Ir além da barbárie da superfície é enxergar o que aparentemente está escondido. Não nos conformamos quando somos enquadrados nesta ou aquela gaveta, mas fazemos isso o tempo todo com nossos semelhantes. Isso se aplica ao espaço pessoal, imagine no coletivo. Populações inteiras são vistas com a mesquinharia do olhar, nações são reduzidas ao pó por falta de informação. Quadras de tempo ficam submersas graças ao nosso evolucionismo de araque.
Tendemos a repetir os insumos da percepção que conforma as idéias que temos sobre tudo e todos. Basta um sinal, uma pequena prova de que estamos certos em pensar errado para continuarmos na mesma. O oposto também é trágico: por excesso de prudência, desconfiamos de tudo o que nos chega às mãos, pois sempre haverá algo escondido que ninguém percebe. Encontrar o equilíbrio entre o aparente e o oculto é a engenharia do iceberg: só a harmonia que leva em consideração os dois pesos, um que está fora, outro que está abaixo, poderá nos levar a alguma espécie e sabedoria.
Isso é praticamente impossível, nesta altura do campeonato, em que a indústria cultural e a bandidagem política define os rumos do que vai ao ar. A internet esperneia, mas começa a fazer água. Turar o You tube do ar, impedir que o Google pague seus colaboradores no Brasil (os cheques de publicidade dos anúncios estão retidos pela Justiça), processar até comentaristas de blog, tudo isso pressiona a grande rede para o reduto a que todos estamos acostumados. Ainda está longe de acontecer censura total, mas por quanto tempo? Costumo dizer que estes dez anos iniciais de internet serão lembrados como a época de ouro da criatividade e da opinião pública.
O poeta Emanuel Medeiros Vieira, que está detonando no blog novaklaxon, fala dos blogueiros de luxo em promiscuidade com o poder. O cerco começa a se fechar e o álibi são as inumeráveis visitas que alguns blogs conseguem atrair. Se visitam é porque estão gostando e se estão gostando, vamos negociar. A rede não seria exceção à regra da manipulação da opinião pública. A resistência é ainda caótica, pois estamos acostumados ao hiperindividualismo e a tela do computador é a única parceria confiável. Nos fóruns, sobra agressões. Já me retirei de alguns deles, para evitar a pedreira das brigas disfarçadas
A internet veio se somar às várias mídias. O impresso ainda reina soberano, pois o objeto se impõe sobre o virtual. Não se faz o download de um pão, adverte o marxista alemão contemporâneo Robert Kurtz, a mais evidente prova de que existe inteligência no pensamento de esquerda hoje. Vejo isso pessoalmente. Um livro impresso tem muito mais força do que milhares de posts. Ainda é cedo, concordo, para avaliar essa diferença, mas por enquanto noto que pegar o texto com a mão é muito mais poderoso do que simplesmente vê-lo na tela. O papel ocupa espaço e atinge mais profundamente os leitores. Por enquanto, acho. Talvez isso não seja uma regra, mas o fato é que tudo vai conviver e nada vai morrer. Quando fizeram a fotografia, diziam que a pintura iria acabar. Quando veio a televisão, falaram que o cinema e o teatro já eram. Tudo continua firme e forte, contrariando as profecias apressadas.
O bom da internet é que acaba com a gaveta. Tudo pode ir ao ar, com ou sem repercussão. Imagino que a leitura na rede está se disseminando primeiro de maneira geográfica e aos poucos entra para a civilização do mergulho. Retemos o que é mais significativo para nós. Visitamos os espaços virtuais que mais nos tocam. Nem é preciso imprimir para que algo permaneça. O importante é o convívio ativo com os contemporâneos. Sair do autocentrismo, furar a casca e abraçar o que está próximo e distante. Aos poucos, mergulhamos no desconhecido que é a alma alheia, único caminho para uma civilização de verdade.
RETORNO - Paulo Gil informa sobre a imagem de hoje: "Esta foto foi enviada pelo administrador de uma plataforma petrolífera da Global Marine Drilling, estacionada
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