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30 de setembro de 2006
VIDA ADULTA EM PAÍS MADURO
Imagino como deve ser a vida num país adulto, diferente do nosso, infantilizado por 42 anos de ditadura. As pessoas, nesse país que imagino, têm existência real, e não são apenas espantalhos, como acontece no nosso. Servimos para assustar os urubus na tarde cinza, enquanto a seara é toda colhida em proveito dos porcos da Ásia. A arte que produzimos reflete esse estado de miséria mental. A música está cheia de vibratos (fanhos, o que é pior), aquele espichamento das frases melódicas até a exaustão. Você está fazendo compras num supermercado qualquer ou numa loja e quando nota está louco para sair porta afora. É a gritaria sem fim de canções imbecis, produzidas aqui ou importadas, mas consumidas pela pobreza espiritual a que fomos reduzidos. Na literatura, os engraçadinhos fazem a festa, chafurdando no que acham transgressão, enquanto deixamos de lado os grandes romances, os que trazem gente de fato em situações de risco e conflito. Brincamos com as palavras enquanto nos tungam pela porta dos fundos.
ANISTIA - As artes plásticas se abraçaram ao marketing e as performances se parecem a campanhas publicitárias. Não é por acaso que o espaço mais generoso para a arte está nas colunas sociais. O cinema, em grande parte (com honrosas exceções), já falei aqui: basta uns segundos de filme para alguém tirar a roupa e começar a respirar apressado enquanto a câmara flagra a bunda aos pulos e as pernas escancaradas. Tudo cacifado pelo dinheiro público. Para coisas assim servem os impostos. Por que chegamos a essa situação? Porque nos deixamos enganar. Todos acreditam piamente que estamos numa democracia, que as diretas-já foi um movimento vitorioso (não foi, acabou sendo derrotado no Congresso), que o poder migrou dos militares para os civis (não foi, o poder continua sendo o da pirataria financeira, que insufla a dívida impagável, até chegarmos à situação de entregarmos o território) e que a anistia serviu para trazer a oposição de volta (não é verdade, a oposição foi assassinada e a anistia serviu para livrar a cara dos torturadores). Como nos deixamos enganar, então nos reduzimos ao pó de traque.
INGLATERRA - Já ouviram falar nos Dois Filhos de Francisco, aquele filme idiota que apareceu em todas as mídias divulgando a gritaria dos bestalhões milionários que berram sem parar? Para onde foi essa joça? Ninguém fala mais nada. Porque nunca prestou. E queriam que ganhasse o Oscar! Agora pega um filme como Orgulho e Preconceito, baseado em romance de Jane Austen, sobre uma família de caça-dotes que no conflito encontra desespero, paixão e finalmente amor. Um filme para ver com a respiração suspensa, absolutamente maravilhoso, de um país adulto, a Inglaterra, para platéias adultas. As pessoas existem porque há escritores sérios com poder, que cruzam os séculos com seu recado e hoje deságuam na industria audiovisual com uma produção, direção e atores de tirarem o fôlego. Obteve quatro indicações ao Oscar, deveria ter levado todas.
PELADAÇA - Essa constatação, de que a Inglaterra é um país adulto, não significa que devamos ficar admirando sem restrições as outras nações. Hoje, qualquer país está abraçado à bandalheira da falsa cultura de massa, a idiotização total. O que define o perfil da nação são suas exceções, a coragem de fazer algo à altura do destino humano. Ao enxergar bons exemplos fora de nós, devemos voltar os olhos para o que fomos transformados, e ver o fundo do poço que atingimos. Já fomos melhores. Mas a ditadura desconstruiu a imagem do Brasil soberano e substituiu a nação que já foi livre pela mulata sambando de fio de dental para gringo ver, como até agora acontece. A mais recente reprodução dessa desgraça foi num evento esportivo transmitido pela televisão. Juro que vi uma peladaça vestida de paninho verde amarelo rebolando a celulite (o que isso tem a ver com esporte?). Por que acontecem essas coisas? Porque no Brasil os proxenetas, os cabareteros, os putanheiros, possuem poder, só pode ser. Agora vai lá e vota nesses pulhas, vai, vota.
RETORNO - Imagem de hoje: a dança de conflitos entre Matthew Macfadyen (Sr. Darcy) e Keira Knightley (Elizabeth Bennet) em "Orgulho e Preconceito" (2005, de Joe Wright ).
29 de setembro de 2006
RESPOSTAS AO "POR QUE NÃO?"
A pergunta de Caetano Veloso, "por que não?", que é mais um aviso de que uma dúvida, transformou-se, sem a concordância do autor, acredito, no coringa de uma situação de ruínas. Tudo pode, por que não? Como estamos em vésperas de não-eleições, em que a ditadura se mobiliza para obrigar os cidadãos a comparecerem nas urnas eletrônicas sob pena de castigo e punição, em que são oferecidos para o voto inútil todo tipo de sujeito, elenquei algumas respostas à celebre questão. Assim, quando fizerem algo reprovável, ou quando emitirem a pergunta, você terá na algibeira uma série de contrapontos que aqui sirvo a la carte.
Então a pergunta é: Por que não? A resposta pode ser:
Porque vai prejudicar os outros.
Porque é anti-ético.
Porque contraria a lei.
Porque vai ter conseqüências nefastas.
Porque não foi para isso que fomos criados.
Porque você vai jogar fora sua vida.
Porque é imoral.
Porque vai dar mau exemplo.
Porque vai identificar você com o que há de pior na humanidade.
Porque isso é roubo.
Porque é mentira.
Porque não há, ou não deveria haver, espaço de manobra para a sacanagem.
Porque isso, aparentemente, é legal ou cool (que significa: quase-cu), mas no fundo é pernicioso.
Porque você vai se arrepender.
Porque há outras alternativas.
Invente sua própria resposta. Existem inúmeras.
CORDEIRINHO - E falando ainda de eleições: liguei por 30 segundos (mais, mata) a TV aberta (a vitrine do falso marketing) e lá estava o Alexandre Garcia perorando sua catequese para o bruto gentio. Garcia faz aquela cara de Catão que parece conclamar as gentes com um antigo chamamento de anedota, povos e povas que me ovais. Ele instava o telespectador a deixar de ser cordeirinho. Que todos nós deveríamos nos transformar num patrão (e como ele enche a boca ao dizer esta palavra) rigoroso dos eleitos.
Cate coquinho, Garcia. As figuras colocadas para serem votadas não merecem voto nenhum. É tudo carta marcada. Que opção temos? E com o mandato na mão, o sujeito eleito vai pagar a campanha cara onde ele se meteu e deixar de lado o cidadão, como comprovam décadas de ditadura. Não é porque você, que faz parte desse sistema de manipulação da opinião pública, finge ser um irascível que vamos todos obedientemente seguir tuas palavras. E o pior é a cara que ele faz, com aquela ameaça de barba bíblica, o cenho carregado de coronelão e o tom didático de quem fala para analfabetos. Cordeirinho é quem me diz. Alexandre Garcia serve a todos os poderes, desde a época dos militares.
JÁ PERDEU - Cristóvão Buarque, o enclave petista no trabalhismo, assumiu que vai perder. Disse que ia transformar sua campanha eleitoral numa campanha a favor da educação. Declarar publicamente a derrota antes de o povo ir às urnas é mais um sinal evidente de que estamos numa ditadura, numa falsa democracia de cartas marcadas. Até quando, trabalhistas, deixaremos que os outros venham se assenhorar do cacife político do Brasil soberano?
RETORNO - Imagem de hoje: garoto atirado na calçada enquanto pedestres passam, indiferentes, por Marcelo Min, que está muito bem casado e passa lua-de-mel em Buenos Aires.
28 de setembro de 2006
OS FALSOS MARQUETEIROS
Já que estamos numa ditadura, como atesta a política econômica que suga a nação com uma dívida impagável, sem que nada ou ninguém possa contra ela; já que a ditadura não admite contestações, como provam as campanhas dos candidatos mais notórios, todos a favor da tunga internacional; e como numa ditadura todo mundo tem que calar a boca, então é imprescindível que o jornalismo morra. O que é jornalismo? É a pauta (a escolha dos assuntos) livre, sem a interferência do departamento comercial, do patronato, dos anunciantes, do governo, das máfias. É a reportagem elaborada e destacada com absoluta isenção, sem que os cretinos e falsos marqueteiros venham te dizer como é a que a coisa funciona. Como não pode haver jornalismo numa ditadura, então impera o desplante dos falsos marqueteiros, que se aproveitam da ditadura para tergiversar sobre o que acham ser jornalismo.
TRUQUE - É o velho truque de sempre: não importa o veículo, os leitores, importa são as páginas coloridas caríssimas que eles negociam falando mal dos jornalistas. Um dos objetivos do falso marketing - não a verdadeira seriedade publicitária, que anuncia sem interferir e depende da credibilidade jornalística para passar seu recado - é sucatear redações. O falso marqueteiro odeia redações. Adoras maçanetas, aquela porção da humanidade que faz tudo o que eles mandam. O truque funciona assim: Este jornal ou revista que existe há décadas está ultrapassado. Vejam que maravilha é esta revista viada que estou te passando para aprenderes o que é bom para a tosse. Vai, te inspira nessas merdas, que eu preciso tirar pedidos de anúncios (eles não sabem o que é credibilidade de um veículo, por isso não conseguem trabalhar esse conceito tão estranho na hora de conseguir publicidade). Então destroem o veículo fazendo um desses projetos com enormes espaços em branco (a falsa publicidade adora espaços em branco), gente-bem (como diziam nos 50) em pose cool, nada de conteúdo, textos sobre o Mesmo e fotos que custam os tubos. O falso novo veículo dura mais alguns números. Sem redação, o troço não vai para a frente, já que os jornalistas que faziam acontecer foram sumariamente afastados ou subjugados. Depois de um tempo, a revisteca oun jornaleco vai para o brejo. Então os falsos marqueteiros vão alegremente para outra empresa aplicar o mesmo golpe.
COFRE - Assim vão fechando mercado de trabalho, tornando tudo a mesma coisa (olhe nas bancas), enganando os empresários de que é assim que a merda tem que ser feita, falando mal de jornalista (como são fora de moda!), enquanto sorriem com seus paninhos de seda envolvendo sorrisinhos cúmplices. Como estão com a mão no cofre, pois detém a parte importante do faturamento, sapateiam com seu poder em cima dos outros, enquanto as redações ficam à deriva, sem o mínimo para conseguir as mudanças verdadeiras (mais jornalismo, pois jornalismo é o produto e não o velho reclame embrulhado em forma de falsa reportagem). Fazer tabula rasa de experiências que estão dando certo, apesar das dificuldades, acenar com altos faturamentos, desmoralizar o trabalho alheio é com os falsos marqueteiros. Gente sem importância que ganhou status com a atual ditadura que destruiu o jornalismo.
PRECONCEITOS - O que um departamento comercial tem que fazer? Escutar a redação, entender o que está sendo feito, apostar no trabalho desenvolvido, e jamais tentar vender reportagens ou estimular a confecção de reportagens comerciais. Às vezes coincide: uma matéria de interesse comercial é uma boa pauta, mas isso não pode ser encarado como regra. Muita coisa de interesse da empresa ou da instituição que cacifa o veículo poder ser trabalhado a favor do jornalismo, mas esse é um fio de espada que precisa ser trilhado com temor. O certo é desvincular totalmente o jornalismo da publicidade e deixar os marqueteiros se virarem com o que têm à mão. O que não pode é o departamento comercial sair espalhando que o veículo não presta e que será mudado imediatamente para atender os preconceitos de quem quer que seja.
FORA! - Cansei dessa gente. Desses tiradores de pedido com ganas de ser o que não são. Estão por toda a parte. Perseguem o jornalismo como cães farejadores. Possuem toda a argumentação pseudo-correta do mundo. E são mentirosos. Acham que te enganam. Fúúú, fora!!
RETORNO - Imagem de hoje: Calçadas da Sete de Abril, de Marcelo Min, que avisa: depois de um ano de quebra-quebra, as novas calçadas ficaram prontas, mas há perigo de inundação em dia de chuva, pois as canaletas estão entupidas. Isso é jornalismo. Não por acaso, está confinado no genial Fotogarrafa, já que ainda há liberdade de expressão na Internet. Por quanto tempo? Até o momento em que os engraçadinhos do falso marketing venham falar em operação casada, entre outras barbaridades.
27 de setembro de 2006
O BARCO SOBRE A MONTANHA
Nei Duclós
Pelo excesso de uso, o globo tornou-se quase todo escuro. Apenas na base um líquido viscoso se concentrava, luminoso, como querendo pingar para fora da redoma. Talvez fossem mariposas e vagalumes amassados, que penetraram no que pensavam ser um abrigo. A energia que alimentava a esfera não tinha mais força para torná-la brilhante, como acontece ciclicamente, quando então o conjunto parece um balão de gás que sobe rapidamente para as estrelas. Essa escassez de uma fonte mais poderosa de luz fazia com que a esfera, de rosto negro, apresentasse, no bojo iluminado aos seus pés, o aspecto de um barco destacado no céu limpo e negro. Imaginei que esse lastro misterioso, idêntico a um sorriso, escancarava uma boca de comédia, embora o clima fosse de extrema sobriedadede. O visgo pesava e fazia com que o barco navegasse um pouco acima da montanha, lugar onde permaneceu por horas, enquanto eu tentava decifrar a charada, instalado na varanda, vizinha da noite infinita.
OCEANO - Era como as lanternas antigas, carregadas no ombro, por viajantes que cruzavam o deserto aproveitando a friagem da madrugada. Eles caminhavam penosamente, com sua luz a tiracolo, para que pudessem ver peixes e lobos, já que no território do sonho tudo se mistura. A montanha, parte de uma serra com seu desenho perfeito em contornos curvos de tamanhos diversos, era a onda que tentava lamber o casco daquela embarcação que jamais descia até à água dura da mata, que subia até o topo da elevação. Havia um movimento pendular que enganava os sentidos. Aquilo navegava sem sair do lugar, singrava um mar de corcovas fixas e parecia tentar escapar da atração que sentia para enfim pousar no cume desse oceano bruto. Mas havia algo que suspendia o globo, como se realmente alguém a levasse no ombro e essa criatura, invisível, tinha a força de dez gigantes.
ESPETÁCULO - Se a base iluminada imitava o barco, que não se decidia se lambia as ondas ou não, o resto da esfera se mostrava impassível, satisfeita talvez com seu aspecto de breu contornado por leve fio de seda brilhante, que fazia uma perfeita bainha curva em forma de coroa. Era, essa parte escura, como a vela do barco a desprezar o vento, já que se mantinha pela majestade do que imaginava ser. Gostaria que me notasse, mas lembrei que todo o espetáculo era compartilhado pelos habitantes dispersos desta ilha, que vieram morar aqui para espiar o enigma. Estamos marcados pelo inverno, que incomodou na sua despedida, e o frio intenso tinha nos deixado exaustos de tosses e febres. Agora, curados, repousávamos forçando a barra das estações, querendo que o clima favorecesse o encontro na varanda gelada. Mas ainda é cedo para o desfrute da paisagem. A aparição no horizonte, barco circunspecto de uma noite que não dispensou ainda os favores do inverno, nos avisava que só uma parte de nós brilha, enquanto o resto permanece envolto numa túnica de mistério.
CHANCE - O importante é que por algum tempo ficamos absortos no que vemos, deixando de lado o que nos atormenta. Notamos que o Tempo é indiferente a tantos problemas e que podemos lançar sobre aquele barco uma corda para nele amarrar o pensamento privado de grandeza. Ficamos ali, presos na Lua Nova, como náufragos à espera de uma chance. Talvez o Navegador, penalizado com nossa situação, puxe a corda e nos coloque dentro. Ficaremos então no fundo da embarcação, com o olhar deslumbrado para a grande abóbada escura que nos envolve, e que mostra, na superfície, um fio de renda brilhante. É quando, de lá, abanamos para nós instalados na rede da casa, enquanto aguardamos que a navegação encontre seu destino. Mas é tarde e vamos dormir. Quando dormimos, o navegador suspira e define o rumo para longe, onde nosso olhar jamais alcança. Ele nos deixa sós, com a imaginação carregada por um líquido viscoso de mariposas e vagalumes esmigalhados. Os pés do Navegador pisoteiam aquela massa de almas encantadas, enquanto sopra o vento da Noite interminável, companheira dos sonhos, irmã de fantasmas, musa da poesia que enfim nos abraça.
RETORNO - Imagem de hoje: Garcia Lorca, autor do verso "o barco vai sobre o mar e o cavalo na montanha". Misturei as duas imagens para falar do assunto de hoje, que me assombrou ontem à noite. Garcia Lorca, Poeta Maior.
26 de setembro de 2006
O FIM DA FAMÍLIA
Nei Duclós
Família é a única concorrência a qualquer outro poder, como o Estado ou o sistema financeiro. Pode ser até aliada deles, pode reproduzir o que é imposto, mas normalmente mantém a independência, a verdadeira divisão em relação aos ditadores. Pai, mãe, quando assumem de verdade seus papéis, são exemplos mais poderosos do que qualquer estadista. Formam personalidades e são referência obrigatória para toda a vida. Quando estão bem distantes no tempo, eis que você, fisicamente, fica igual a eles. É o momento em que te avisam: vieste de corpos como o teu e pertences a uma linhagem que não podes negar. Por isso é fundamental destruir a família para imperar. É o que faz a pirataria financeira internacional, que tornou todo mundo disponível para o que chamam de carreira e que nada mais é do que servidão. A ditadura recebe um valioso reforço: o da televisão, que se esmera em rebentar com o núcleo familiar, desmoralizando a autoridade dos pais por meio de cenas diárias em que os filhos destratam quem os gerou e estes pedem mil desculpas pelo fato de serem assim tão precários e horríveis.
BAMBOLÊ - A juventude é a humanidade descartável: sempre tem alguém mais moço para substituir e alimentar a máquina de moer carne. O que fazer com quem amadurece? Primeiro, deve-se colocar à mercê dos pivetes desaforados e malcriados em frente às câmaras. Depois, fazê-los trair sua função familiar, fugindo das responsabilidades e cometendo sandices. E depois, no que chamam melhor idade, fazê-los girar bambolê na cintura e levantar os bracinhos cantando mamãe eu quero para que aproveitem a vida e assim abdiquem da solenidade que o tempo nos outorga em experiência e sabedoria. É preciso deixar tudo ao encargo do poder que nos massacra. Eles sabem o que fazem. Eles sucateiam o Estado, privatizam a véia, colocam títeres nos cargos maiores, incentivam a separação, se apropriam da vida pessoal e depois fazem comerciais onde pessoas em câmara lenta sorriem falsamente para anunciar margarina, celular, viagens. A família é mais embaixo, na base. Não se presta a esse tipo de expediente. Por isso é considerada uma coisa babaca, não só para ser desmoralizada como para ser usada como modelo publicitário. Na hora em que eles erradicam a família, é hora de reconstrui-la com pais amigões, mães que jamais passaram pela maternidade e filhos sabichões que dão o recado dos produtos.
IBOPE - Desconfiava de tudo isso até que o autor da novela das nove, Manoel Carlos, ontem na Ilustrada, confirmou. Ele diz que precisa vilanizar as mocinhas e fazer com que filhos destratem os pais, pois assim o Ibope sobe. Quando alguém pensa uma barbaridade dessas e acha que está com a razão, nada como o Ibope para justificar tudo. Como se o Ibope fosse infalível. Fica evidente que a maioria das atrizes na televisão, em vez de apenas falar, costumam dar. Elas dão quando falam. Ou então cometem alguma maldade, destilam algum veneno, fazem uma cena de histeria, contra empregadas uniformizadas de preferência. É uma escola de vacas. Isso, claro, não influencia em nada, como costumam dizer. Tudo é obra do Acaso e se a família está ruim a culpa não é da TV. É claro que não é apenas da TV. A TV é instrumento de opressão e ajuda a acabar com a família para que todos desçam do pedestal da cidadania e chafurdem no consumo desenfreado. Como disse Ricardo Darin no filme O Clube da Lua: "Descobri que posso viver sem cartão de crédito, sem TV a cabo, sem emprego. Mas que não posso viver sem o amor da minha mulher e o respeito dos meus filhos". Bingo.
ANACRONISMO - No Mais! de domingo, na Folha, um tal Bernard Henri-Lévy assume o papel do pensamento francês traidor do movimento. Adora o Império americano, dizendo que ele não existe, diz que o antiamericanismo é a religião global da atualidade e que a nação americana é fundada em princípios e não em raça. Só em tese. A América é um Império racista que se impôs pela força predadora contra outros países. Mas o tal Henri-Lévy fez um passeio pelos Estados Unidos, indo até a mansão de Graceland para celebrar o fato de Elvis não ter morrido, e ainda tem o desplante de dizer que baseou seu relato, que virou livro, em Tocqueville. Flor do anacronismo, Henri-Lévy deve ser combatido pelo pensamento livre, senão esse tipo de asneira acaba sendo entronizada.
RETORNO - Imagem de hoje: Família de saltimbancos, de Pablo Picasso (1905).
25 de setembro de 2006
O AMOR E A ESTRADA
Crônica sobre comédia romântica e road movies, publicada no fim-de semana no caderno Donna DC, do Diário Catarinense.
Nei Duclós
A comédia romântica é um conflito entre pessoas díspares que procuram o outro onde ele não se encontra. O enredo é a busca desesperada de uma parceria idealizada, que acaba sempre se revelando um equívoco. O desfecho é quando o Destino se impõe por obra de cupido, o deus travesso, que arma situações opostas aos impulsos originais. Há sempre uma correria no fim do filme, sinal evidente de que um dos protagonistas se dá conta do erro e tenta remendar, partindo para o ataque ao objetivo certo. O amor sempre esteve ao lado, nos atalhos, nunca na auto-estrada. A declaração que sela as núpcias é o alívio de quem estava perdido e que resgata, no embate, a própria identidade.
Rock Hudson e Doris Day, Tom Hanks e Meg Ryan, Andie McDowell e Gerard Depardieu são casais voltados para fora da relação que à primeira vista parece impossível, mas que no final se entrega ao inevitável. É uma fórmula eterna, que só perde em longevidade e carisma para o road movies, a travessia de indivíduos pelo deserto, quando descobrem, ao andar, o quanto ficaram longe de suas origens, e que, ao contrário da comédia romântica, implica sempre em perda, e muitas vezes em tragédia.
Nos dois tipos de filmes, a fuga (para a estrada, para o amor) é uma opção de quem vive situações insuportáveis. Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, é o mais radical e encantador road movie da história do cinema. Um idoso viaja em busca de um prêmio e descobre a miséria de sua vida em seqüências onde memória e realidade têm o mesmo peso. Em "Corrida contra o destino" (Vanishing Point, de Richard C. Sarafian) a obra-prima americana sobre o suicida que peita as autoridades a bordo de um carro cult, representa, pela velocidade, a insurreição contra a cristalização de uma sociedade fundada na tirania. A explosão final só tem comparação em impacto das motocicletas em chamas de Easy Rider, de Denis Hopper, o marco antológico dessas viagens em direção ao insight.
"We blow it" (estragamos tudo), diz Peter Fonda quando se dá conta da quantidade de horrores em que se meteram. Nós somos os culpados por isso, por essa radicalização que nos exclui, resposta dura ao horror supremo da falta de liberdade. O road movie é uma descida à danação, e esta pode ser representada tanto pelo fogo quanto pelo abismo (como em "Telma e Louise," de Ridley Scott). O movimento, fundamento do cinema, é o ambiente do filme que nos leva de carro, trem, barco, a cavalo ou a pé. Embarcamos naquele sonho e torcemos por um final feliz, que nem sempre vem. A viagem a cavalo que Kirk Douglas empreende em "Sua última façanha" (Lonely are the brave), de David Miller, com roteiro de Dalton Trumbo, em direção à casa que destruiu, é um aceno para a vida romântica do passado, mas um caminhão se atravessa no seu caminho para destruir a viagem. A Morte espreita o road movie, que não faz graça com ninguém.
"Charada", de Stanley Donen, com Cary Grant e Audrey Hepburn, é a comédia romântica de ação em que o galã, à primeira vista um anti-herói, mente para salvar a mocinha e que, com esse expediente, acaba fechando todas as portas para um encontro final amoroso. A qualidade da comédia romântica vem da capacidade da trama: esta precisa nos convencer que será totalmente impossível um final favorável. Todas as ciladas se apresentam ao casal inverossímil, que assim dispõe de uma abundância de oportunidades. No fundo, o roteirista responde à imaginação dos espectadores, que precisam ser contrariados nas suas esperanças. Quando tudo parece perdido, algo se apresenta para resolver a questão.
A seqüência que define a comédia romântica acontece sempre num ambiente coletivo de confraternização: Natal, Ano Novo, Ação de Graças, parque de diversões, desfile, festa. No meio da multidão cheia de alegria e esperança, o desespero de quem viu seu amor sumir pelo ralo cruza o território da indiferença com o coração em brasa. Billy Cristal em "Harry e Sally" ou Renée Zellweger em "Diário de Bridget Jones" podem dizer enfim: eu te amo. Quem reprimir o choro, não pode ser considerado humano.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: Cary Grant e Audrey Hepburn, o casal que se desencontra ao longo do filme "Charada", e só descobre a chave do enigma no final. Vejam a mágica: o amor maduro e fruto do conflito fazia parte da cultura de massa. 2. Não queria meter a colher nessa cumbuca, mas vá lá. As cenas picantes de Cicarelli na praia não nos dizem respeito. Portanto, é perda de tempo discutir o evento. O que precisa ser debatido está longe das ondas. Deve-se perguntar os motivos que fazem de Cicarelli uma celebridade. Sem talento, apenas com atributos, ela é cabide de uma indústria suspeita, o das roupas de luxo, que usa garotas cada vez mais jovens, e mulheres em poses de desfrute, para desfilar seus corpos em passarelas milionárias. Moralismo!, dirão. Não, apenas política: os corpos disponíveis, que trafegam a peso de ouro pelo mercado global, se prestam ao sistema poderoso de uma economia ditada pela pirataria financeira. Aliás, vi uma tremenda coincidência: o namorado que participa do erotismo praieiro de Cicarelli é executivo do mercado financeiro.
24 de setembro de 2006
O ADMIRÁVEL CINEMA ARGENTINO
Fui brindado, neste início de domingo, com a emoção de ler Urariano Mota no La Insignia sobre meu livro O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento. Diz ele:"Por isso podemos escrever sem medo e somente com a percepção do que lemos: algumas crônicas de Nei Duclós têm uma poesia a que e a quem o próprio Rubem Braga pediria a bênção. E mais. Um texto como É de trem que eu preciso paga todo o livro agora impresso. As suas linhas sobreviverão a este 2006 por muitos e muitos anos." Urariano se debruça com cuidado, conhecimento e sensibilidade sobre o livro no seu longo e generoso texto. Emocionado demais, só tenho a agradecer a Urariano e sua leitura poderosa, que me enche de legítima alegria. A seguir, o texto de hoje.
Nei Duclós
O cinema argentino é a expressão de um país que amadureceu quando foi destruído pelas perdas internacionais, gerenciadas cruelmente por uma elite interna traidora. Os argentinos colocam os torturadores da ditadura na cadeia, expulsam presidentes a panelaços e não perdoam o que fizeram com eles. Por isso seu cinema é tão notável, disparado um dos melhores do mundo na atualidade. Existem inúmeros exemplos, mas prefiro ficar com os dois de Juan José Campanella, estrelado por esse fantástico talento que é o Ricardo Darin: O filho da noiva, que vi há um mês e O Clube da Lua, que vi ontem. São filmes perfeitos que abordam, o primeiro, a classe média pressionada pela crise e que luta para manter um negócio familiar, cercado pelos monopólios; e o segundo, a classe média empobrecida que vê no clube um local para se manter íntegra, enquanto tudo ao redor, especialmente o mundo empresarial e do trabalho, desmorona e as cidades se transformam em cemitérios.
PUNIÇÃO - Vejam que temas! Temos exemplos de sobra no Brasil para fazer algo parecido (por que não imitamos as coisas boas?), mas preferimos outra coisa. Há, entre nós, a certeza granítica de que ser da classe média é uma desonra, uma espécie de crime que merece ser punido. Empobreceu? Bem feito, quem manda ser alienada. Então não temos filmes sobre o mundo do trabalho e dos negócios. Isso é coisa, digamos, do tal capitalismo. Quando sabemos que comprar, vender, ganhar o pão com o suor do rosto são atividades multimilenares, anteriores à invenção do capitalismo por Marx (sim, foi o velho barbudo que inventou tanto o capitalismo quanto a burguesia; antes dele nada disso existia), então ficamos pasmos com esse tipo de preconceito. Como o mundo da honestidade é altamente suspeito, então se entroniza a putaria como modelo de comportamento. Transgredir o tempo todo é a expressão de um país, o Brasil, que não amadureceu quando foi destruído pelas perdas internacionais e pela elite traidora interna. Os torturadores, ditadores, morrem de velhos, depois de continuarem dando as cartas. Por que acontece isso? Porque nos falta coragem, que sobra entre os argentinos.
TURISMO - No cinema, na maioria das obras, somos adolescentes tentando impor nossa sexualidade, a confirmar aquilo que uma senhora muito digna e debochada dizia: os jovens acham que só eles trepam. Vejam alguns exemplos. Cidade Baixa, fica parecendo a celebração da turismo sexual e da prostituição que se quer charmosa. Existem intermináveis cenas de sexo explícito, como a mostrar como se deve trepar. Bem no meio de qualquer cena, as pessoas se pelam e começam a fungar. Outro exemplo é Madame Satã. Foi o Pasquim que destacou o personagem homossexual e lutador da periferia carioca (o que era um tema jornalístico poderoso na época). Hoje, visto no filme, acaba se transformando num modelo de liberdade sexual e de comportamento. Lázaro Ramos, que é um bom ator, fica devendo (mas ele foi tão premiado!, dirão; é verdade; mas é o que eu acho). Não quero perder tempo com baixaria. Sobre obras brasileiras excelentes tenho falado aqui várias vezes. Hoje preciso comentar o cinema argentino.
VOLTAGEM - Vejam que cena erótica. Ricardo Darin se separou e dorme no clube. Lá, encontra colega da diretoria tentado roubar o cofre, pois está desesperada com a falta de dinheiro e o desemprego. Ela pede perdão e os dois saem até a casa dela. Na hora de se despedir, ela o convida para ficar. Ele recusa, e enquanto argumenta começa a beijá-la. Os dois se colocam em pratos limpos: dizem que estão apaixonados por seus ex-parceiros. Feito isso, entram na casa. Não aparece uma bunda pulando, um pêlo púbico, um par de perna escancarado. Nada. Mas existe alta voltagem erótica, fruto da situação desesperada dos dois, que se tocam num momento extremo. Ou seja, o sexo não é gratuito, tem a ver com a mente das pessoas, com sua condição social, com a quadra da vida onde se encontram. O cinema argentino não é como nós, que estamos a toda hora dizendo: vejam mamãe, como somos sexy.
DEBATE - A cena mais importante e sem dúvida, antológica (é talvez a melhor cena do cinema contemporâneo) é a discussão entre os sócios do clube , que vão decidir se vendem para um grupo de investidores que querem fazer dele um cassino. É uma cena longa, em que dois protagonistas argumentam, um a favor da venda, e outro contra. Darin (o cara que é capaz de mostrar emoção suprema sem mover uma linha de rosto, como acontece na cena em que assiste o balé da filha) dá razão ao seu adversário, que acena com empregos para os sócios do clube. Mas pergunta se a razão é suficiente. E arremata: não perdi minha integridade, pois quando as porcarias eletrônicas estragaram e eu fiquei desempregado, vim aqui no clube e permaneci inteiro. E pergunta: que valor (ele se referia ao dinheiro) existe na amizade entre nós?
CHEGA - Esse é o grande valor do admirável cinema argentino, que encerra as principais lições que devemos urgentemente aprender. Chega de coxa e rola pulando em frente às câmaras. Transgressão verdadeira é outra coisa: é resgatar o que perdemos nessa ditadura global que nos escraviza. E não ficar pelado, disponível para o deboche internacional.
RETORNO - Imagem de hoje: Ricardo Darin no filme "O Clube da Lua". Darin está acompanhado por magnífico elenco. Detalhes neste site especializado.
23 de setembro de 2006
O ESCRAVO FAZ O SENHOR
Nei Duclós
Por que existe tanto escravo? Porque a servidão compensa, senão já teria sido erradicada. Compensa porque o escravo terceiriza a responsabilidade de ficar vivo. Deixa nas mãos do senhor a parte mais complicada, a sobrevivência, e assim acha que fica livre para o que realmente interessa. E o que pega no viver? O estar sem compromisso, o alheamento, a síndrome da mosca morta. Ficar a vida olhando pela janela ou coçando o tornozelo na sombra do umbu é o mesmo que ficar horas em frente à TV aberta e achar que a eternidade existe nesta vida. Libertar-se significa, primeiro, aceitar a morte. Depois, manter-se vivo. E finalmente romper com toda a tentação da escravatura que trazemos de milênios de opressão. Tarefa impossível nesta altura do campeonato, em que estamos confinados, numa sociedade toda ela marcada e sem saída.
SÍTIO - Uma pseudo-solução é viajar, escapar no fim-de-semana, segurar um sítio que acaba abandonado, pois estamos acostumados demais ao piso liso, ao banco 24 horas, à farmácia na esquina. Ficar alguns dias no ermo dá a sensação de liberdade, mas sabemos que estamos loucos para voltar e nos submeter aos ditames de sempre. Há outra ilusão, o de ter um negócio próprio, livrar-se do patrão. Mas nessa situação você está escravo dos clientes, fornecedores, governo, colaboradores. E quem está empregado também amarra-se a tudo que é corrente. No fundo há conforto nessa preguiça física e mental de deixar tudo como está. Por isso reeleição é um perigo. Fica assim, pode piorar. Mas pelos últimos acontecimentos, parece que a coisa degringolou e poderá haver segundo turno. Pior para nós, dirão. Teremos de aturar um novo governo, que leva todo o mandato acomodando-se e procurando meios de se perpetuar.
OUTRO - A grande ilusão da nossa geração foi a de ter saído estrada afora, achando que havia um pote de felicidade no fim do arco-íris. Mal sabíamos que o mundo estava pronto, completo e o fim é sempre o começo. Mas mudou realmente, dirão. Mudou nada. Perdemos o que tínhamos e o que adquirimos não vale um vintém. Permaneceu o grande espírito de porco humano, em que o fundamental é negar a existência do Outro, debochar de todo brilho, invejar as conquistas, destruir os planos de vôos. O verniz por cima dessa postura é o politicamente correto, são as campanhas predadoras a favor do meio ambiente, os projetos multimilionários que jogam migalhas nas favelas. Muita gente encontra sentido na proteção aos desvalidos, mas deveria haver direito de arena: no momento em que a equipe de arrumadinhos da TV viessem perguntar se agora os pobres estão felizes com as providências, como novas coleiras para os passeadores de cachorro, deveria ser cobrado um pedágio. Quer explorar a miséria? Pague. Queria ver quantos engravatadinhos fariam link no esgoto, expressando sua vasta produção de pensamento: só para ter uma idéia, não pensou duas vezes, não é para menos, afinal...
LIBERDADE - Onde fica então a liberdade? No espírito humano. Ter o espírito livre, coragem para assumir as idéias e sentimentos, canal para expressar tudo isso, é o mínimo que alguém provido de cidadania poderia fazer. O que pesa é a remuneração: no momento em que decidem te pagar um salário decente, muita convicção vai por água abaixo, pois você precisa se adaptar, assumir contradições, negar o que disse. O grande problema é a ilusão de sermos eternos. Não sabemos lidar com perdas: o sonho não acabou, Raul Seixas não morreu e 1968 continua aí. De minha parte, ainda não engoli 1964. O que os chineses acham da Revolução Francesa? perguntaram para Lin Piao, o líder que depois caiu em desgraça. Estamos analisando, foi a resposta, dada duzentos anos depois dos eventos. Faço o mesmo. O que acho de 1964? Ainda não acordei naquele primeiro de abril. Foi ali que consolidamos nossa condição de escravos.
TEMPO - Volta, Tempo, e me devolve o Brasil adulto e soberano. Volta, que estão rindo desse meu sentimento de perda. Quero de volta as reformas de base, o cruzeiro, Drummond, Vinícius, Guimarães Rosa. Saudade? Nada. Apenas procuro o ponto nodal da nossa decadência. Acho o nó, puxo o fio e por ele se desfazem todas as ilusões e perdas. Sonha, coração exausto.
RETORNO - Imagem de hoje: João Goulart, o presidente deposto em 1964, dando exemplo para a nação (ele está lendo!).
22 de setembro de 2006
UM GIGANTE EM FLORIANÓPOLIS
"Com uma abertura que suspende ao máximo a curiosidade do leitor, antes do vertiginoso mergulho em um universo fantástico, o conto presta-se a uma reflexão sobre o papel cultural de Florianópolis", diz o escritor e jornalista Rodrigo Schwarz na capa do caderno Idéias, de A Notícia, de Joinville. A matéria é sobre meu novo livro, O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento (Editora Cartaz, 150 páginas, R$ 25,00) e tem bela ilustração de Fábio Abreu. Mostra a capa do livro e contém uma entrevista comigo, que reproduzo a seguir. Agradeço ao Rodrigo, romancista de primeira água, e aos editores do jornal, pelo magnífico espaço para este lançamento. O título desta edição do Diário da Fonte é o mesmo título da capa do caderno Idéias.
Nei Duclós apresenta o livro mais recente, uma coletânea de contos e crônicas chamada "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento"
Rodrigo Schwarz
Joinville
Elogiado por nomes como Mário Quintana e Raduan Nassar, o poeta e romancista gaúcho Nei Duclós está lançando a coletânea de contos e crônicas "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento" (R$ 25,00, 150 páginas), pela Editora Cartaz. Abre o livro de Duclós, o sexto de sua carreira iniciada em meados dos anos 70, um conto que narra a lenda de gigantes que teriam habitado Florianópolis, em tempos ancestrais. O escritor redigiu o trabalho em 1983, quando visitou a capital catarinense - cidade na qual viria a fixar residência quase duas décadas depois. Com uma abertura que suspende ao máximo a curiosidade do leitor, antes do vertiginoso mergulho em um universo fantástico, o conto presta-se a uma reflexão sobre o papel cultural de Florianópolis. Outro componente importante da coletânea é o pampa gaúcho, que remete à infância do autor, em Uruguaiana. Duclós, que além da labuta literária é jornalista, tendo passado por veículos como a "Folha de São Paulo" e "Veja", conversou com A Notícia sobre o novo livro, as paisagens que o inspiram e a produção de crônicas e poemas, que ganhou um novo sopro de vida com a internet.
Nei Duclós - Poeta e romancista
A Notícia - No conto "O Refúgio do Príncipe", a lenda sobre os gigantes que habitavam Florianópolis foi criada por você?
Nei Duclós - A lenda que está dentro do conto me foi "soprada" pelo vento, inteira, em alguns dias em frente ao mar. Eu estava em São José, numa casa na praia. Claro que é um trabalho de criação e também de mediunidade. É um mistério, mas nem tanto. Tem a ver com o trabalho diário de escritor, com minhas leituras, meu foco nos poderes da paisagem, que sempre me invocou, principalmente esses vestígios existentes no Brasil, essas pedras arrumadas, gigantescas e sem explicação. Você vê isso em todo o litoral, e também no Piauí, no Paraná, entre outros lugares. Uma das minhas fontes é Jeronymo Monteiro, autor de "A Cidade Perdida", que enxergava as terras brasileiras como as mais antigas, as primeiras que se formaram e por isso são tão estáveis, sem terremotos. Elas teriam abrigado as primeiras civilizações, que deixaram vestígios tão ancestrais que, segundo ele, viraram a própria paisagem. A partir dessa constatação, escrevi o conto. É a presença gigantesca de algo perdido para sempre, que está na nossa frente e só podemos enxergar afastando o olhar para ver melhor. Ou conduzindo a inspiração para o território da lenda.
AN - De que forma a narrativa reflete o papel histórico e cultural de Florianópolis?
Duclós - Aí entra o papel do narrador, o migrante que entra em contato com a Ilha nos anos 70 e 80. Por meio de um habitante estranho que o leva para um transe mediúnico, a lenda se revela. Esse narrador tenta explicar a cidade que vê, especialmente o fato de ser um lugar de muitas promessas, que segundo ele não se cumpriam. Ele nota que há algo misterioso na Ilha, que assombra os habitantes e assusta os migrantes. Procura ver nesse poder que emana da paisagem um fator desestabilizador, apesar de seus encantos, especialmente nas pessoas que se dedicam à arte. Isso tem a ver com minhas reflexões sobre a ilha, onde sobra gente vindo para cá para mergulhar em um trabalho de criação. O conto se presta a várias leituras, e uma delas é que só encarando esse mistério de frente será possível estar à altura do que a cidade propõe. O narrador imagina Florianópolis como um centro cultural, "uma Grécia antiga sem escravos", como ele diz. Para que isso aconteça, é preciso conhecer a maldição do poderoso príncipe, que aqui se deixou encantar e por isso renunciou ao trono a que tinha direito.
AN - "O Refúgio do Príncipe" inicia como um texto de Poe e H.P. Lovecraft, algo um tanto diferenciado de seu romance "Universo Baldio", que retrata de forma realista a ditadura militar no Brasil. há mais obras inédita no estilo de "O Refúgio do Príncipe"?
Duclós - Sim, tenho alguma coisa inédita em livro. Um conto como "O Dragão de Jade", escrito logo depois do tsunami que varreu a Ásia, tenta colocar no poder de um amuleto a explicação para a tragédia. Outro exemplo é "Trolé e o Gafanhoto Mutante", que é um conto de Natal sobre uma viagem louca até o fim da internet. Quando escrevi o "Refúgio" não tinha lido ainda Lovecraft, que é uma referência obrigatória para esse tipo de literatura. E Poe é mestre absoluto, inspiração para todo escritor. Nesse tipo de conto, o fantástico chega sem cerimônia e não há como evitar. Eles diferem bastante de outros contos, mais cruzados com a realidade dura que estamos vivendo hoje.
AN - Por que apenas agora publicou esse conto?
Duclós - Não há explicação lógica. Tentei a primeira vez por meio da Secretaria de Cultura de Florianópolis. O projeto foi aprovado, mas depois não foi adiante. Mais tarde, tentei publicar como brinde de fim de ano de uma empresa de Florianópolis, mas contratempos impediram também a realização desse sonho. Depois, o texto ficou misturado às minhas coisas em São Paulo. Felizmente, meu filho Daniel, que ficou morando lá, resgatou o conto, digitou (estava apenas datilografado) e me enviou. Esse foi o início do resgate. Sorte que a Editora Empreendedor resolveu criar o selo de literatura Cartaz (o mesmo nome da revista cultural da editora), inaugurado exatamente com este livro, em que o conto é integrado a uma seleta de crônicas que escrevi nos últimos três anos. Os textos fazem parte do mesmo livro porque são histórias, em forma de contos e crônicas, que refletem a viagem literária desse narrador que aos poucos se adapta à paisagem que o assombrou e no fim faz o resgate das raízes.
AN - Como atesta a obra, Florianópolis e Uruguaiana são marcantes para a sua literatura. São Paulo, onde morou tanto tempo, também deixou marcas significantes nas suas obras?
Duclós - Sim, deixou. Minha literatura está muito impregnada da minha vivência cosmopolita em São Paulo. No fundo, São Paulo me permite fazer um distanciamento das outras cidades, para as quais acabo retornando. Essa perspectiva é altamente fecunda e inspiradora. Meu romance "Universo Baldio" é ambientado em parte em São Paulo. Meus livros de poemas "No Meio da Rua" e "No Mar, Veremos", também têm muito da capital paulista. O pampa e o mar são estuários para onde deságuam as palavras que passaram pela dura experiência da megalópole. São Paulo é o desafio de uma vida árdua, mas também, a seu modo, gratificante.
AN - Onde podem ser lidos os seus textos?
Duclós - Escrevo diariamente. Publico tanto no meu blog (www.outubro.blogspot.com), quanto no site (www.consciencia.org/neiduclos) e também crônicas para a mídia impressa, como acontece com o "Diário Catarinense", e para outros sites, como o "Comunique-se", a revista literária virtual "Cronopios", além de colaborações em sites estrangeiros como o "La Insignia", de Madri e o "Sagarana", de Lucca, na Itália. Fiquei muito tempo calado. A internet é a oportunidade de um escritor se manifestar sobre tudo. Meu blog é pioneiro, é de 2002 e o "Diário da Fonte", que é um jornal dentro da ferramenta blog, aborda de tudo: cultura, política, humor, literatura etc... O hábito de escrever crônica todos os dias tem sido gratificante e este livro é o primeiro resultado de uma série que pretendo ainda publicar. Na gaveta, tenho um livro de ensaios literários, de crônicas sobre o cinema, um novo livro de poemas e também um novo livro de contos.
RETORNO - Imagem de hoje: o mistério das pedras da Ilha.
21 de setembro de 2006
OPOSIÇÃO DENTRO DO IMPÉRIO
O escritor, jornalista e Mestre Moacir Japiassu colocou versos do meu poema Outubro como epígrafe da sua coluna de hoje no Comunique-se. E fez a seguinte nota: " Refúgio do poeta - Leia no Blogstraquis a íntegra do poema de Nei Duclós que encima esta coluna. O poeta, que também é Mestre da prosa, acaba de lançar, pela Editora Empreendedor, o best-seller O Refúgio do Príncipe -- Histórias Sopradas Pelo Vento. Janistraquis lê e, encantado, esquece-se até de trabalhar". Tomara que a generosidade do Mestre e a leitura atenta de seu secretário confirmem mesmo a possibilidade de o livro ser um best-seller. A seguir, o post de hoje.
Nei Duclós
Mesmo um crime perfeito deixa pistas e sobre elas se debruçam alguns criadores do cinema. V de Vingança, baseada na graphic novel de Alan Moore, que se referia ao governo Tatcher, foi adaptada ao século 21, engrossando o caldo dos que acham ser o 11 de setembro de 2001 uma armação do Império para conseguir o que queria. O filme diz isso de maneira indireta, trocando atentados e protagonistas, mas o recado está na cara: a atual ditadura mundial foi viabilizada pelo medo implantado a partir do terror. V, o personagem do filme, é um terrorista vingativo, mas de bons propósitos. É tão anglo-saxão que o filme cumpre a escrita e bate pesado na Igreja Católica, o que já é lugar comum no cinema gringo. É de se perguntar para que e para quem serve este tipo de oposição dentro do Império, que passa ao largo das teses da esquerda e procura uma denúncia dentro dos moldes do superespetáculo: clara, indireta, inócua?
MANIPULAÇÃO - Depois que Michael Moore também disse com quase todas as letras que havia algo de podre no 11 de setembro, insinuando que Bush estava amarrado aos sauditas e à família Bin Laden, e tudo o que ele falou foi inútil pois Bush se reelegeu, nos perguntamos se o cinema hollywoodiano teria cacife para remar contra a corrente e peitar o cerco que se fecha sobre a arte. A inspiração na graphic novel, que é uma peça de resistência à idiotização dos comics e que desmascara os limites entre arte e cultura de massa, não é uma coincidência. Faz parte dessa briga surda de artistas que procuram manter sua integridade, mas não querem ou não sabem trair os princípios do grande comércio instaurado no cinema. Os irmãos Wachoswki, responsáveis pela produção e o roteiro de V, são os mesmos de Matrix: o recado é que toda a mídia (o filme bate pesado na televisão e seus noticiários e comentaristas) está voltada para a manipulação. Não há liberdade, mas denunciar isso na forma de um filme como V é a saída?
PESADELO - Costa-Gravas tenta fazer sua parte com O Corte, que é um exagero sobre a atual concorrência excludente do mundo competitivo: um desempregado sai matando seus concorrentes para conseguir uma vaga. Como V, o filme de Costa-Gravas (que nos deu o magnifgico Missing, sobre o golpe do Chile de 1973, o outro 11 de setembro) é hiper realista. Apesar dos bairros certinhos, das casinhas arrumadas, dos automóveis do ano, há algo sinistro em tudo o que os personagens fazem, e a história em geral não nenhuma verossimilhança. Foge-se do real, que escapou também da realidade. Se a realidade é uma fantasmagoria, como quer Matrix, nada melhor do que denunciar isso por meio do exagero. Tudo em V usa o real e o transforma em pesadelo. Tudo em O Corte usa o pesadelo para denunciar a realidade. Costa-Gravas consegue um happy end do avesso, pois o pretendente consegue o emprego que queria. E V também consegue seu intento: promover uma revolução explodindo o Parlamento britânico e convocando a massa para a insurreição (mas isso tem um preço).
NATALIE - Em V, vemos novamente essa estupenda atriz que é a israelense Natalie Portman, que nos deslumbrou já no seu primeiro filme, O profissional, quando tinha apenas 13 anos. Depois, foi indicado a um Oscar por seu papel em Closer. Ocupou um espaço regular em Star Warz, que queria apenas sua estampa e não seu enorme talento e agora nos brinda com uma performance arrasadora em V. Natalie Portman é uma estrela maior na atual galeria de grandes atrizes.
RETORNO - Dados sobre os filmes citados: gosto do site adorocinema, que traz boas fotos e uma sinopse completa. Nos meus posts, apresento créditos, quando apresento, de maneira superselecionada. Para economizar olho do leitor, que dispõe de todos os recursos para ir atrás da informação que lhe interessar.
20 de setembro de 2006
ESSA BANDEIRA FARRAPA
Nei Duclós
Vinte de setembro é a data maior da gauchada, que desfila garbosa pelas avenidas e se reúne mais uma vez em torno do churrasco e do chimarrão. É também data de balanços e implicâncias, pois o tom laudatório do tradicionalismo incomoda a intelectualidade e isso, longe de ser um transtorno, é mais uma prenda riograndense, pois a polêmica, o debate, a contrariedade fazem parte do perfil dos habitantes sulistas. Eu balanço pelos dois lados. Gosto de tudo do Rio Grande do Sul, menos do inverno excessivo e ao mesmo tempo escuto e leio as críticas que se fazem à civilização dos pampas. Texto de Mario Maestri no La Insígnia resgata estudo dos anos 60 sobre latifúndios, peões e capatazes e coloca mais lenha nessa fogueira de discussões sobre o ethos de bombacha. Faço parte das duas bandas, como lenços brancos e maragatos trançados no mesmo nó e bato em todo o excesso: não precisa chorar para declamar um verso gaúcho, como fazem atualmente (povo guerreiro chora?), nem precisa chamar de traidor quem aponta as contradições e os problemas de tanto tradicionalismo.
BEDUINOS - Implico com o ctgismo pelo que ele tem de padronizante. Esses vestidos de chita hegemônicos, essas botas sanfonadas, esse bombachismo, esses barbicachos. Gosto da diversidade gaúcha que não perde a identidade. Um dia fui num restaurante típico em Porto Alegre que não tinha churrasco, só comida de panela de ferro: guizados, ensopados e outras iguarias. Mas o show da casa era o de sempre: aqueles excessos com as boleadeiras (sempre acho que aquilo vai pegar em alguém, talvez no dançarino) e piadas de galpão por parte de um engraçadinho metido a grosso. Meu calçado preferido pampeiro são as alpargatas Roda, que herdamos dos árabes, entre tantas outras coisas trazidas do Oriente, como nos lembra Manoelito de Ornellas com seu clássico Gaúchos e Beduínos. Gosto da sofisticada civilização urbana do Rio Grande, bem brasileira e não tão platina como querem os adversários. E de lembrar como éramos citatinos nos anos 50 com nossos cabelos engomados, vendo filmes de todas as nações, andando em carros magníficos, daqueles que tinham estribo para entrar e eram tão confortáveis que poderíamos morar neles. E gosto de brandir as memórias de João Neves da Fontoura que resgata o início do século 20 em Porto Alegre, que era a glória de uma civilização.
GALPÃO - Mas não existe espaço mais democrático do que o galpão, com seu cheiro de fumaça, lenha e chimarrão. É um lugar limpo, agradável, soberano. O galpão funciona em roda, ou seja, não há hierarquias inúteis, a não ser a do capataz, que ali se iguala aos outros, e a dos narradores, os que fazem até do silêncio motivo da máxima atenção. Os habitantes do pampa são gentis e democráticos, mas também super debochados logo que conseguem alguma intimidade. São exímios cavaleiros e carneadores e possuem aquela franqueza encantadora das almas que vivem em campo aberto. Não sei como estão hoje, passadas tantas décadas que não visito uma fazenda, um bolicho, um barraco na beira do arroio. Mas imagino o entusiasmo de Dom Pedro II, perdido numa tempestade, longe das carroças de mantimentos, que foi acolhido por uma senhora muito velha e dela provou uma galinha a molho pardo irresistível. Quando a comitiva chegou, de olhos esbugalhados no dia seguinte (tinham perdido o Imperador!) viram os dois anciãos às gargalhadas se contando causos.
VIVA!- Essa história está na "Viagem ao Rio Grande do Sul", do Conde D´Eu, que descreve o caminho percorrido até Uruguaiana, onde retomaram a cidade para os aliados. Da civilizaçção gaúcha sai todo tipo de livro e é neles que mergulhamos com alegria para conhecer melhor o nosso Continente de São Pedro. Longa vida à nação riograndense, brasileira de berço e de coração, que nos engrandece e jamais perde o prumo. Viva o 20 de setembro!
RETORNO - 1. Imagem de hoje: obra de Felipe Constant, que está atualmente em exposição coletiva importante em Porto Alegre, inaugurada ontem, 19 e que vai até o próximo dia 30. Fica no Átrio do Bourbon Shopping Country (terceiro piso). 2. Agradeço ao Geraldo Hasse, que me corrigiu: "Gaúchos e Beduínos" é de Manoelito de Ornellas e não de Moisés Vellinho, como tinha colocado. É o que dá ficar longe da minha biblioteca em Sampa, mas não será por muito tempo. Geraldo é um cavalheiro. Segue à risca a máxima "o elogio é público, a crítica é privada". Enviou um e-mail revelador, que recolocou o crédito no lugar. Dá-lhe, Rio Grande.
19 de setembro de 2006
A BIBLIOTECA SUBMERSA
Nei Duclós
Fui novamente conversar com Sinistrus Joe, pois o tema das eleições estava me pinicando a mente. Quando as contradições engarrafam na saída para a longa avenida dos textos, costumo pedir ajuda para o Sábio do Puxadinho na Pedra, como que mora num casebre grudado em grande menir numa praia escondida aqui da ilha. Encontrei-o lendo um livro velho, com as folhas caindo na areia, que ele segurava com força nas duas mãos, enquanto os olhos fixavam a página com o fuzil azul de sua atenção. Quando ouviu meus passos, lentamente levantou a cabeça, despregando o olhar da sua leitura. Pensava enquanto me via. Essa era a maneira de ignorar minha presença, imaginava eu. Mas ele estava atento. Como sempre, puxei conversa, depois de sentar ao seu lado, abençoado pelo grande mar que nos fazia companhia.
- Você vota, Joe?
- Deixei de votar em 1985, quando empossaram o Sarney. Já tinham assassinado o voto. Mas aquilo foi deboche.
- Parece que o Dr. Nulo vai vencer agora em outubro.
Sinistrus não gosta de personagens. Implica com gente inventada. Acha que estão se referindo a ele. Vi que estava contrariado com minha observação, me olhando fixo.
- Vai ver ninguém anula o voto na eleição, disse ele, só para me contrariar. Talvez o Lula vença mesmo de lavada.
- Mas isso é uma tragédia.
- O povo é escaldado. Passou o tempo todo na mão dos bandidos. Se chega um cara com o jeitão do interior, fica mais confortável. Mesmo que o ataquem de tudo que é jeito. E o eleitor já se acostumou ao Lula. Para que arriscar?
- Isso tem me invocado, Joe. Contra todas as evidências, as pessoas vão insistir nesse voto.
- Eleição não tem importância, seu escritor. O que pega é a sobrevivência. É o estômago, a paz de acordar todo dia e tomar um café. Por falar nisso, já tomou café hoje?
- Já, mas posso te acompanhar em mais um.
Fomos então para o birosca mais próxima, que servia horrendo café frio feito de saco marrom de tanto uso. Continuamos a conversa numa das mesinhas fincadas na praia. Joe não desgrudava de seu livro.
- O que está lendo, Joe?
- Um manualzinho sobre a restauração da monarquia da França depois da queda de Napoleão. Mas é uma droga. Foi um espanhol que traduziu para o português. Fica incompreensível. E ainda tem todo esse veneno ideológico de burguesia contra mundo feudal. É intragável essa porcaria.
Achei que estava se referindo ao livro, mas era ao café.
- Gosto de ler o que todo mundo joga fora, disse ele.
- Onde você consegue esses livros, Joe?
- Na biblioteca que tem aqui perto.
Biblioteca? Na praia? Fiquei com cara de desconfiado, de sonso, e Joe percebeu.
- Vamos até lá, então, sabichão. Vou te mostrar.
Por trás da duna, chegamos a um vasto casarão que parecia abandonado e que se derramava pelo mar adentro.
- A biblioteca fica ali, disse ele, apontando o casarão. É uma construção antiga, que está sendo engolida pela maré cada vez mais alta. Um dia tudo isso vai voltar ao ser o que sempre foi, o fundo do oceano.
Entramos e vi que o chão era de terra batida. Um senhor preto de barbas brancas ficava atrás de uma escrivaninha velhíssima, que se sustentava por alguns paus colocados de viés. Nos pés do móvel, livros empilhados faziam a altura adequada ao bibliotecário.
- Este é Jack, o Marujo, disse Joe. Jack, diga bom dia para o escritor.
O velho nem me olhou. Achei que não enxergava. A convite de Joe, que fez sinal para eu acompanhá-lo e esquecer o porteiro, desci por um imenso corredor atulhado de livros que iam até o teto sem forro. Inúmeras estantes se acotovelavam e iam mergulhando aos poucos. Os volumes da ponta ficavam entregues aos peixes. Muita coisa já estava submersa. Vi um Os Sertões só com a metade para fora, o resto já estava sendo tragado.
- Mas isso é um escândalo, Joe. Uma biblioteca desse tamanho, deve ter aqui mais de dez mil livros e eles estão estragando na água. Como você deixa isso?
- O que quer que eu faça? Apenas abasteço isto aqui, não sou pedreiro e ninguém faz nada hoje por amor. Eu apenas vou recolhendo os livros que vejo no lixo.
- Livros no lixo?
- Aos montes, é o que mais tem. As pessoas se desencantam com os livros, se livram deles. Acho que ficam furiosos porque não conseguem ler o que compram. Ou lêem e acham uma porcaria. Ou lêem e ficam humilhados com a própria ignorância. Desistem. Então deixam no meio da rua, como se fossem bebês abandonados. Eu vou recolhendo e trazendo para cá. Um dia encontrei um saco cheio de cópias espiraladas, feitas de xerox. Eram teses acadêmicas de História. Coisa fina, recente. Nenhuma tinha sido publicada.
Diante do meu espanto, ele continuou, indiferente:
- Os brasileiros produzem de tudo, mas as coisas não emergem para o debate. Fica essa montanha de saber amontoado, desperdiçado. O que pega é dizer que nós não lemos nem temos memória. As pessoas acabam acreditando. Na superfície, escolhem alguns eleitos para serem os papas e assim vão indo por gerações. Normalmente são pais que passam o espólio para os filhos. Aqui no Brasil herda-se a cátedra ou o lugar dos sabe-tudo. Enquanto isso, você vê historiador pedindo esmola ou então vendendo cachorro quente.
Um vento bateu forte e toda a casarona começou a ringir. Livros despencavam: Marx, Engels, Max Weber, Max Heindel. Logo adiante Graciliano, Rosa, Vinicius, Drummond, Nava. Mais além, memórias de Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Neves da Fontoura. Tinha até Tesouro da Juventude, de capa dura vermelha (já desbotada) e o Monteiro Lobato inteirinho de capa verde. Quando vi A Chave do Tamanho no chão de terra, sendo pisoteado por um cachorro vadio que estava por ali, não agüentei mais e saí.
Precisava respirar um pouco de ar puro. O cheiro de mofo de livro velho me fazia espirrar. Não demorou muito e estava jogando para fora toda minha alergia a bibliotecas abandonadas. Para a euforia de Joe, que ria sem parar.
- O escritor tem alergia a livro velho! Essa é boa. E eu que pensava em doar para você todo esse acervo.
- Pode ficar, Joe, pode ficar.
E fui me embora, cheio de dúvidas sobre as eleições e assombrado pela Biblioteca Submersa de Jack, o Marujo.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: foto de Regina Agrella. 2. O blog, cada vez melhor, de Bebeto Alves, revela magnífica pesquisa sobre biodiversidade no pampa. Fotos maravilhosas e textos dos pesquisadores, Nilza e Ricardo Duarte. O projeto, franqueado à comunidade, chama-se Bioma Pampa-Projeto Agrobiodiversidade. É fundamental uma visita ao blog para conhecer esse trabalho maravilhoso feito numa região que atualmente está sob a mira da indústria do chamado reflorestamento, que nada mais é do que uma fábrica de desertos.
18 de setembro de 2006
AQUELES PROFESSORES
O escritor e jornalista Sergio da Costa Ramos, uma das instituições da crônica brasileira e pessoa muito querida aqui em Florianópolis, voltou hoje a ocupar o seu espaço no caderno Variedades, do Diário Catarinense. Generoso, deixou o seguinte recado: P.S: Como leitor em férias, acompanhei, com renovado prazer, a prosa sempre arguta e surpreendente - como um enredo de Hitchcock - que se alinhava diariamente neste espaço. Crônicas sopradas pelo vento criativo de Nei Duclós, poeta, contista e prosador poderoso. A ele, meu abraço e meu "muito obrigado". Agradeço ao Sergio pela citação e pela honra de escrever em sua coluna. A seguir, minha crônica de hoje, seguindo o pique a que já me acostumei aqui no Diário da Fonte.
Nei Duclós
A dispersão geográfica e a pesada carga horária do ofício já estão incorporadas na imagem que fazemos dos professores. Dar aula em vários lugares, para turmas de todos os tipos, e muitas vezes em matérias diferentes, para que tudo isso componha um salário, é uma espécie de servidão excessiva para uma atividade que não se circunscreve apenas ao ensino, mas à memória, nem ao conhecimento, mas ao caráter, nem à escola, mas à nação.
Ganhar razoavelmente para se dedicar a um grupo menor de alunos, numa escola só, é coisa do passado. Na minha casa, tivemos a sorte de ter uma professora o tempo todo, pois a mãe exercera o magistério por um tempo até migrar para o serviço público da Saúde, onde ficou até se aposentar. Não perdia o jeito porque gerou sete filhos a quem lecionou todas as tardes, e não apenas quem era da família, mas os vizinhos, os amigos e até mesmo aqueles estudantes trazidos pelo braço por mães desesperadas. Ser reprovado, naquela época, era para valer. Não se passava por decreto. E bastava rodar numa só matéria para repetir todas as outras. Poderia ser num exame oral: bastava um contratempo para que o ano se perdesse miseravelmente. E no caso de reincidência, perdia-se a vaga na escola, porque muita gente estava na fila, na época em que colégio público era sinônimo de qualidade.
Também uma tia minha, irmã da minha mãe, lecionava, mas profissionalmente, em escola do subúrbio. Uma de suas histórias mais impressionantes era de um aluno muito problemático que um belo dia estava muito quieto. A certa altura, ele suspirou: "Hoje estou feliz por causa que eu comi". Ambas tinham vindo da escola rígida da palmatória, da tabuada cantada em voz alta por toda a classe, da caligrafia impecável. O clima de estudo era reforçado pelo grande colégio em frente à minha casa, dos irmãos Maristas, onde havia dedicação exclusiva ao magistério, quando as vocações colocavam à nossa disposição verdadeiros catedráticos.
Um professor de História que jogava futebol conosco era muito sério em aula. Hoje, o Irmão Arno está com 80 anos e é diretor do colégio onde estudei. Foi homenageado esses dias, segundo me informou o escritor e amigo Fernando Pereira da Silva, que leu belo texto seu destacando a importância do nosso mestre. Um professor de física era considerado gênio: o irmão Guido, capaz de fazer uma circunferência perfeita no quadro negro sem a assistência do compasso gigante. Seu truque era fazer o cotovelo como centro do círculo. Mas ele não era considerado por essa qualidade, mas sim porque era capaz de montar uma estação de rádio na sua sala de estudos. Preparava suas turmas com esmero, ensinando os fundamentos da física com seu cabelo despenteado e seu jeito de inventor. O professor de francês fazia gincanas de vocabulários, com prêmios (pontos extras nas provas) para quem fosse capaz de lembrar o maior número de palavras na língua estudada.
Perto da minha casa, moravam mais duas professoras. Uma delas veio me ver esses dias, quando lancei um livro de contos e crônicas. Olhe bem para minha cara, disse ela, e vê se me reconheces. Professora Elsa! exclamei e ela se desmanchou, pois a tinha reconhecido. Era professora particular e fazia parte daqueles quadros preparados, que viviam dignamente, sem precisar se desbaratar por mil endereços. Não que não houvesse escassez, sacrifício. Mas nossos professores faziam parte de uma categoria eleita como prioritária, e isso era uma exigência da sociedade.
Um professor é o penhasco à beira mar para quem navega na costa sinuosa do aprendizado: serve de parâmetro e deslumbramento. É a postura, o lugar que ocupa, o jeito que nos recebe em sua majestade que formatam a idéia que temos dessa profissão que nos carrega vida afora. Eternos estudantes, todo nosso esforço é orientado, mesmo depois que conseguimos todos os diplomas, pelo que ouvimos e estudamos nesse período de formação.
RETORNO - Imagem de hoje: os pórticos, a Igreja do Carmo e todo o horizonte de Uruguaiana, a capital da América Pampeana, vista da ponte. Foto de Anderson Petroceli.
17 de setembro de 2006
MEDICINA CIRCULAR
Nei Duclós
A gripe cruza o umbral das duas semanas e volto ao médico. Ele se decide pelo antibiótico, pois não gostou do recado do estetoscópio. Tomo um comprimido por dia durante uma semana. A gripe finge que se retira, mas surge um problema dermatológico. Isso é comum quando se toma antibiótico, que baixa a resistência do organismo, me confidencia outro médico. Ele me receita poderoso remédio que deve ser ingerido de três em três dias. Á primeira cápsula me destrói o estômago. Leio a bula e diz que o troço pode provocar casos hepáticos fatais. Decido esperar para ver se o efeito vale a pena, apesar do risco.
Nas farmácias, me armo de paciência. Compre o genérico, me dizem, é mais barato. Ou: só temos o genérico, é a mesma coisa. Experimentado em fórmulas no lugar de produtos, em que muitos resultados foram pífios, prefiro não arriscar. Digo minha escolha para o atendente. Ele não acredita. Olha o cara, podendo levar o mais barato, prefere gastar. Conto o troco. Ficarei liso depois de sair do estabelecimento.
Não acredito em medicina, acredito em médicos, cada vez mais raros. Depois dos 50 anos, prepare-se. Você será xingado por ter ido tão longe. Oftalmologista acha um desaforo se você mantém ainda o foco. Todo seu corpo está errado. É preciso virar um atleta. Corra, ande, se exercite. Diminua a sal, faça dieta balanceada, exagere nas frutas e legumes. Frituras e doces, jamais. Consuma a vida crua, que ela retornará em bem estar. Cuide da postura, da aparência. Não pareça...velho.
É sempre um mistério. Você vê os outros, onde de perto todo mundo é normal. Mas não se enxerga. Disso cuidam os semelhantes. Seu cabelo está crescido demais, suas costas estão curvadas, sua pele precisa de tratamento. Lembro da juventude. O corpo estava também totalmente errado. Era magreza excessiva, falta de cálcio, o cabelo então nem se fala. O corpo humano é um acinte para uma cultura fundada nos comerciais. Pobres criaturas inventadas pelo tratamento da imagem são chamadas de poderosas. Os corpos perfeitos cercam a precariedade humana por todo lado. Esse é o paciente ideal da medicina circular: alguém que não precise de médicos, pois está dentro da lei e da ordem mundiais.
É como o crédito. Banco adora emprestar para rico. Quem precisa acaba ficando sem acesso ao dinheiro. A saída foi ceder dois vinténs para passeador de cachorro, que, está provado, é exemplo de bom pagador. A população abaixo do subemprego é assim: faz de cem reais o início de um império. No fundo, a ciranda financeira é o único negócio. As lojas viraram unidades arrecadadoras de prestações. Você deixa a merreca lá e vai retirando móveis ou roupas descartáveis. É como pagar aluguel. Imagine a quantidade de camisas que você já usou. É sempre a mesma camisa, que você vai pagando ao longo da vida. Nesses usos, não há leasing, a possibilidade de pagar tudo em troca da posse definitiva. Quando você adquire enfim o produto, está na hora de trocá-lo.
E se você se recusar a fazer o jogo, há muita gente querendo entrar. Ninguém faz falta na sociedade circular. Não há mais espaço para um poeta consumidor de uísque, como Vinícius de Moraes, ou um obeso memorialista genial como Pedro Nava. Ler hoje está relacionado com fazer exercício. Se você cruza um romance, é como numa maratona. Se lança um livro, deve ter o aspecto triunfante de um praticante de triatlo. Pule na água, pedale cem quilômetros, cruze o canal da Mancha nadando e pronto, já podes dar um autógrafo.
Mas isso são coisas que não se devem dizer. As pessoas ficam ofendidas com análises assim. Acham que você está errado por achar que tudo tem esse aspecto sinistro de circo pós-moderno, em que os animais foram substituídos pelos seres humanos irados e em pânico. É preciso desfrutar a vida como ela é. Deixe essa lição: você passou 60 anos achando tudo bom, comeu brócolis com acelga a maior parte do tempo, correu como um desesperado pelas avenidas lisas e brilhantes do mundo publicitário, doou sangue e contribuiu para todas as campanhas corretas. Pode então morrer em paz, junto com seus documentos. Não faça como uns e outros, que vivem reclamando. E não esqueça de fazer sinal de positivo antes de fechar a tampa.
RETORNO - Imagem de hoje: o pampa, que a tudo cura. Foto de Anderson Petroceli.
16 de setembro de 2006
O GATILHO DO TEXTO
Nei Duclós
Esta é a rua Bento Martins, em Uruguaiana, onde me criei. A casa amarela à esquerda, de esquina, é onde vivi por mais de dez anos, os principais da minha vida. Graças a Anderson Petroceli, fotógrafo maior da fronteira, posso mostrar esse pedaço da infância e adolescência, que ainda está lá, pulsando. À direita, o monumental Colégio Santana, minha verdadeira universidade. No lugar do edifício, havia a casa dos Mena Barreto, um telhado coroado por um coqueiro, que ornamentava a inesquecível paisagem. Será que o coqueiro da foto é o mesmo daquele tempo? Naquela casa, escrevi os primeiros poemas e textos. A seguir, a crônica de hoje no Diário Catarinense, que encerra minha interinidade no caderno Variedades, na coluna do jornalista e escritor Sergio da Costa Ramos.
Quem acampou na chuva, e possui apenas um fósforo e está só, no ermo; ou quem tenta tirar faísca de madeira verde, e não consegue fazer uma pequena chama (nem sequer uma labareda), sabe o deslumbramento que é um raio depois de horas de nuvens carregadas. Como a natureza pode fazer corisco apenas com água suspensa?
Se houve alguém que um dia tentou chegar na primeira chispa, deve ter desistido muitas vezes, depois de uma vida vendo o fogo surgir quando menos esperava, ou ficando longe do incêndio quando mais queria. Ele sentou-se numa pedra numa tarde em que se prenunciava a tempestade e notou o susto de uma veia saltada de néon no azulão escuro do céu. Só um milagre poderia ensinar alguma coisa sobre esse mistério. Assim também acontece no texto.
Acumular histórias, informações, falas, não faz nenhum milagre. O que pega é o gatilho do texto, a faísca que bota fogo na montanha de coisas que juntamos, o grude que garante a massa, quando tudo finalmente faz sentido. Comparo o resultado dessa faísca que gera vida com um esqueleto imantado. É a espinha dorsal da narrativa, que deve ser sólida pela concepção, pela idéia que a sustenta. Os outros elementos são coadjuvantes, grudam nele naturalmente como atraídos por um imã. É a informação, o detalhe, o dado, a declaração.
O esqueleto imantado é a narrativa que atrai com prazer a inocência das frases soltas e faz delas parte de si. O encantamento provocado por um texto ou uma história vem dessa junção de criaturas dispersas, que acabam formando algo único.
É importante termos essa arquitetura bem clara na mente para evitar que intervenções secundárias ocupem o seu lugar. No descampado, ao redor da fogueira, só os grandes narradores sabem manter acesa essa força que por sua vez atrai olhares e atenções. É a mágica do narrador vocacionado.
Vi uma reportagem na TV sobre pescadores do nordeste. O personagem entrevistado, velho pescador de Fortaleza, falava em vento misturado, do nordeste e sul ao mesmo tempo, e era debochado constantemente pelo repórter. Foi a fagulha que faltava para a história que eu guardava num canto. Descobri naquele instante que a mudança contínua era o universo de quem estava sempre dependendo das águas para viver, e quem não participava daquele mundo não conseguia entender esse redemoinho. Fiquei meses com uma narrativa em potencial, querendo sair. Mas foi aquele clarão que juntou as peças dispersas.
O talento dorme dentro de nós como Deus na barca. Lá fora, a tempestade. Entramos em pânico, vamos afundar. Despertamos então aquele que nem toma conhecimento do nosso susto. Ele se levanta, se equilibra na precária superfície e faz um gesto. As nuvens se dissipam e ressurge o dia. Ele então pergunta por nossa fé. Onde estava a fé quando a barra pesou? Essa pequena e deslumbrante explicação de Alan Kardec para um trecho do Evangelho serve para nos revelar o segredo. Acredite que vai conseguir. Carregue-se. De repente, o céu se ilumina com um clarão. É tua alma que implodiu diante do sagrado. Você atingiu a forja dos deuses.
RETORNO - Há ainda um texto como interino, sobre Hitchcock, no caderno Donna DC deste fim de semana. No próximo domingo, voltarei às minhas crônicas mensais no meu espaço próprio no Donna.
15 de setembro de 2006
ETERNO PRESENTE
Nei Duclós
Quer que eu "levo"? Perguntou a passageira para quem estava de pé carregando um pacote. O fim do subjuntivo coincide com a eliminação de conjugações inteiras, como acontece também com o mais-que-perfeito e o condicional. Não há mais nada a conjugar, já que vivemos no eterno presente. Não se trata de preguiça mental ou de sentimento de exclusão, como querem os pensamentos tradicionais à direita e à esquerda. Mas do foco escolhido pela civilização para onde fomos empurrados, que é uma espécie de O Feitiço do Tempo (o cult de 1993 de Harold Ramis, com Bill Murray) em escala planetária. Nesse filme, o protagonista não consegue se desvencilhar de determinado dia e praticamente enlouquece tentando chegar na manhã seguinte.
Quando não há amanhã, o agora substitui toda espécie de vivência. Isso é incentivado pela literatura de auto-ajuda, religiosa e corporativa. Como a mulher de Lot, você está proibido de olhar para o passado sob pena de se imobilizar para sempre no gesto catatônico que fez sua ruína. Quando a educação é substituída pelo sistema mal assimilado dos Estados Unidos, em que o pragmatismo vence a formação humanista (expulsão do inglês, francês e latim obrigatórios no ginásio, que também sumiu), e o rigor do ensino é vencido pelo falso protecionismo, então temos essa preciosidade confundida com linguagem popular que é o já clássico "nós vai".
O que chamam de povo é apenas uma projeção das limitações dos que deveriam representá-lo sem preconceitos. Por achar que o povo não merece nada mais do que frenéticos sacudir de quadris em horário nobre (de manhã à noite) a produção audiovisual se escuda no lugar comum de que "é disso que o povo gosta". Quando lembramos Paulinho da Viola ou Baden Powell, que vieram de classes sociais abaixo do que se considera nobre, sabemos que essa argumentação tem algo de errado. A verdade é que se impôs uma imagem equivocada de povo, que exclui a possibilidade de uma redenção por meio da educação e das oportunidades.
A catástrofe é que se espalhou por todo tecido social essa idéia equivocada de um povo ágrafo e sem condições mínimas de consumir ou produzir qualquer cultura mais sofisticada, como a conjugação de todos os tempos de verbos em todas as pessoas existentes. A gíria, que tinha graça quando era transgressão e fonte de novas palavras, acaba sendo estimulada por essa necessidade de agradar o povo e virando uma pandemia da linguagem. Parece que existe uma obrigação de todo mundo estar ligado e ser chamado de cara. Quando não há o parâmetro da língua culta, não há também a noção de vanguarda ou avanço.
O que invoca nesse pesadelo da linguagem é que os gestos acompanham a postura folgada das expressões. É preciso se defender dos cotovelos, por exemplo, que freneticamente pontuam as relações verbais em ambientes cada vez mais apertados, como nos coletivos. Se você está sentado, e ao seu lado uma dupla se esmera em contar alguma coisa em monólogos concomitantes (já que não existe mais diálogo), cuidado com os cotovelos pontiagudos. Eles podem abater seu rosto numa curva da frase, se é que podemos chamar de frases os arranques de muitas interjeições recorrentes. Quer que eu "saio?" deveria ser a pergunta básica para esse tipo de ameaça.
RETORNO - 1. Na foto do lançamento do meu novo livro, "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento", a companhia gratificante de Luís, leitor diário deste jornal virtual. Luís tem residência no Exterior e está no Brasil terminando seu trabalho de pós-graduação. Fomos apresentados no lançamento do romance "A Ilha dos Cães", de Rodrigo Schwarz. Luís representa neste post todos os amigos que me prestigiam com a leitura. 2. Esta crônica foi publicada hoje no caderno Variedades, do Diário Catarinense.
14 de setembro de 2006
LÁ NO FUNDO
Nei Duclós
Meu novo livro, "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento" (Editora Cartaz, 150 pgs., R$25,00), está chegando às redações. Ele é uma seleta da minha literatura em texto curto e se insere no meu trabalho de escritor, que vai do ensaio à poesia, do conto à crônica, do romance à memória. Faz parte de uma obra que está em sua maior parte na internet, mas já conta com cinco volumes impressos, de 1975 a 2006. Estou gratificado com mais este lançamento e aguardo a manifestação dos contemporâneos, para os quais tenho dedicado as palavras que escolho todos os dias, vocação que me mantém vivo culturalmente. A seguir, a crônica de hoje, publicada no caderno Variedades do Diário Catarinense.
O último assento é escolhido por uma questão de estratégia. De lá é possível ter visão completa do recinto, seja sala de aula ou ônibus. É possível monitorar o movimento de todos, que estão de costas, portanto não enxergam o que se passa atrás. É uma espécie de anonimato que dá uma série de vantagens, como atingir nucas com projéteis variados, saber o que fazem quando acham que ninguém está olhando e até dormir sem que desconfiem de nada.
Quem senta na frente está ansioso para se mostrar à autoridade, quem fica atrás já desistiu de ser visto, ou nunca quis virar alvo de observação alheia. Há uma linhagem de maus alunos que sentam no fundo, ou então de falsários que fingem prestar muita atenção instalados no último assento, o que lhe dá um ar de compenetração de quem não está escutando absolutamente nada. Há bruscos arrastar de cadeiras lá atrás, gritos espasmódicos de alguém que foi atingido e não pode entregar os pontos, sob pena de ser visto como um traidor.
Os últimos lugares formam um pacto de resistência. É uma espécie de gang que compartilha o que era antes traquinagens e hoje é sabe-se lá o quê. Por isso há escolas pedagógicas que eliminam as carteiras colocadas em fila. Colocam os alunos em roda, o que pretensamente é mais democrático, quando todos devem mostrar a cara de maneira totalmente explícita. Não há como se esconder numa roda, mas imediatamente o pessoal que sentava no fundo cuida para que o círculo vire o caos e, para solucionar o problema, volta-se à formação original.
Nos derradeiros assentos dos coletivos estão os pragmáticos, que permanecem perto das portas. Antigamente se entrava por trás e se saía pela frente. Mas a turma do fundo acabou com esse hábito, pois aproveitavam a distração do cobrador e do motorista e se mandavam sem pagar a passagem. Hoje não tem conversa. Você pode sentar lá atrás, mas antes tem que morrer com alguns trocados valiosos na catraca.
Quando tradicionais ocupantes dos últimos assentos se encontram, tudo pode acontecer. Uma conversa falando de famílias partidas, de separações, de violências de todas as espécies. Eles se misturam aos estudantes ansiosos para descer, já que ficam na iminência de algum surpresa daqueles que conversam animadamente sobre problemas domésticos, trabalhos mal pagos, dores de cabeça. No fundo se descobre que vivemos num país partido e que ficar um pouco à frente é a maneira que temos de escapar da barbárie.
No meio da conversa, um dos participantes do encontro se levanta num salto e abre a janela com fúria, fazendo estrondo. Todos tremem. Olhares ocultos de cabeças que se viram para trás. Os certinhos temem a turma que ocupa o último lugar. Esses estão preparados para tudo. Tiram a cabeça para fora da janela, peitam o motorista que demora a sair do terminal, ameaçam algum passageiro que olha feio. Mas às vezes são apenas grupos animados que nas noites de sexta-feira voltam para casa ocupando os assentos marcados pela exclusão.
Ou no final dos semestres, em que os estudantes riem do tempo que passou e se preparam para a folga. Ficamos lá atrás quando não queremos mais participar desse jogo bruto que é comportar-se diante da mesmice.
RETORNO - A imagem é de Helcio Toth, Barco. Tinha colocado por engano a foto de Bill Murray numa cena de "O Feitiço do Tempo". Paciência.
13 de setembro de 2006
LIVRO CÚMPLICE
Nei Duclós
O livro é cúmplice quando revela o que ninguém sabe. A narrativa nos empolga porque, acreditamos, somos testemunhas de segredos só a nós revelados. É como um tesouro escondido, do qual possuímos a exclusividade do mapa. O autor dormia em seu anonimato de papel antigo até que fôssemos lá abrir uma fresta na sua solidão e degredo. Levamos esse tipo de livro de maneira disfarçada, misturado a coisas comuns, como uma revista ou um impresso qualquer. Se formos flagrados, sacudimos os ombros e pegamos a brochura na ponta dos dedos, com desdém.
Aprendemos coisas como a palavra desdém nessa literatura que não deixou marcas, essa memória oculta, essa única edição sobre o que para sempre foi perdido. Ninguém pode desconfiar do que trazemos embaixo do braço como se fosse uma côdea de pão. Exatamente, côdea é também esse tipo de palavra enterrada em páginas esquecidas. Nós, os leitores oblíquos, costumamos ler obras atiradas no tempo, antes que descubram o quanto é cult, ou importante, ou fundamental.
No momento da descoberta, ninguém à vista sabe do que se trata. Você vira o mundo atrás de algumas pistas e não encontra uma só pegada de uma possível leitura. Então, satisfeito, embaixo de cobertas, na curva do quintal, na praça vazia em feriado, você abre, trêmulo, aquela mina anônima, aquele território sagrado onde somos ouvintes de sinetas, passos em castelos, sons de metralha.
Quando o exemplar capaz de nos prender a respiração escasseia, mergulhamos ainda mais fundo à procura de pepitas. É o momento de enfrentar bibliotecas gigantescas e vazias e resgatar do fundo de armários de ferro coisas que só nós vamos ler, porque só nós temos essa obsessão de ir até o fim quando algo nos acena de fora do tempo. Podemos então abrir a faca o relatório sobre a construção dos quartéis, de autoria do jovem engenheiro Roberto Simonsen, na gestão do ministro da Guerra Pandiá Calógeras. Ou então descobrimos, enrolados em alguma estante contra a parede do último andar de um sebo que vai fechar no dia seguinte, aquele pequeno volume de capa vermelha e que mostra textos e fotos de uma guerra desconhecida.
Dentro da encadernação caprichada e velha, você vê um saqueador coçando a cabeça diante de algumas bolsas de arroz e feijão. A legenda diz que ele não consegue carregar o produto do seu roubo. O autor é um padre que conseguiu levar a bom termo o momentâneo caos de uma escola famosa nos anos vinte, alvo da revolução que tomou conta da grande cidade. Mas tudo isso no Brasil? - me perguntaram no dia em que escancarei as fotos de tiros de canhão em prédios de todos os tipos, para estudantes surpresos.
Há também os volumes que jamais reencontramos, como os livros de aventuras sobre insurretos indonésios, que estavam dormindo na biblioteca, já extinta, do colégio. Ou o livro de bolso que lemos em 24 horas seguidas e nem atinamos direito que era O Morro dos Ventos Uivantes, a maior história de amor jamais escrita. Éramos Heathcliff a perambular pela charneca.
Lemos charneca e lembramos uma piada de Vinícius de Moraes sobre essa palavra. Só existe em romance inglês antigo. Em livro cúmplice, escrito só para nós, leitores oblíquos, essa espécie que jamais se extingue.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: Lawrence Olivier e Merle Oberon no clássico de William Wyler, "O Morro dos Ventos Uivantes", baseado no livro imortal de Emily Bronté. 2. Crônica publicada hoje no caderno Variedades do Diário Catarinense.
12 de setembro de 2006
CASTELO DE VIDRO
Nei Duclós
Contornei o grande muro do Castelo, que fica situado no miolo da cidade. Em algum lugar as pessoas eram engolidas pela construção. Não atinava onde ficava exatamente a abertura. Mas ao tentar apalpar uma porta de vidro fumê, ela bruscamente obedeceu. Junto com um grupo, me transportei para dentro do vasto recinto.
Bastou entrar para não enxergar mais a portaria que me franqueara a invasão. O labirinto tinha sido feito de propósito. Uma vez aceito no ambiente climatizado, pontuado por seguranças, voltar para a rua vira uma idéia absurda. A não ser que houvesse uma insurreição, a quebra de alguns vidros ou todo mundo se atirasse do quinto andar, que é o segundo do estacionamento, ou do quarto andar, que é o primeiro.
Notei que romper a lógica era um dos muitos instrumentos do Castelo. Você não pode seguir exatamente as setas, que apontam para vitrines e não para os sanitários ou telefones. Deve-se raciocinar e fazer a tradução dos signos para a orientação dos passos. As escadas rolantes estão sempre situadas no lado oposto onde nos encontramos. Imaginei que havia uma rotatória que nos punha frente a alguma megaloja enquanto procurávamos mudar de andar.
Mesmo dentro do banheiro é impossível vislumbrar uma saída. Estamos condenados a ficar lá indefinidamente e, exaustos, abrir portas que dão para privadas achando que conseguiremos escapar da armadilha. Quando finalmente nos livramos do sanitário, eis que estamos de volta ao templo do consumo, uma espécie de não-nação com palavras estrangeiras por todo lado.
Há lugares assustadores, como os cantos dos últimos pisos, onde se concentram comércios invisíveis. Mas o lugar mais sinistro é onde as pessoas se reúnem para comer. Todo mundo precisa repor energias para forçar a fuga do labirinto. Mas em vão. Existem funcionários - só pode ser gente contratada - que fica cuidando dos lugares, ou seja, impedindo que as pessoas se sentem e comam. Fica-se com a bandeja servida, de um lado para outro, em meio a inúmeras mesas vazias, que estão ocupadas por bolsas, adolescentes ou idosos encarregados de reservar as cadeiras para pessoas que estão na fila.
A concentração maior é a das refeições abaixo dos cinco reais. Todas as outras estão mais ou menos disponíveis. Mas é na fila imensa que você se posta, pois conta com pouco dinheiro e não sabe se vai encontrar determinada peça do vestuário. É para isso que serve o Castelo: para mudar o guarda-roupa, mas normalmente um caminhão de grana é depositada no caixa em troca de um trapinho colorido.
É a moda, são as estações nos dizem. Enquanto a friaca nos lambe os calcanhares, as atendentes, sempre solícitas, estão com maravilhosas roupas da próxima primavera. Para onde foram as blusas de lã, os casacos, os cachecóis? Tudo vendido, você chegou tarde. Mas não sobrou nada, nem uma peça de número maior? Ah, essas são as primeiras que saem. Mas se os grandes panos somem, por que não repõem? Ninguém explica. Sobram as vestes miúdas, aquelas que cobrem apenas um ombro ou meio quadril e deixam latifúndios de umbigo, ou canela, de fora.
Você então vai em busca de uma saída. Mas as ruas são perigosas. Fique aí dentro do Castelo de Vidro. É mais seguro.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: foto "Paulista 200", de Helcio Toth. 2. Crônica publicada hoje no caderno Variedades do Diário Catarinense. 3. Nova foto institucional: o poeta e a lua diurna, por Juliana Duclós. 4. Novo link permanente, no lado direito deste espaço: o blog "Nada a ver", de Ida Duclós que atualmente cruza memórias familiares com o Brasil de outros tempos. 5. Atualizações do Outubro: webmaster Miguel Duclós.
11 de setembro de 2006
NATUREZA SOLENE
Nei Duclós
A relação com a natureza deve ser solene, longe dos sentimentos descartáveis, do uso fundado em superficialidades, dos gestos vazios, dos olhares cômicos. Toda paisagem é ancestral e nos remete a verdades como a eternidade ou a morte. Por estarmos num planeta que vaga pelo céu, por força de muitos mistérios, ficamos amedrontados com o que nos dizem as estações, as catástrofes, os eclipses, as estrelas, o mar, a montanha. O temor nos transforma em habitantes rasos numa abóbada de cristal, pois fugimos das catedrais do Acaso quando encaramos com demasiada obsessão as rotinas que nos cercam.
Mas ser solene não quer dizer ser metido a sério. Nada mais chato do que aturar a pose de olhares longos ou conversas fúteis vestidas de filosofia barata. O humor faz parte do necessário distanciamento que precisamos ter para conviver com a obrigatória grandeza da paisagem. O humor nos refresca a mente e nos ajuda a sobreviver, mas jamais nos transforma em palhaços. Rir diante do espelho é qualidade das pessoas realmente sérias. E franzir o sobrecenho em hábitos de sobrecasaca faz parte de uma história universal do ridículo.
Podem achar que é sofisticado demais entender a seriedade quando alguém está sendo leve nos comentários, autocrítico na conversa, criativo nas cenas que descreve. É mais fácil a linha pão-pão, queijo-queijo. Segundo esse conceito, se você quer ser sério, então feche a cara. E se você for um tolo, ria. Não deveria haver esse equívoco.
A comédia clássica já nos ensinou o caminho da tragédia e o melodrama provou o quanto é fútil o esforço óbvio de ser grave e taciturno. Sabemos também que, ao fingir seriedade, muita personalidade pública quer mesmo é esconder a pândega que pode fazer com o patrimônio nacional.
Ter com a natureza uma relação solene nos leva obrigatoriamente para o respeito com a paisagem, a defesa de sua integridade, a busca de soluções para diminuir a agressão ambiental. O problema é que a violência contra os recursos naturais cresce e avança, ao mesmo tempo em que o discurso a favor da sua preservação aumenta.
A contradição então se torna mais aguda: quanto mais metidos a sério os argumentos contra o desmatamento e a destruição do solo, mais risível é a situação do território que gerações passadas conquistaram com sacrifício.
A solução não é incrementar o discurso e o número de eventos ou difundir mais mensagens de boas intenções. Mas aprofundar a relação solene com a natureza por meio da arte. O cinema, a pintura, o romance, a crônica, o conto precisam resgatar esse sentimento grandioso que sempre tivemos em relação à natureza. É costume rir dos antepassados, que teriam medo de cataclismas. Ou rir da identificação das manifestações naturais com deuses em forma humana. Fala-se do medo do trovão, que teria gerado Tupã, o incômodo caminhante do céu nublado que assustava os moradores das selvas.
Mas a relação solene não significa esse tipo de retrocesso. É possível emocionar-se com a natureza sem precisar se ajoelhar diante dela. Basta escutar o vento. Ele ensina coisas e te deixa sério como os heróis antes da batalha. Habitado por essa força, você passará por cima de qualquer gargalhada que tentar identificar a ética da tua percepção com alguma piada sem graça.
RETORNO - 1. Esta crônica foi publicada no caderno Variedades de hoje do Diário Catarinense. Mas, no site do jornal, o clicrbs não assinou meu nome. Sou interino do jornalista e escritor Sergio da Costa Ramos, mas, no site, meu nome não aparece na coluna. Isso será corrigido ao longo do dia. Faz um mês que o clicrbs assina meu nome na cronica de Maicon Tenfen, "A marquesa saiu às cinco horas". Tudo isso gera confusão de autoria.2. O escritor em plena forma: Urariano Mota e "A Segunda Morte de Trotsky", no La Insignia. 3. A foto é de Anderson Petroceli, que tem uma relação solene com a paisagem da fronteira.
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