Nei Duclós
Estive em outro mundo, voltei agora.
Acenda o fogo diante do mistério. Vamos aquecer o gelo acumulado na viagem.
Celebram-se mutuamente na indústria
dos gêneros e idades. O tempo apaga. A única verdade é esse vento em teu rosto,
o sonho desenhado no capricho, o perfil de eterno peregrino.
Passei desapercebido pelos portos
lotados de livros. Estava sozinho, como canção improvisada no joelho de um anjo.
Não são letras, nem escritos, nem
mesmo versos ou aforismos nem nada parecido. São gotas de algo que fabrico. Não
sei se é dom, ou se é destino. Pertencem ao mundo perdido, lá onde forjam o
primeiro arrulho. Matéria prima do sentimento que amarra o assombro. Velas de
um navio que acorda cedo.
Estamos perto do fim deste tempo.
Prepare o abraço, para que recebam. Capriche no verbo, que tenha surpresa.
Embale em amor, eterna promessa.
Guarde meus versos para mais tarde,
quando faltar amor e for decretado o impasse. Misture-os com a Lua nas noites
de festa. Faça-os explodir em chuva fina de estrelas.
Pedi silêncio para poder escutar as
palavras que tentam se revelar. A cura fica sob camadas de ruído.
Vestida só de flor, aqueces além do
poema. Submissa e insurgente, próxima como a pele, lisa como o sonho.
Vi melhor quando me afastei. Mas a
imagem nítida gerava a falta de tua mão próxima.
Sou alvo a esmo do que aprontam os
deuses. Indiferentes, permanecem a criação em cada anoitecer. Vejo apenas o
branco dos seus olhos.
Minúcias da composição permanente. A
busca exata, a vibração seletiva, a tentativa e acerto.
Teus ventos me levam para inúmeros
portos.
Uma abóbada, a poesia, segura pela
ponta do pé, a sílaba. Soa o potencial de uma dança que se joga para fora da
pista.
Arte difícil, poucas palavras na
base de espirais infinitas.
Estas aí ,sonho ?
Linda Lua, reparta tua fantasia, me
diga onde está perdida. Qual o endereço da tua nuvem?
Não vicie seu coração, não o trate
como vagabundo. Ponha-o para trabalhar.
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Edward Hopper.