6 de dezembro de 2004

O GOLPE DO SACOLÃO

Há um mistério nas ruas de Florianópolis: como os golpistas sabem os detalhes dos teus hábitos e como conseguem te arrancar um dinheiro em poucos minutos? Teve gente que marchou com dois reais, mas houve casos de vinte, trinta e até 150 reais. Estudei a estrutura do golpe e descobri que se trata de um ardil com um toque de gênio. É a atualização do velho conto do vigário ( que faz a vítima desembolsar algum ) só que desta vez o autor da façanha não conta com a cobiça da pessoa que aborda, mas com algo mais profundo: a solidariedade. Parece mentira, mas funciona.

SIMPATIA - A solidariedade está em alta, apesar de tanto descalabro, golpe sujo, roubo, corrupção e violência. Talvez por isso mesmo: o caos incentiva os bons sentimentos, pois no fundo ninguém agüenta mais. Esse último reduto do humano é que gera a situação ideal para a vítima do Golpe do Sacolão. Funciona assim: o golpista te vê e é de uma simpatia magnífica. Ele imediatamente cria um vínculo com você, pois anuncia que te conhece, você é aquela pessoa que compra sempre no sacolão. Normalmente a vítima se entrega e pergunta se é no sacolão de Canasvieiras (e é!), portanto está frito. Mas eis o mistério: o cara sabe onde você faz compras, a qual sacolão você pertence. Descreve o local e diz que é ajudante de lá e sempre te vê com sua senhora (se você tem cara ou aliança de casado), como é mesmo o nome dela, a dona Fulana. Pronto, você está fisgado, jamais irá dizer que não, que não conhece, pois você faz compras lá, às vezes faz crédito e fica chato assumir que nunca prestou atenção ao ajudante, o cara simpático que te conhece, sabe teu nome e da tua esposa, e que está ali na tua frente, te oferecendo um cumprimento neste mundo ermo de cumprimentos. Sei de casos em que a vítima até perguntou se ele trabalhava com Cicrano, o do açougue do sacolão, o que foi imediatamente confirmado. Mais mistério: depois a vitima telefona e fica sabendo que o açougueiro tinha mesmo uns ajudantes e o golpista pode ser um deles.

GASOLINA - Como te identificam na multidão? Ou te seguem, ou você mesmo entrega, ou ele trabalhou mesmo no lugar onde disse trabalhar e por isso todo o relato, que dura um minuto e meio, tem absoluta credibilidade. Primeira fase definida? Vamos ao golpe. Ele imediatamente faz cara de vítima e te transforma em protagonista, pois você vai tirá-lo da enrascada. Pois roubaram tudo da caminhonete dele, o cara coitado está até com a polícia ali (e aponta a direção), levaram cinco mil reais, documentos e até secaram o tanque de gasolina. A caminhonete do sacolão onde você faz compras com sua senhora, certo? Então você pensa, tudo bem, vou dar uns três paus ele compra um litro e vai embora. Mas a gasolina está cara e ele precisa ir até o sacolão, que fica longe e você hoje mesmo à noite pode reaver o dinheiro. Então dez reais não cobre, quem sabe mais, vinte, ainda está faltando e assim vai. Teve gente que deu queixa, dizem. O Golpe do Sacolão joga com a credulidade, a causalidade, a solidariedade e a rapidez: tudo não leva três minutos. Quando o cara sai rapidinho é que você saca que foi enganado. Você não conta para ninguém, para não passar por trouxa. Você caiu na tentação de mostrar-se solidário para uma pessoa pobre que te serviu e você jamais prestou atenção, e ele retribuiu tão bem chegando a conhecer você profundamente, já que você torna-se o autor de uma generosidade e se sente gratificado com isso. Por isso leva chumbo. Se você contar, todos dirão que jamais cairiam no golpe. É que eles não foram envolvidos pela rede genial do novo conto do vigário. Você retribui o reconhecimento, é solidário com quem sabe quem você é, você é alguém no meio do nada.

TRUQUE - Depois fica fácil não cair (mas às vezes a pessoa já ouviu falar do golpe com detalhes e assim mesmo embarca). O que também conta é o ineditismo, a criatividade. Tem dado certo e os caras (são mais de um) estão abusando. Daqui a pouco serão flagrados ou simplesmente mudam o truque. Viu como você não sabe ganhar dinheiro? Começa assim: Ei, você por aqui? Ou então: Como vai o sr. doutor, lembra de mim? O senhor não está me reconhecendo, eu trabalho lá no sacolão, aquele em frente ao posto Esso. É o intervalo do humano entre os compromissos do dia. Você fica hipnotizado por alguns minutos. Se estiver com dinheiro (e normalmente está, pois saiu de um banco, uma casa lotérica ou de uma rodoviária), prepare-se. Você ficará aliviado de alguns reais.

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