9 de janeiro de 2007

A INDIFERENÇA FAZ PERGUNTAS





A pessoa não te vê há algum tempo e resolve te cravar de perguntas sucessivas. Esse interlocutor provisório e episódico te aborda se baseando em alguém que, como pele de cobra, já largaste numa esquina do tempo. Esse é o momento da provação. Aquela pessoa, tão íntima, jamais te deu a mínima importância. A atenção que ela dispensa nesse instante tem a ver com idéias fixas. São como perguntas de médico quando dobras o cabo da Boa Esperança: elas sempre atingem o alvo, acabam encontrando o que tanto procuram. E o que procuram? A retaliação por terem convivido por algumas horas ou dias contigo no trabalho, numa festa, num cinema. Compartilharam sem querer aquela proximidade e isso ficou como um travo amargo na pessoa que agora tenta te desesperar com perguntas sucessivas.

Como ela foi completamente indiferente no passado, não consegue suportar o fato de que te conhece. Então te dá uma saraivada de perguntas, pretensamente interessadas nas respostas. E vais tentando escapar até que és atingido, confirmando o que ela quer, enfim, extrair de ti: a absoluta falta de necessidade cósmica da tua existência, justificando assim o alívio que ela sente em ser a própria. Isso já nem é auto-centrismo, é doença social.

Vejo filmes e mais filmes. Não comento aqui porque ficou recorrente demais. Mas o que mais me encanta nos filmes é o trabalho de equipe mostrado nos extras, nos bônus, nos making of . São grupos de profissionais qualificados que dedicam em média dois anos em cada projeto. E vão assim sucessivamente produzindo obras, algumas mais fortes, outras menos. E não importa o tipo de filme produzido, o que vale é a indústria montada, toda ela baseada na eficácia, no talento e na sintonia. Os atores dão deixas e dicas sobre cenas, os diretores aceitam. Os roteiristas vão até suas fontes, ou seja, até o jornalista que escreveu determinada reportagem que vai gerar o argumento para o filme. Os dois conversam e se animam com o resultado. Não há esse esforço mútuo de um boicotar o outro, de um ser mais que o outro.

Isso tudo faz com que haja grande diversidade no meio. Existem milhares de roteiristas, diretores, atores, todos de primeira grandeza na indústria do primeiro mundo. Aqui temos meia dúzia de roteiristas, regiamente pagos, que muitas vezes chupam idéias alheias para continuarem pontificando. É triste.

Por que não podemos fazer o mesmo? Por que aqui existe esse esforço de padronizar tudo, de reduzir tudo a meia dúzia de nababos? Os filmes brasileiros, em sua maioria, estão contaminados pela estética da televisão ultimamente. Por que fazer também do cinema um reduto do império televiso? Porque assim os apaniguados não sofrerão nenhuma concorrência. Eles também acreditam que é o povo que quer assim, os cafagestes, que colocam a culpa no povo, de onde vieram e contra o qual se voltaram.

O povo gosto de representações sofisticadas, vindas da literatura. Querem um exemplo? Jeca Tatu, que fez grande sucesso com Mazzaroppi. Pois Jeca Tatu é uma obra de Monteiro Lobato, escritor de primeira grandeza. É uma síntese, uma denúncia, um trabalho que teve grande repercussão cultural. Os traidores acham que povo é assim mesmo, só gosta de porcaria e coisa padronizada. Enquanto isso, levamos de lavada de um monte de paiseco que se mete a fazer cinema.

Por que somos assim? Porque não conseguimos derrotar a ditadura. Porque o sistema educacional se esfacelou. Você vê nas equipes americanas: todo mundo é alfabetizado, todos exercem a língua básica e comum proporcionada pela educação. O resto vem por si. Aqui tudo é entendido ao contrário. Há inveja demais. O objetivo é não permitir que os outros aconteçam.

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