6 de dezembro de 2025

DESCOMPASSO

Nei Duclós Você está fora quando é moço Depois passa do ponto ao durar muito No meio do caminho aguardas o momento Mas ele não chega, a não ser para os outros Se os outros partem você é o sobrevivente És convocado como testemunha coadjuvante Não és o alvo mas a plateia errante Teus dedos apontam para o horizonte Onde brilha o sol da vida alheia Assim te esquecem quando te lembram Passas lotado pelo Tempo Não nasceste Fulano, teu contemporâneo Nei Duclós

NOIVADO NO BAILE

Nei Duclós Pergunto por que a dança te conquista Fazes questão de rodar pela pista Com ritmo de passos repetidos Será fantasia de uma relação perfeita O encaixe fino entre corpos afins Ou será o devaneio que isso provoca De um amor nas nuvens, beijo na piscina? Não, dizes com um meio sorriso É só a oportunidade de não ser esquecida Num baile onde o olhar das amigas Me acham incapaz de uma valsa convicta Se danço, me dizes Posso depois contar que lá estive No salão da paróquia em tempos felizes Quando enfim desististe da solidão bruta E me pediste, joelho no chão batido Com um anel de noivado que a tua família Te deu para que não fosse perdida A mulher da tua vida, cavaleiro triste Nei Duclós

28 de novembro de 2025

LANCE

Nei Duclós Deus ajuda quem toma jeito Combina sonho com suor, nuvem com poeira, amor com granito Pólos opostos de obscura geografia Que escapa aos olhos mas não ao sentimento Modo de sobreviver em terra de conflitos Guerra sem descanso, paz feita no grito Deus também ajuda quem se dá o luxo Na fuga pelo gosto da aventura Não há deserto se o jejum ampara E resiste ao assédio do mal pelos caminhos Como posso saber se não tenho alcance? Só a poesia não garante Mas tenho um trunfo, o sopro dos anjos Eles reportam o que pega neste lance Nei Duclós

23 de novembro de 2025

ARTE AMIGA

Nei Duclós Sou artista de rua Produzo sinfonias Com letras e sílabas E algumas canções em parcerias Depois passo o chapéu para quem vê a arte amiga Não escolho esquina Estou onde existe vida Todo o tempo do mundo Cabe na poesia Nei Duclós

PLUMAS

Nei Duclós Vida é perda Aos poucos deixamos o que fomos inteiros Cascas acumuladas pelos anos Jazem inúteis pelo caminho Ficamos leves como passarinhos De alpiste colhido no tempo presente Voamos em direção ao paraíso Seres emplumados de perfil divino Nei Duclós

19 de novembro de 2025

DOMÍNIO

Nei Duclós Meu domínio da linguagem É quando a linguagem me domina Não que me sujeite Aos seus limites Mas por sintonia Música espiritual e física São mãos postas Em direção à fonte Acima das nuvens E que jorra entre nós Cristalina Nei Duclós

CONFRONTO

Nei Duclós Procurei a palavra no fundo Expulsa pelo tiroteio Para iluminar a superfície Lisa por fora e rota por dentro Encontrei-a de coração batendo Ainda viva com tanto esforço Abandone o poema, me disse Algo mais forte está te chamando É uma voz de comando Soprada pelo mar onde moram anjos Aprume-se na solidão, destino humano Arte é confronto, aperte o passo Plena doçura da alma em pânico Nei Duclós

IMPLICANTES

Nei Duclós Ventos fortes são sinceros, devastam tudo o que vem pela frente. Usam armas como os tornados e contraem-se em espirais gigantescas. Mas os ventos fracos são só implicantes. Ao contário dos regulares alisios, ventos médios ordenados para a boa navegação a vela, os fracos adoram fechar as venezianas que insistimos em mantê-las abertas. São sorrateiros e se divertem derrubando coisas valiosas das mesas e prateleiras. Despenteiam a vaidade dos cabelos, gelados assombram corredores escuros e apagam ou atiçam o fogo quando querem prejudicar alguém. Os objetos também são implicantes. Roupas antigas perseguem as novas se enredando na máquina de lavar. Meias somem no buraco negro. Chinelos perdem seu par, adotam manchas impossíveis de tirar, eletrodomésticos pifam no dia seguinte ao prazo de validade. O que nos rodeia adquire hábitos humanos. Ou talvez seja apenas uma implicância pessoal. Nei Duclós

ORAÇÃO

Nei Duclós A cura são as palavras Que encontras no sofrimento O corpo é só um sintoma A alma adoece primeiro A vida é puro tormento Se a reza não for de fé A saúde é um privilégio Que a forca do amor comanda Valei-nos Nossa Senhora No colo o Jesus menino Que a devoção nos devolva os tesouros do destino Nei Duclós

SELVA ESCURA

Néi Duclós Minha poesia existe enquanto eu ficar vivo Depois de partir ela vai para o limbo Lá onde nem os anjos lêem o que me sopraram no ouvido Tanto escrito para acabar no exílio Não é necessário compor uma obra Que jaz esquecida em qualquer caminho A não ser que eu cante sem esperar auxílio Dos contemporâneos ou pósteros filhos Cante anônimo como os passarinhos Misturados às folhas de uma selva virgem Intocada pela vaidade e o brilho Selva escura de um remoto destino Nei Duclós

VULCÃO

Nei Duclós Terceira idade é quando tudo envelhece junto contigo Os artistas de tantos momentos arrastam as correntes do tempo amarradas aos pés Os amigos que sobreviveram não mais te reconhecem Os fatos fundamentais tornaram-se obsoletos com as novas guerras E as paisagens conhecidas perderam o sentido A vida recolhe a sucata dos dias E o desafio é manter-se ativo Como a ameaça de um vulcão extinto Que pode voltar a respirar lava na indiferente superfície Nei Duclós

23 de setembro de 2025

SOBREVIVENTE

Nei Duclós Sobrevivente é quem cuida do fogo E o mantém aceso no acampamento Leva os feridos para a enfermaria E volta ao front quando não há mais jeito Às vezes os combatentes trazem más notícias Recuamos corridos diante do inimigo Melhor carregar o que sobrou consigo Veterano ainda vivo mas não por muito tempo Tem dias que a tropa volta quase ilesa E canta vantagens com o rosto iluminado E abraçam o cara que ficou de sobreaviso Com dois cartuchos e só uma espingarda E dizem aos gritos com sangue na farda vencemos para sempre nosso anjo da guarda Nei Duclós

TEOREMA

Nei Duclós Não há problema De longe é esfera De perto é plana Será impossível Conceber esse teorema? Colocar a redoma No cosmo que se expande? Extinguir assim o drama Entre a Nasa e os mapas de argila? Será preciso que se descubra Algum hieróglifo Ou pedra de Roseta Que traga paz à mente inquieta? Nei Duclós

DUPLA FACE

Nei Duclós Por ser plana A Terra desperta o pássaro na hora certa E o Sol, holograma Incide a luz na bruta treva Por ser esfera A estação completa Se chama primavera E redonda, rola eterna Apaga a hedionda vez da vida breve Nei Duclós

19 de setembro de 2025

Maquiavel é texto

MAQUIAVEL É TEXTO Nei Duclós Fiz várias notas sobre minha leitura de Maquiavel sem entender porque tem má fama. Descobri que o confundem com Política e História, mas ele é de outro departamento. Escritor profissional, sua arte é o Texto, de técnica invejável e performance de Mestre. Não joga letra fora e sacrifica a fama pela palavra precisa, cirúrgica para usar uma definição da moda. Abordei trechos da sua magnifica História de Florença, que ele fez sob encomenda depois de ler tudo o que tinha sido publicado sobre o assunto. Destaquei esse trabalho apesar de ser O Príncipe sua obra mais famosa, que lhe deu a notoriedade de conselheiro do Mal, quando é um autor de máximas sobre a difícil atividade do poder. Maquiavel é o máximo. O texto único. Seu retrato reforça a ideia de maquiavélico apertando os lábios e olhando de viés. Nada a ver com o cara que ninguém esquece não por ser astuto e dissimulado mas por ter apostado todas as fichas no que sabia fazer: escrever com o primor do gênio. Nei Duclós A seguir minhas leituras: Um cidadão de Florença exorta os Senhores a combater a corrupção generalizada: "E ficai contentes em fazer isso agora, com a benevolência das leis, antes que os homens sintam necessidade de fazê-lo com os favores das armas". Maquiavel nos conta. Século XIV. FAMÍLIAS NA ALTA IDADE MÉDIA Familias poderosas, ricas, encasteladas e armadas, disputavam o poder nas cidades em conflito na longa e lenta derrocada do Imperio Romano. Está no DNA da Itália - que só se unificou no século 19 - essa balcanização reproduzida depois pelas máfias familiares (se é que não caio na sedução do anacronismo). Havia inúmeros exemplos como os Visconti em Milão, os Médici em Florença, os Orsini em Roma, que brigavam nas disputas em Pisa, Lucca, Napoles, Veneza etc. Elas entravam no grande imbroglio em que os papas, com seus exércitos, enfrentavam os emissários do Império dividido entre Constantinopla e Roma. Participavam dos conflitos vários povos na Toscana, Lombardia e nos reinos que correspondem hoje à França, à Alemanha e à Hungria. Além das invasões e acordos com hunos, visigodos, ostrogodos. Maquiavel ficou anos pesquisando esta história, patrocinado com recursos da politica, para produzir sua História de Florença. Que é uma História do mundo medieval. Livro assombroso pelas informações, os insights do autor e o estilo, de alta literatura. A LEI É A BASE Quando não há boas leis e ordenações, a nação oscila por periodos entre a servidão e a permissividade, e não entre a tirania e a liberdade, como se costuma pensar. Com um sistema legal eficiente o país não precisa ficar à mercê das virtudes ou vícios de quem está no poder. Assim pode ser livre, com vida firme e estável. É o que diz Maquiavel na sua História de Florença. O PÊNDULO DE MAQUIAVEL Quando chega ao apogeu, a situação política gera o seu oposto, da perfeição da ordem à desordem e vice versa, segundo a dialética de Maquiavel: " A virtude gera tranquilidade, a tranquilidade o ócio, o ócio a desordem, a desordem a ruína; e igualmente da ruína nasce a ordem, da ordem a virtude, e desta a glória e a prosperidade." Pois "não está na natureza deste mundo o deter-se", diz Maquiavel no seu livro História de Florença. MAQUIAVEL E A VITÓRIA É preciso prudência no desejo de vitória e não levar o adversário ao desespero, pois quem não espera o bem não teme o mal e pode ficar muito mais perigoso. É uma das advertências de Maquiavel em sua Historia de Florença. Há séculos milhares de estudiosos se debruçam na obra do autor de O Principe pela sua lucidez e pragmatismo político. Ele aconselha aos vitoriosos levar em consideração as contribuições dos vencidos para a vida na cidade e também o grau de tolerância na derrota, pois pode-se aturar perder o poder principal mas é intolerável ser expulso da própria pátria por ter perdido a batalha. Maquiavel coloca também a dúvida dos vencedores: deve-se fazer concessões na lei para evitar a luta no futuro ou partir logo para o confronto, já que o inimigo, com sua soberba, nunca cede? MAQUIAVEL E O PODER DO PAPA Nada surge por acaso. O poder do Papa, segundo descrição de Maquiavel em sua História de Florença, cresce e se consolida na divisão e esvaziamento do Império Romano, que se repartiu entre Roma e Constantinopla - e chegou a ter outra capital, Ravena. Invadida em sua força, a cidade eterna tenta estabelecer linhas de poder pelo resto do território da Itália dividindo-se em ducados (que originou os duques, mais tarde substituídos ou somados pelos marqueses e viscondes, o que está na origem dos títulos nobiliárquicos) e tendo que negociar com inúmeros povos que os assediavam. Como não há vazio na política, o Papa se tornou um importante interlocutor nesse imbroglio, chegando até a cruzar tropas inimigas para falar com o rei dos gauleses e conseguir apoio. Foi-lhe permitido pois havia respeito ao Pontífice Máximo, cargo oriundo da liderança religiosa do Império antes do catolicismo. Mas tudo isso custou caro. Vândalos, hunos, godos, ostrogodos, lombardos, gauleses etc. se estabeleceram nos seus territórios e enquanto o Império definhava o poder do Papa crescia até se tornar o todo poderoso medieval, quando a revolução Inglesa no século 17 começou sua derrocada. Mas até hoje há o carisma papal, apesar dos esforços do argentino em melar toda essa herança. Maquiavel escreve maravilhosamente, embasado, com sólida argumentação. O cara.

16 de setembro de 2025

PAISAGENS

Nei Duclós Releio quando só eu lembro Do dito escrito no tempo Quando era moço sem dar-me conta O quanto passaria o mundo ao relento Sina da vocação exercida por um tempo Depois submerge nas águas do vento Tudo se dissipa, o calor do momento Fica o sal que resseca por dentro Assim acontece e nada pode o corpo Provisório soldado de uma guerra perdida Assim é a vida, dizem os antigos Com os olhos ainda doces de suas paisagens Nei Duclós

14 de setembro de 2025

CONDOR

Nei Duclós Esqueço você por vários dias Porque sou um amor sem serventia Não cultivo a flor nem o carinho Prefiro a dor à poesia Isso pode magoar, mulher bonita Mas não há saída, beira do abismo Nem voa o condor por puro vício É uma vocação na pedra inscrita Que é o meu coração, és fêmea da tribo Conto contigo mesmo com a sina De viver na solidão, prisão bandida As palavras amarram e perco o fígado Fogo de Prometeu, culpa de um crime Esperas prudente na tua armadilha Que teces no ar desta Odisséia Sabes que eu pouso mesmo ferido Em tuas mãos, mortal tecido Onde me debato, cheio de vida Nei Duclós

7 de setembro de 2025

OUVIDOR

Nei Duclós Cada um tem tudo a dizer Vozes simultâneas decidem por si Você jaz calado nessa falsa manhã Você nem escuta, a não ser A água da fonte no amanhecer Nei Duclós

4 de setembro de 2025

TODO POEMA É DE AMOR

Nei Duclós Todo poema é de amor Mesmo o que não completa O seu ciclo vencedor O que é dito em linha reta Ou não carrega uma flor Todo poema compete Com espírito sofredor Ao suspiro de almanaque Ao que perde seu valor Igual o feito para a guerra De bandeira multicor O que jamais se entrega No adeus para não se expor Todo poema repete Seu destino trovador Basta dizer com os versos O que guardas com rancor Porque o poema tem preço Pago em moeda de sonho Mesmo no tempo medonho Todo poema é de amor Nei Duclós

2 de setembro de 2025

O ÚNICO SENTIDO

Nei Duclós Pergunto sem disciplina Já que não estudei a vã filosofia Mas costumo cair na sua armadilha: Se a morte é certa Para que a vida? Se o futuro da existência é o abismo Perder pessoas queridas ou experimentar o terror do fim em cada esquina? Não invocarei a auto ajuda Os livros comerciais de falso auxílio Que prega o conformismo como estilo Nem me revoltarei, de nada adianta Consertar o mundo cheio de apetite Pela devastação em massa de quem pasta No campo comum do gado humano Continuo com a pergunta Talvez o único sentido Seja plantar amor antes que nos destruam O trabalho é conseguir as mudas Buscar terreno propício Em teu corpo remoto e perdido De musa que me inspira Nei Duclós

31 de agosto de 2025

SEGREDO

Nei Duclós Há segredo quando é pecado E as atenções vão para outro lado E agimos indiferentes aos cuidados Porque o desejo é mais forte dentro Do que em tosco território Não somos flagrados com a cara de paisagem A não ser pela besteira de uma fala Quando dás bandeira cansada dos olhares Que a desconfiança plantou em nosso agarro Confessas, achando que está limpo O espaço que cavamos em nossa volta Mas é uma armadilha, beldade sem reparos Estavas proibida com teu rosto raro E o corpo que é um arraso e por motivos misteriosos Era prometido para o crime organizado Ou talvez um príncipe de cabelos sedosos Eu sou carta fora do baralho Por isso avancei a mão com mais coragem Hoje cresceste e sentes falta Do que ocultamos na louca e tenra idade Nei Duclós

25 de agosto de 2025

REGISTROS

Nei Duclós Escrevo escondido para ninguém saber o que eu digo. Minha literatura sofre de insônia . Durmo na poesia. Publiquei quando decretaram a morte dos livros. Viver é uma atividade irreconhecível. Lembro só o que não repito. Cobro de mim as dívidas que ainda não contraí. Perdi o momento certo porque não era divertido. Aprendi quando deixei a lição de lado. Caminho em oposição à ventania. Exagerei na loucura ao fingir que estava vivo. Confesso que voltei quando deveria ir. A palavra é o principal disfarce. Nei Duclós

24 de agosto de 2025

CONVÍVIO

Nei Duclós É difícil o convívio O que você diz contradizem O que você fez duvidam O que lembra não é bem assim Se você concorda implicam Se fala sério debocham E nunca entendem uma ironia Treinam você para ficar sozinho Evitar conflito para não correr perigo E não se trata de ditadura, política Mas de sobreviver no mesmo lotado abrigo Onde falta dinheiro, falta comida É estranhar quem se aproxima Bater de frente e oferecer espinhos Vocação de criatura arrependida De ser humana Natureza esquecida Nesse clima o amor é palavra vazia Sobra só o sentimento De pertencer a uma flor profunda A que cultivamos no exílio Nei Duclós Imagem enviada por Alitta Reis .

23 de agosto de 2025

IMPTOVISO

Nei Duclós Às vezes é colo Outras contra a parede Cama improvisada na areia Gente embolada na rede A fantasia manobra o desejo Perto, longe, ou fora do tempo Por baixo da roupa Ou com a roupa mesmo Tudo acontece em segredo Faz de conta que é normal teu biquini mínimo Não se fala disso nas rodas carentes Pode também ser explicito ou tudo entre quatro paredes Às vezes de vidro transparente Mas é onde mora o desassossego Somos reféns do prazer intenso Desde pequenos até a hora extrema Nei Duclós

22 de agosto de 2025

RELÓGIOS

Nei Duclós Não abracei o poema épico O de convocação e bandeiras Adotei o poema lírico Até o amor fazer agua Evitei a vanguarda de transgressão e inventos Por ser fiel à minha vocação silábica Não cultivei a poesia seca A engenharia civil do verbo enxuto Fugi do poema de autoajuda Pois cada leitor sabe dos seus erros Não compactuei com versos mínimos Vindo de outros continentes Visitei o parnaso e o simbolismo E tentei voar como os condores A tudo passei ao largo Pois só havia palavras Areia fina nos relógios do Tempo Nei Duclós

19 de agosto de 2025

ENIGMAS

Nei Duclós Minha experiência não tem voz. Fiquei mudo. Desapareço como campo de trigo não amadurecido. Recuso o reconhecimento, cereja no bolo amanhecido, que não veio, como os amores sonhados em travesseiros antigos. Essa foi minha sina, companheiro de infortúnio. Somos como pedras irremovíveis, que sugerem enigmas para o futuro. Nei Duclós

17 de agosto de 2025

BEM CAPAZ

Nei Duclós Fui capaz de tudo Morar sem ter abrigo Casar no desemprego Decidir pelo desvio Impor mancha em currículo Viver no desperdício Cair só pelo vício Andar em precipício Fui bem capaz de tudo Pegar carona em caminhão Calçar coturnos no pampa De jeans em baile granfino Terno limpo em pescaria De linho quando estava frio Fugir de alguns municipios Cansar porque dá preguiça Hoje não sou capaz de nada A não ser fazer café Sem ter dinheiro para isso Nei Duclós

16 de agosto de 2025

OFÍCIO

Nei Duclós Não preciso fazer nada Todos já fizeram o serviço Derrubaram o governo Prenderam os bandidos Invadiram o infinito Recuperaram o deserto São médicos engenheiros estadistas Viveram sem limites Casaram com as estrelas Ficaram ricos A mim cabe apenas a poesia A que não tem cacife E serve só para exercer o ofício De oferecê-la em forma de flor Para teu olhar triste Nei Duclós

10 de agosto de 2025

CHANCE

Nei Duclós Ninguém viveu o suficiente Todos querem pular do barco de Caronte Casar desta vez com a bailarina Ou namorar na praça Barão do Rio Branco Terminar o curso de Jornalismo E não cair nas garras dos farsantes Viajar para a França Candidatar-se à Presidência Para evitar o governo analfabeto Somar ao já feito novas esperanças Jamais perder um filho E conviver com os pais ainda vivos Amar sem arrepender-se Querer o que é certo E não desperdiçar a idade em desavenças Ser professor de crianças E aluno atento às mudanças Ninguém perde por esperar a chance De driblar a morte, meu amor Só por um instante Na duração de um beijo na boca da princesa Nei Duclós

FERIDO

Nei Duclós Fui ferido pela lua Grua no céu noturno Clima de uma loucura Sem estrelas no veludo Atingiu-me como um tiro Neste agosto sem saída Avisou-me de algo vivo Talvez amor, quem diria Esparramei pela rua A luz que ganhei aflito Virei cidadão contrito Na pobreza desta rima Nei Duclós