27 de dezembro de 2006

A DANÇA DO NOTICIÁRIO




O noticiário assusta não pelo seu conteúdo, mas pela falta dele. Se o cara matou uma família de nipo-brasileiros, a causa não foi asfixia, como diz a matéria, mas ira, revanche, soberba, astúcia, desespero, cobiça, vingança. Ninguém mais lê romance policial? Ninguém mais lê. Vejam o balanço das televisões, feito pela Folha Online: "Neste ano, artistas aprenderam a dançar diante das câmeras, uma nova geração de anônimos teve seus 15 minutos de fama graças aos reality shows, as novelas de elenco com pouca roupa e enredos erotizados deram boa audiência, enquanto fizeram sucesso os programas com conselhos sobre como melhorar o sexo, educar os filhos ou fazer bons pratos na cozinha. Nem todas as atrações capricharam na qualidade". Que importância tem essas merdas?

Como disse alguém aqui perto de mim, eu abro jornal para ler as notícias e fico sabendo que o Rappa ainda está apaixonado pela Débora Secco. O jornalismo está hierarquizado: meia dúzia de excelentes repórteres têm chance de produzir reportagens premiadas e o resto pasta na mesmice, sob o tacão da mediocridade. Fica difícil seguir o noticiário.

CORNETA - A morte de James Brown bem na hora em que o Braguinha se foi, com quase um século de vida, serviu para aquelas emoções estúpidas dos apresentadores, que apertam os olhinhos para pegar carona nessa coisa fantástica que é o cara que dançava e cantava soul e era incomparável. Pode ser o grande coisa que dizem que é, mas sempre achei JB a fonte dessa barulheira gritada que tomou conta da música. Não gosto de corneta pontificando o tempo todo, nem acho que a dança espasmódica seja uma grande contribuição à cultura mundial. Prefiro Leslie Caron e Gene Kelly, se é que se lembram, ou West Side Story. Mas Brown serviu para deixar de lado o Braguinha, que descobri só agora, caiu em desgraça porque fez um hino a Getúlio.

PASTORINHAS - Vejam a coincidência: o cara que praticamente fez tudo em música popular, de Carinhoso à Canoa virou, de as Pastorinhas ao pirata da perna de pau, o cara que fez aquela versão maravilhosa de Fascinação, enfim, o cara, adorava Getúlio. Por que será? Mais coincidência: veio 1964 e Braguinha, junto com o Brasil Soberano, sumiu. Tinha 200 músicas inéditas. Morreu com elas. Talvez agora o redescubram. É sempre assim: adoramos tratar dos mortos, pois os vivos nos incomodam. No Brasil, é proibido admirar os contemporâneos, a não ser que apareça na TV dizendo asneiras e barbaridades. Aí todo mundo cai de quatro.

FESTA - Ontem foi ao ar uma série de gags do mundo global, que vive voltado para o próprio umbigo. Meu Deus, como eles se divertem. Como são maravilhosos, profissionais, coisinhas de Jesus. O país se estiola na miséria, na corrupção e na violência, mas a televisão está em festa. É o paraíso da barbaridade. Como este ano fui brindado aqui em casa com o um dvd, graças a Deus fiquei de fora de tanta bandalheira. Praticamente não vejo mais nada em TV aberta, e nem fecvada, pois TV a cabo não tenho há anos (mais despesa!). Vi grandes filmes e consegui me atualizar um pouquinho, pois me sinto superdefasado em relação ao cinema deste século. Em cada dvd tem o making of, que é um curso permanente de como fazer cinema. O troço dá trabalho demais.

MULTIDÃO - Nos Estados Unidos e Europa, cinema é uma indústria, onde os filmes convencem pela excelência técnica que atingiram. No Brasil, cada obra vai da cabeça do diretor ou produtor. Não temos continuidade e não sabemos ainda fazer cenas com presença coletiva. Nossos extras são uns pandorgas, não são atores e dificilmente há direção de muita gente em frente às câmeras. Como se tem feito cena dos anos 60 e 70 de maneira tosca, meu Deus. Cenas de rua. Não temos consolidado um imaginário do nosso passado. Cada um faz o que quer. O resultado é uma barafunda só.

RETORNO: Imagem de hoje: cena de West side story, no tempo em que havia dança na massa media. Essa arte foi substituída pelos movimentos catatônicos do soul, que depois desandaram no rap e hip hop.

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