29 de março de 2007

Diário da Fonte


GRAVATAS COM SOTAQUE GRINGO

Quando estávamos no auge dos anos 60, alguns amigos meus, que só me conheceram em Porto Alegre usando jeans, camiseta e cabelo comprido, passaram por Uruguaiana numa daquelas viagens latino-americanas. Iam em direção a Buenos Aires ou Montevidéu. Aproveitaram para dar um pulo na minha casa e visitar os pais do poeta. Dona Rosinha abriu então seu impecável álbum de fotografias e mostrou o grande revolucionário envergando smooking, camisa branca com rendas no punho, abotoaduras e gravata. Entregou assim meu passado, para divertimento dos colegas, que depois passaram um tempo me zoando, recordando minha vida pregressa como pessoa certinha. Usava até gravata!

Precisei envergar de novo essa indumentária – terno e o adereço imprescindível da elegância masculina ocidental – quando passei por um bom tempo nas assessorias de imprensa. Tive que aprender a fazer o nó mais simples, o chamado italiano, que basta um laço para resolver o problema. Assim mesmo pedi, envergonhado, para o atendente da loja desempenhar a tarefa. E lá ficou, no início, aquele nó eterno, que eu tinha o cuidado de jamais desfazer, pois não aprendera direito. Depois, peguei o jeito e mais tarde me libertei. Assim mesmo mantenho umas duas ou três gravatas no armário, que uso de vez em quando para assustar as pessoas.

Uma gravata chic de quase 200 dólares deve fazer a cabeça de quem usa e de quem vê o pescoço e o peito adornados pelo brilhareco lustroso, sóbrio ou colorido, mas sempre fazendo presença em alguma reunião importante. Não digo que o rabino Henry Sobel tenha mesmo surrupiado peças da Luis Vitton, Gucci e sei mais o quê, em Palm Beach, como foi noticiado. Mas fico imaginando o que ele sentiu ao levar, se é que levou mesmo, quase 700 dólares em gravatas de primeira linha. Talvez estivesse se preparando para mais uma série de entrevistas nas TVs brasileiras, onde faz parte daquele núcleo escolhido de formadores de opinião para se manifestar sobre tudo.

Sempre achei muito estudado o sotaque gringo de Sobel. Brincava dizendo que ele ensaiava o sotaque, que tanto encanta os brasileiros, cidadania envergonhada de si depositando grandes doses de admiração para quem é de fora das fronteiras. Para mim, não era possível que alguém, tantos anos no Brasil, jamais tenha escorregado no seu sotaque, que é escandido com a propriedade de quem tem a palavra correta para os eventos que nos atazanam. Na agenda dos jornalistas, só é possível ter uma fonte para cada nicho da elite. Tributarismo, por exemplo, é sempre, ou era, o Ives Gandra Martins. Outros especialistas tributários foram praticamente erradicados do noticiário.

Fico pensando nas palavras do rabino, enroladas de maneira tão cândida no seu sotaque, descendo Luis Vitton abaixo, impressionante pela sua lucidez de prontidão. Não se trata de tripudiar sobre o esqueleto no armário de uma celebridade. Nós, os longevos, acumulamos esqueletos no armário de uma forma ou de outra. Em algum momento da nossa extensa vida, surgem oportunidades como a de escrever um discurso para algum tirano, já que ele pagava as contas e havia a perspectiva da happy hour no final do expediente. Em outra ocasião, nos calamos quando devíamos gritar e assim por diante. Mas o caso de Sobel existe algo que assume grande importância.

Ele é a voz politicamente correta dita em tom professoral estrangeiro. Os brasileirinhos ficam mudos diante da sua correção. As palavras proferidas num accent gringo tem essa força de convencimento que nenhuma pessoa sob o tacão do português do Brasil pode almejar. Costumo dizer que não podemos ter nenhum sotaque uma língua estrangeira que caem de pau em cima de nós. Mas qualquer estrangeiro vem aqui e usa seu sotaque carregado e ninguém condena. É até motivo de orgulho alguém descer do pedestal de sua língua superior para fazer concessões ao nosso patuá imprestável.

Claro que, se for provada a culpa de Sobel, os Estados Unidos não sofrerão nada com isso. Ninguém dirá: viu como os gringos também roubam. Dirão (como já estão dizendo nos comentários): ele estava acostumado no Brasil onde se faz qualquer coisa impunemente. É isso que dá vivermos num país em que a vergonha de ser brasileiro foi plantada.


RETORNO - Imagem de hoje: foto de Helcio Toth, escolhida só porque mostra uma gravata em forma de dólar. E também porque é uma baita foto.

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