2 de junho de 2025

RETORNO

 Nei Duclós 


Não tenho mais o retorno

Não perguntam, nem respondem

Continuam ocupados

Sou tratado como estranho

Celebram, enquanto me excluem

Desse bizarro mercado


Já fiz parte dessa obra

Quando me dava importância

Agora chegou minha vez

De ser cachorro sarnento


Cumprimento para o vazio

Nem mesmo o vento me acena 

E se acaso apareço 

Está vivo, se surpreendem

Num alvoroço de perdas


Nunca fui muito chegado

Recolhido ao próprio canto

Fui alguém quando chamado

Mas nunca fiz muito esforço


Por isso passo ao largo

Fingindo que não me importo

Mas isso dói em silêncio 

De um veterano da guerra


Hoje quem bate na porta

São as lembranças de um tempo

Que não me sai da memória 

Vivi porque Deus permite

Venci porque fui História

Não mereço ter a sorte

Do bem querer que acompanha

Quem é antigo e apanha

Da vida que não dá trégua 


Nei Duclós

1 de junho de 2025

DUAS ALMAS

 Nei Duclós 


Procuras por poesia 

Por isso evitas meus insultos

Mesmo que não busques, ao ficar decides

compreender o verso elaborado bruto

Que gera ametista, tua leitura


Assim vamos, duas almas perdidas

Uma que verte areia na paisagem dos sentidos

Outra que extrai água de camadas profundas

Tua epifania


 Nei Duclós

28 de maio de 2025

DIGO

 Nei Duclós 


Falo por falar

Escrevo para valer


Digo por fazer

de conta do saber 


Só lendo é que eu sei 

Segredos de ninguém


O que você não vê 

É a letra que escondi


Vejo a mão de Deus 

No livro que lancei


Um dia repeti

O que não escutei


Depois me arrependi

No mar onde sou rei


Nei Duclós

27 de maio de 2025

DESCOBERTA

Nei Duclós 


A vida é real, concreta. Mas quando chega a terceira idade você descobre que tudo é uma ilusão. Você enterra a biografia, as amizades, pessoas da família e vê envelhecer quem existia como presença permanente e parâmetro do teu imaginário. Os corpos despencam e a mente acumula equívocos.


Só tu, meu amor, estrela guia, flor da lua, serena e divina paira no ar do apocalipse. Seja você quem for que deita em meu sonho como orvalho na pétala amanhecida.


Nei Duclós

25 de maio de 2025

ALMA GÊMEA

 Nei Duclós 


A verdadeira nobreza é o sentimento 

Não o dinheiro

Que não compra linhagem nem beleza


Sem amor somos apenas carne 

Ossos e nervos

Animados por um mistério, a vida

Que na essência vai atrás do que sente

Alguém da família, ou amante, ou amiga


Por isso existem príncipes e princesas

Talvez na monarquia mas nem sempre

Normalmente descobertos por acaso

Nas ruas de desespero e desconfiança 


Venha, nobre coração 

Alma gêmea 

Nosso brasão são momentos de ternura

Que brilham no sol da tarde e no luar 


Nei Duclós

DECISÃO

 Nei Duclós 


Não cumpri a promessa

Recuei na conversa

Rasguei o contrato

Não mantive a palavra

Teimei no meu erro

Não fui ao concerto


Falhei todo o tempo

Saí pelos fundos


Não vou quando é certo 

Fiquei no chamado

Fugi nessa hora

Corri mesmo perto


Avisei, mas não viram

Escolhi mar aberto 


Nei Duclós

22 de maio de 2025

ESTÁDIO

 Nei Duclós 


Agora me perdi, flor do cerrado

Monte que no pampa submerge

Em mares de neblina mal chega o inverno

Gruta onde esqueci o som de algum milagre


Onde estarei se o mar ainda é incriado?


Caí no chão que a lama tece

Entre o troar da tempestade

Acorreu-me o sonho, escudeiro pobre

Levado de arrasto por uma estrofe


Tudo é o verbo que inventou e sofre

O mundo que nunca me socorre

Aguardo o desfecho, jogo de bola

No estádio vazio e o coração mais forte


Nei Duclós

21 de maio de 2025

TRUQUES

 Nei Duclós 


O desejo era secreto

Pois teu corpo estava oculto

Mesmo tirando a roupa

Não exibias teu mundo

Palavras como recôndita

Íntima, úmida, crua

Guardavam o prazer imenso

Que não confessa seu nome


Não que estivesses nua

Sob a capa dos sentidos

Que espicaçavam os brutos

Mas sim porque não diziam

O verbo em libras dos mudos


Foi assim que vi primeiro

Os segredos femininos

Antes que todos notassem

Teu andar sobre a laguna

Caminhas como nos trilhos

Trafega o temor 

do escuro


Vestido, echarpe, biquíni

Tudo nos leva à tortura

Depois ao lado da cama

Existes só de mentira

Porque a musa na armadilha

Usa seus subterfúgios


Sou suspeito, vivo à toa

Nos truques do teu destino 


Nei Duclós

19 de maio de 2025

MESMA MOEDA

 Nei Duclós 


Antes de eu nascer

O mundo não precisou de mim

Depois, muito menos

Continuará normal

Quando eu desaparecer 


Por isso esse beijo desnecessário que te dou

É a única prova de que a indiferença do mundo

É a sua principal vítima

Via de mão dupla

Ele ignora, eu retribuo


Nei Duclós

5 de maio de 2025

CADA UM

 Nei Duclós 


As almas são impermeáveis

Não reagem, apenas devolvem

As consciências estão fechadas

Portas da percepção com cadeado


Não adianta insistir, apresentar provas

Dentro do Outro ninguém tem acesso

Só se convencem se houver sintonia

Entre o que está dentro

Com o que vem de fora


O influencer e o formador de opinião 

São anedotas

Cada um é o seu supremo vórtice 

Topo do mundo, que na cadeia alimentar

A tudo devora


Nei Duclós

LÁGRIMA

 Nei Duclós 


Quem somos nós que choramos por nada?

E que todos riem como se fôssemos palhaços 

Escondemos o rosto para que só Deus veja

Esse sentimento que de nós transborda


Somos derretidos diante do milagre

Não choramos por lamentar a barbárie

Isso todos os sensíveis fazem

Somos diferentes, essa emoção que mata

Porque a vida não se explica nem com verso e prosa


É inútil escrever por isso tanta lágrima 

Choramos juntos, eu na noite alta

E tu, diurna, pranto de tua obra


Nei Duclós

3 de maio de 2025

ESPÍRITO

 Nei Duclós 


Não tenho fim nem começo 

A não ser um verso sem pé nem cabeça 

Que não foi convocado e não consegue dizer


Ele próprio é apenas um ser

Que veio de um lugar que só eu sei

E por isso não poderá conquistar o que for


Sou um espírito antigo do mar


Nei Duclós

30 de abril de 2025

URGÊNCIA

 Nei Duclós 


No dia em que eu sumir de vista 

Por alguma urgência, um escândalo, um naufrágio 

E meus passos forem confundidos na areia

E a memória cair no esquecimento

Nada haverá que me traga de volta

Nem os versos ou a trajetória


Estarei no espaço a mim dedicado

Quando aqui cheguei e eu ignorava 

Uma curva na estrada do parque abandonado

Teu colo, talvez tua cama

Íntima beldade do meu sonho


Nei Duclós

28 de abril de 2025

FUI MELHOR

 Nei Duclós 


Fui melhor quando era moço

Com a idade, piorei

Quem me vê assim tão torto

Pergunta por onde andei


Pelo deserto do tempo

Pelos mergulhos do mar 

Nas guerras não declaradas

Nos desacordos da paz


Mas nada se justifica

Todos conhecem o caminho

Lancei talentos no abismo

Perdi chances de ganhar


Fui melhor quando era moço 

Agora vou devagar

Ando com muito esforço

Vejo o que não enxergo

Ouço o berro e nada mais


Da polpa restou o caroço

A vida se vinga à toa

Estou cada vez melhor


Nei Duclós

22 de abril de 2025

LONGE

 Nei Duclós 


Abraço meu braço 

Que é teu corpo

E beijo tua mão

Que é meu rosto


Digo num sopro

palavras doces

Mas não respondes

És apenas sonho


Quem sou eu?

Pobre esboço 

Do amor antigo

que joguei fora


Fomos embora

e hoje soluço

Junto ao poço 

Que é meu espelho


Durmo comigo 

Flor que não tenho

De longe venho

Para longe voo


Nei Duclós

19 de abril de 2025

VOZ DE PRISÃO

 Nei Duclós 


Alguém me deu voz de prisão 

Não sei quem foi, mas estou preso

Não saio da cela e perdi todos os amigos

Achei que estava morto

Mas as contas não param de chegar


Já escrevi longas cartas para as autoridades

Mas não obtive resposta ou talvez nem foram entregues

Por isso diminuí o volume dos meus recados

E espalho papéis entre os pássaros que buscam comida que não tenho


Lamento tamanho desperdício

Não escrevi o romance da minha geração 

Fiquei proscrito no poema

Que é uma forma de oração


Rezo todos os dias pela liberdade 

Do meu país, da minha cidade

Alguém me diga o dia que poderei ir embora

Longe de quem me prendeu

E esqueceu as chaves


Nei Duclós

16 de abril de 2025

AMANHECE

 Nei Duclós 


O sol acorda tarde no outono

Exausto da trabalheira do verão

Avança tímido sua precoce claridade

Que desliza como onda próxima do mar na escassa areia


Insone, aguardo o momento em que me despeço das lâmpadas acesas

Que ficaram em vigília junto com o cão

Na noite interminável 

E fico aliviado com as gotas diurnas de luz

Que borrifam as árvores impregnadas de plumas e pios


Amanhece lentamente no tempo parado onde me encontro

A descobrir que o futuro é idêntico ao princípio 

No ciclo inaugurado pelo verbo encolhido de frio


Nei Duclós

13 de abril de 2025

NOVIDADE

 Nei Duclós 


Revirei os arquivos em busca de um verso em tua homenagem

Não achei

Talvez por seres recente e eu fui além da data de validade


Mas o amor não pergunta, escreve

Na pele dos dias o prazer de verdade

Então procuro criar a palavra sem uso

Para fazer justiça ao que sinto


Só que o poema me falta

Beldade do abismo

Perdi muito tempo na forja da linguagem

E tu me trazes uma novidade 

A qualidade física do sentimento 

O beijo de mel e carne


Nei Duclós

11 de abril de 2025

CUIDADO!

 Nei Duclós 


Poema derramado de amor é falso.

Amor é conflito na véspera do amasso. É remorso no tempo tardio do desencontro. É paz desesperada.

Não minta , porque o amor não é trouxa.

8 de abril de 2025

ESTA TERÇA

 Nei Duclós 


O Tempo poderia estacionar nesta terça-feira

Em que o Outono frio aos poucos se esquenta

Conforme o sol vai avançando sobre a sombra

E todas as dores dão um tempo nos ossos

Enquanto nos acomodamos na úmida varanda

A percorrer o que vivemos com o canto do olho


Seria uma espécie de eternidade amena

Sem destino a cumprir, apenas o ponto

Onde a paz sobra nos extremos


Até poderia depois migrar para a semana seguinte

Mas esta terça ficaria a sós comigo dentro 

O momento máximo de realização terrena

Quando tudo está por fazer apesar de muito que já foi feito

Uma espécie de acordo para evitar a guerra

Assinatura de espíritos de uma fé suprema 


Nei Duclós

3 de abril de 2025

FUTURO

 Nei Duclós 


Quando você for velho e todos teus amigos estiverem mortos

único sobrevivente da tua espécie

A encarar ainda vivo o rosto de Deus 

E teu corpo ringir como armário antigo

Em casas assombradas pela memória

E não houver nada a não ser a companhia extinta do teu sonho

Verás que foi tudo uma ilusão

E tua vida não cumpriu vontades terrenas

Como andar sobre as águas ou fundar um reino 

E serás apenas mais um na fila que os anjos organizam

Para as almas se recolherem ao que resta de um Paraíso

Que foi teu amor perdido e ainda intacto

Como um verso dito num céu obscuro


Nei Duclós

2 de abril de 2025

OBRA DO AMOR

 Nei Duclós 


De todas, a mais bela

Por obra do amor

Do que o amor fez por ela

Definiu o rosto conforme a aurora

Desenhou os traços da primavera

Decidiu a flor que lhe cobre a fronte

Sem nenhum plano, no meio da tarde


De todas, a que ninguém torce

Porque nasceu assim, destino nobre

Força de quem fica em plenitude 

Na espera de alguém, só por esporte 


Metais não desafiam a sua corte

Ela contém o verbo, de outras vidas

somadas em seu regaço 

Onde me recupero

e para sempre moro


Nei Duclós

29 de março de 2025

DESCOBERTA

 Nei Duclós 


Cada dia descubro novos tesouros em ti

Vivências ocultas que vem à tona

Momentos que inventas quando menos se espera 

Canções que não lembras e assim mesmo cantas

Sonhos bizarros que já não mais te atormentam 


Cada dia é uma nova festa do sentimento

Admiro à distância pois sou suspeito

Poderão desconfiar que eu te amo


Nei Duclós

23 de março de 2025

,SUDOESTE

 Nei Duclós 


O sol nasce à esquerda do meu quarto

E deita à direita da varanda


Dos ventos prefiro o sudoeste

Mistura de brisa de outono com lascas de verão 

Sopra intermitente depois do almoço

(pastel de carne com vitamina de mamão)


Faço a digestão na tarde morna acariciada pelo meu vento favorito

Max na grama aguarda a visita da dona, a neta

Que ao chegar proíbe que eu ralhe com seu protegido


Ele se aproveita e percorre a casa fuçando tudo

Como se não houvesse mais amanhã 


Vou para o quarto e ligo o ventilador virado para a parede

É meu sudoeste doméstico que acompanha minha navegação 


A vida é um cão de guarda

Que aguarda a visita de quem traz amor


Nei Duclós

22 de março de 2025

PAZ

 Nei Duclós 


Pássaros fazem algazarra às cinco da manhã 

Quando ainda está escuro

E a tímida claridade continua no ovo

Custando a despertar


Sem sono, faço café para o corpo se acostumar

Ao fim da noite

E ao lento passo pesado de um sol que não se anuncia

Mas sabemos que ele não depende de profecia

Para inundar sua amante, a Terra

Onde experimentamos viver uma eternidade

Enquanto cavam as trevas com o terror de suas pás 


Teremos paz

Alguns segundos antes de amanhecer


Nei Duclós

19 de março de 2025

LUZ VIVA

 Nei Duclós 


Não vi a lua de sangue

Nem a chuva de meteoros

Não vi a aurora boreal

Nem Ovnis em Nova York

Desconheço os annunaki, e os sumérios 

Acho as pirâmides um saco e sua ausência de sarcófagos

Por mim todos os arqueólogos

Que querem reescrever a História 

Deveriam fazer cinema

Junto com Harrisson Ford


Não acredito que estrelas

Sejam apenas luz morta

A ciência é cega e o poema

É tudo o que nos resta


Nei Duclós

17 de março de 2025

MALABARISMOS

 Nei Duclós 


Jogo de palavras

Não garante o poema

Aproximar as sílabas de significados opostos

Equilibrar sintonias como os pratos no circo

Ou malabarismos de trapezista


Tudo isso já foi tentado

Pelos mestres do ofício 

Que desistiram e voltaram para o verbo cru da poesia 


A modernidade é  um equívoco

Sempre voltamos ao verbo básico

Canteiro de madressilvas


Pode haver

Mas arte dispensa estrepolias


Nei Duclós

11 de março de 2025

RUMO

Nei Duclós 


Mal começou e já acabou o dia

Não há surpresa na aposentadoria

O mesmo rumo de manhã à noite 

A espera de algo há muito prometido


Não é a mocidade, que não tem rodízio

Nem a sorte grande, na mão dos bandidos

Talvez um temporal que varra o clima

Ou uma reviravolta na política


Saudade do tempo em que fui para a rua

Somando vocação com chuva de granizo

Quem sabe possa voar como um peregrino

De mochila e um farnel para certa ocasião


Acampar no futuro enquanto há saúde

Ter um coração e teu gesto de doçura


Nei Duclós

9 de março de 2025

ENROSCO

 Nei Duclós 


Molhou os olhos e não era choro

Era além do gozo, água de fogo

Que um soluço extraía do fôlego 

Que era curto circuito, bruto joio

Paz com remorso sem recursos

Pedindo mais cheia de vergonha


Era lágrima fora de sua fonte

Gosto de amor e nenhum decoro

Eu sabia que eras louca

Mas fiquei surpreso diante do sopro

E o que era soco virou enrosco

Lago de sonho, teu rosto de uma dor sem nome

Escândalo, esporro

Navio invadindo o porto


Nei Duclós

5 de março de 2025

ACHO POUCO

 Nei Duclós 


Acho pouco a devassa que faço 

Com a palavra que rasga, a impiedade 

Tida como literatura 

E é só vizinhança do romper da aurora


Acho pouco e jogo fora

Tudo o que sei e ignoro

Fico preso à dor de ser teu protetor e algoz

Ao meu grude sedento de flor

Que por culpa sua e arte maior 

Esse amor evapora e se refaz em nuvem de verão 

Chuva que não vem mas te molha


Nei Duclós