25 de janeiro de 2007

O CALCANHAR DOS GÊNIOS





Hoje a mediocridade achou uma brecha para desconstruir a cultura que nos mantém vivos. Basta destacar algo sinistro na biografia de um gênio. Costuma ser calúnia. A de Monteiro Lobato ser racista, por exemplo. Ou a de grandes poetas e romancistas terem sido coniventes ou estarem a serviço de ditaduras ou partidos da direita. Há uma multidão de Ches e Trotskis ciscando as fezes dos gênios para descobrirem a pepita que vai transformar o gênio em alguém abaixo deles, medíocres. Incriminar o gênio é a maneira que a mediocridade tem de transformar tudo em tabula rasa. O álibi é querer dizer a verdade, ser politicamente correto e provar que o cara não foi tão genial assim. Esse tipo de postura e ação serve para que medre entre nós a praga das expressões definitivas, todas intragáveis. Pois se você afasta os mestres, desmoralizando-os, o território fica livre para a bostandade espiritual. Vamos a algumas dessas expressões.

Filosofia de vida - Quem nunca leu nada de filosofia costuma ter filosofia de vida. Normalmente vem acompanhada de conselhos, pois quem tem filosofia de vida se coloca como parâmetro de comportamento da humanidade. Buscam a harmonia num universo hostil, o mesmo que gera criaturas que, para sobreviver, se entredevoram. A filosofia de vida costuma ser o dourado da pílula de um planeta estranho, nascido e criado no conflito e que exige o conflito para solucionar seus impasses. Você não peita bandido soltando pombinhas da paz e se vestindo de branco, por exemplo. Você peita perseguindo traficante de armas na boca do leão. Você peita investigando a fundo qualquer soltura de facínora. Você peita evitando a corrupção na política e a prostituição na mídia. Você não enfrenta bandido tendo filosofia de vida.

Beijo no coração - É preciso abrir alguém como um frango assado para cometer uma barbaridade dessas. O coração não pode ser beijado, assim como o sistema de som não pode extrapolar as paredes do templo na esquina da sua casa. Se você beijar na altura do coração, aí é outra coisa. É aquilo que o hoje famoso escritor gaúcho dizia em sua nem tanta juventude: "Te chupo um têto". Oigaletê. Até seio é macho no Rio Grande.

Fica com Deus - Quem diz isso tem a certeza que Deus está com ela e, num gesto magnânimo, esse privilégio é terceirizado para o pobre do interlocutor. Ou seja, o chato te deixa um pouquinho do que ele tem de sobra, o tal Deus que ele acredita. Como Deus está acima das criaturas, não é um bunda suja qualquer que vai definir o fato de você ficar com Ele ou não. Fica aí com Deus, já que antes Ele não estava com você. Ara, como diziam em Uruguaiana.

Amén? - Significa: fim de conversa, ok? Você concorda comigo, senão és um inguinorante. Amén serve para tudo. Até para receber troco em padaria, como vi e ouvi alguns meses atrás.

Dia desses - Acho essa infinitamente execrável. É de uma pretensa criatividade coloquial, como se o autor fosse alguém muito à vontade para fazer essa coisa que ele imagina ser uma elipse. "Dia desses" me lembra uma firma que fica ou ficava na Rebouças, em São Paulo: Toldos Dias. Parece um trocadalho.

Está bom ou quer mais? - Me aplicaram essa no orkut. Como formação sobra, cultura temos de montão, e cada um de nós é um valume, então isso se aplica aos pobres de espírito que nada sabem. Esses coitados levam e ainda podem pedir bis. No vulgo, pode ser traduzido pelo velho e obsoleto conheceu, papudo? É ótimo para debates digitais, desses que não provocam dor.

RETORNO - Imagem de hoje: o túnel do metrô bem no miolo do acidente da cratera em São Paulo. Foto de Marcelo Min, que foi detido por estar fotografando. Foi parar na delegacia, onde deletaram tudo. Mas Min recuperou e publicou na revista Época. Min, como todo mundo sabe, é gênio.

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