Nei Duclós
Os pecados em Philomena (de Stephen Frears, 2013) estão bem
explícitos: a Igreja Católica e seu horror ao sexo, as freiras do Sagrado
Coração, malignas e vendilhonas de bebês bastardos para famílias ricas estéreis
de países ricos, o silêncio e a submissão de quem renunciou ao filho roubado e só foi atrás dele depois de
muitos anos. O catolicismo cruel e sua instituição condenada, a família
heterossexual nuclear, se contrapõem aos virtuosos do filme: o cético
jornalista e ex-assessor político, ou o casal homoafetivo que opunha
sinceridade à artificialidade da instituição matrimonial tradicional.
Nessa clivagem tendenciosa até o extremo, o filme navega
pela mão da talentosa e experiente veterana Julie Dench, que debocha o tempo
todo da sua personagem, uma irlandesa bronca que gostava de ler romances água
com açúcar. Dench é inteligente demais para o papel que ela demole a cada cena,
mesmo sobrepondo às falas e gestos uma densidade brutal de emoção e transparência.
Steve Coogan, que interpreta o fracassado assessor demitido por dizer o que não
disse, sofre essa contradição entre a queda de uma situação econômica e social
de conforto para o risco de ir atrás de uma história que tem tudo para ser um
dramalhão explorado pela falta de escrúpulos da mídia.
O anticlericalismo do filme peca pelo equívoco e o excesso.
Não se pode sobrecarregar a instituição de caridade das freiras do Sagrado
Coração – fisicamente apresentada como se fosse um cemitério - com um perfil hediondo
de crimes inconfessáveis. O perdão para quem não merece não é a prova de que os
católicos são coniventes com os crimes da religião. A fé não é exclusiva de
espíritos toscos e ágrafos. No filme, a inteligência está confinada à opção de
gênero, à assessoria de estadistas ultraconsevadores, ao espírito atento do
repórter. As trevas, como nos tempos da Reforma, é atribuída ao catolicismo e seus
efeitos colaterais.
É permitido criticar essa soberba de enfoque numa época em
que voltou à moda a crítica contundente contra a Igreja de séculos anteriores,
como se ela permanecesse idêntica, assumindo a mesmice que no fim faz parte de
quem lhe aponta o dedo? Ou devemos nos emocionar e aplaudir a manipulação de
uma história “baseada em fatos reais” só porque é preciso aplacar nossa má consciência? Não se trata
de fechar com os erros católicos, mas de abrir a guarda para a diversidade das
opções humanas. A Igreja não é inocente, como qualquer instituição humana, mas
também não é toda ela um antro de abominações. A modernidade do comportamento –
o ceticismo do jornalista, a relação homoafetiva – não deve ser colocada como
exclusivamente virtuosa, coisa que o filme faz com veemência.
Filme bem feito, denso, de narrativa bem estruturada, com
excelentes atores, muito bem dirigidos. Mas peca por acreditar que convence os
espectadores de sua independência de abordagem. É uma obra tendenciosa, embora
aparentemente a favor da liberdade de opinião. E nisso reside sua pobreza. No
fundo, foi feito para agradar a grande massa agnóstica, os defensores de
relações humanas fora da família nuclear tradicional, os que sonham com uma
vida de independência financeira que só a assessoria política bem remunerada ou
o jornalismo investigativo de grandes veículos poderão proporcionar.