por perdidos, amassados em forma
de migalhas, escondidos em vãos,
cantos obscuros, em misturas no fundo
de bolsos e caixas ocultas, e assim
ostenta suas sílabas ilegíveis e letras
submersas em ancestrais tintas

E por revelar desperdício, sem lugar certo
na hora da mesa, entre volumes grossos
que se sentam com cristais e porcelana
os rascunhos costumam ser varridos no lixo
por pás de plástico e sacos de anilina
Só que alguém encontra, talvez o caçula
e arregala os olhos ao descobrir os versos

E o que estava disperso vem à tona
como peixe na véspera mas ainda vivo
a se debater no barco sujo da alegria
de alguma criatura sem preparo. Isso
abre um claro no monumento de granito
que são os olhos de quem não vê direito
e o poema assim descoberto limpa o ar
e faz brilhar a palha colhida no arco íris


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Van Gogh

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