30 de maio de 2016

MIGUEL: O EXEMPLO E A CORAGEM



Nei Duclós

O legado de Miguel é a disseminação do seu sólido conhecimento, arduamente conquistado e desenvolvido em décadas de dificuldades. Enfrentou problemas graves de saúde desde criança e sempre foi um desafio para os especialistas. Conseguiu superar crises e estabeleceu-se dentro dos seus domínios, o site pioneiro Consciencia.org, responsável pela formação de mais de uma geração de filósofos brasileiros, que nele encontraram o conteúdo e as abordagens críticas necessárias para desenvolver um trabalho próprio.

Sua solidariedade definia-se por um serviço social autêntico, pessoal e sem holofotes em cima. Raramente foi reconhecido, a não ser por algumas reportagens e o amplo agradecimento de quem se beneficiou do seu trabalho. A universidade, onde se formou na graduação brilhantemente, não o acolheu como devia em seu esforço de pós-graduação, preterindo seu trabalho sobre utopias em benefício de tantos doutorados inúteis. Ficamos com a indústria de títulos enquanto muitos talentos são postos de lado, para prejuízo do país que desperdiça seus filhos.

Ser generoso, solidário, boa praça, bem humorado são aspectos da sua personalidade, mas não sua essência: o que pega é o mergulho profundo na filosofia e no acervo cultural brasileiro, sobre o qual escreveu inúmeros ensaios. A solidez intelectual se destaca sobre suas outras qualidades.

Ter sido levado cedo, aos 37 anos, apenas prova, para consolo nosso, que Deus sente falta dos melhores e os quer mais próximos, ou então decide preservá-los de mais sofrimento neste vale de lágrimas.

Miguel Lobato Duclós (1978-2015): ontem, 29 de maio, dia de luto ainda mais devastador, relembramos o dia em que nasceste e os aniversários que comemoramos juntos. Não há pranto que esteja à altura da dor nem palavras que possam ajudar a suportá-la. Só nos resta teu exemplo de dedicação e coragem. Nas minhas mãos estão gravadas a cena em que tentei te acordar do sono sem volta de dentes cerrados, quando chegamos tarde demais para reverter o desfecho de um acidente cardíaco fulminante.

É mais uma lição deste homem sem igual: a de que a vida é uma ilusão passageira e a morte, a única realidade radical e por isso mesmo nos obriga a não nos perdermos em superficialidades e conjeturas. Precisamos da transcendência como precisamos de ar.

O que pega nesta existência? Miguel sabia e em função dessa descoberta dolorosa pagou com a vida. Eterno é o amor que sentimos por quem nos concedeu o privilégio de uma convivência tão profunda.


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