2 de novembro de 2010

DE REPENTE


Nei Duclós

Entendi como funciona o tempo. Ele é infinito entre dois pontos, vamos dizer, entre os 14 e 21 anos. Também pode ser entre os 53 e os 62, tanto faz. Mas é abrupto, escasso, datado e traiçoeiro de uma hora para outra. Bem que o amigo mais antigo avisou que o foco do olho iria nublar subitamente. O corpo adquire volume de repente, como um susto na balança. Sem nos darmos conta, conseguimos ler um texto em língua estrangeira sem tropeças e nos perguntamos: mas eu não tinha essa capacidade, como foi que aconteceu?

Talvez o tempo seja um adolescente implicante que se nega a fazer tudo o que pedimos ou esperamos dele. Basta darmos as costas para ele nos surpreender. Tínhamos decidido a permanecer monoglotas até o fim, mas tanto escutamos, lemos, ouvimos, reclamando das dificuldades, achando que não valia a pena o esforço, que acabamos frente a frente com um especialista em construções de origem belga que fala apenas esse inglês universal, o latim de hoje, como se diz. E desdobramos a conversa com desenvoltura, para encanto de quem nos cerca. Mais tarde, sós, em casa, diante do espelho, temos um ataque de riso, mas de nervoso.

Foi assim quando chegou a idade adulta. Um belo dia, o rapaz muito alto que ainda usava calção abaixou-se para jogar bolinha de gude, como sempre fazia há anos, para desespero dos mais velhos que lamentavam o fato de o rapaz não ter se dado conta da mudança evidente. Mas quando ele dobrou os joelhos para se abaixar viu que o chão demorava a chegar. Esse foi o momento em que descobriu ser já um homem feito e que precisava ganhar o mundo para inventar seu destino.

Na terceira idade, a mesma coisa. Somos imbatíveis e sacudidos até quando, de uma hora para outra, o corpo não obedece mais e todos ao redor se preocupam com nosso bem estar. Pegam do braço na hora de descer do carro, perguntam se quer sentar, falam bem alto para você entender e explicam coisas óbvias com a paciência dos instrutores de pessoas mentalmente prejudicadas. O problema é que a mente está a mil e você se irrita com tanta insistência.

É preciso paciência. Mal sabem eles que, assim no más, como se diz na fronteira, quem está vivo desaparece e quem acreditava na própria velhice é capaz de cruzar o Atlântico num bote de borracha.

RETORNO – 1. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 2 de novembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.

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