25 de fevereiro de 2014

PAZ NA DIFERENÇA

Nei Duclós

Um dia reunirei todos os meus versos numa assembleia para declarar armistício. Paz na diferença, poemas onívoros.

Eu perco palavras, mas você recupera. Com sua caprichada letra de caligrafia.

Diminuí a intensidade da fala até chegar à mínima folha. Para que pudesses sentir sua natureza de seda.

Dou o que não tenho, tempo. Gasto contigo, puro encontro.

Várias dores te tirei, porcelana do amor . Confesse onde te machucou, pele de flor.

Escutei um ui antes de bater no fundo. Te adiantaste, fingimento.

Ficas longe, como um céu azul que ameaça despencar pelo peso da doçura.

Tudo se quebra, como a onda na praia. Fica a espuma fervendo a areia. Teu corpo se cobre de gotas na esplêndida tarde.

Uso a idade como desculpa. Só a moça bonita não acredita.

Nada me distrai de ti. Nem mesmo tua fingida indiferença.

Sentir saudade quando ainda não há esperança é sinal de tempo bom logo adiante

Brincamos de nos querer. Para alimentar o que pode ser verdade.

Te cerquei com a poesia, mas, escaldada, escapaste. Já sabes como romper as amarras. Lendo ao contrário o que não está do avesso.

Sou território indevassável. Reconheça minha existência e negocie na aduana, a poesia inverossímel.

O amargo pus na lixeira para o vento levar. Adotei a doçura, mas sem me fechar. Às vezes o açúcar te trai sem dar sinais.

Deixei passar, mas agora ficou impossível. Selei o cavalo branco, parto para a guerra. Não adianta trancar a janela.

Me olhas do alto, feminina. Me esmagas com tua atitude.

Tomas conta da tela, com expressão grave. Não cabes em tanto de ti, fada distante.

O que falei é algodão no céu. Serve para distrair-te. É pista do que suei te buscando sem registro.

Fada passa depressa. Fica, experimenta.

Fada voa mesmo. É cúmplice do vento. Feita de momentos de puro êxtase.



ELE, ELA

- Me olho no espelho e me acho um idiota, disse ele.
- Depois esquece e te imaginas foda, disse ela.

- Já estava indo, disse ele.
- Fica, ela falou. Deixa que eu vou. Assim te repasso a saudade que me cansa.

- Você não cansa disso que te ocupa?
- Construo uma cidade, feita de poema, para um dia morar nela.

VISÍVEL

Ficaste mais visível depois que te perdi.
Passas por mim sonando os guizos
da carruagem de plumas.
Brilhas junto ao dorso
de corcéis marinhos.

Mas tudo se desfaz
na esquina.
Era apenas tu,
jóia de remotas Minas.

FUNDO

Ninguém tira o que temos de mais fundo.
Nunca mudamos o que nos faz inteiros.
Temos essa essência possível,
superfície que parece espuma,
que nos identifica e cruza qualquer tormenta.


RETORNO - Imagem desta edição: Sophia Loren, ciscada na RetroCo.