22 de março de 2025

PAZ

 Nei Duclós 


Pássaros fazem algazarra às cinco da manhã 

Quando ainda está escuro

E a tímida claridade continua no ovo

Custando a despertar


Sem sono, faço café para o corpo se acostumar

Ao fim da noite

E ao lento passo pesado de um sol que não se anuncia

Mas sabemos que ele não depende de profecia

Para inundar sua amante, a Terra

Onde experimentamos viver uma eternidade

Enquanto cavam as trevas com o terror de suas pás 


Teremos paz

Alguns segundos antes de amanhecer


Nei Duclós

19 de março de 2025

LUZ VIVA

 Nei Duclós 


Não vi a lua de sangue

Nem a chuva de meteoros

Não vi a aurora boreal

Nem Ovnis em Nova York

Desconheço os annunaki, e os sumérios 

Acho as pirâmides um saco e sua ausência de sarcófagos

Por mim todos os arqueólogos

Que querem reescrever a História 

Deveriam fazer cinema

Junto com Harrisson Ford


Não acredito que estrelas

Sejam apenas luz morta

A ciência é cega e o poema

É tudo o que nos resta


Nei Duclós

17 de março de 2025

MALABARISMOS

 Nei Duclós 


Jogo de palavras

Não garante o poema

Aproximar as sílabas de significados opostos

Equilibrar sintonias como os pratos no circo

Ou malabarismos de trapezista


Tudo isso já foi tentado

Pelos mestres do ofício 

Que desistiram e voltaram para o verbo cru da poesia 


A modernidade é  um equívoco

Sempre voltamos ao verbo básico

Canteiro de madressilvas


Pode haver

Mas arte dispensa estrepolias


Nei Duclós

11 de março de 2025

RUMO

Nei Duclós 


Mal começou e já acabou o dia

Não há surpresa na aposentadoria

O mesmo rumo de manhã à noite 

A espera de algo há muito prometido


Não é a mocidade, que não tem rodízio

Nem a sorte grande, na mão dos bandidos

Talvez um temporal que varra o clima

Ou uma reviravolta na política


Saudade do tempo em que fui para a rua

Somando vocação com chuva de granizo

Quem sabe possa voar como um peregrino

De mochila e um farnel para certa ocasião


Acampar no futuro enquanto há saúde

Ter um coração e teu gesto de doçura


Nei Duclós

9 de março de 2025

ENROSCO

 Nei Duclós 


Molhou os olhos e não era choro

Era além do gozo, água de fogo

Que um soluço extraía do fôlego 

Que era curto circuito, bruto joio

Paz com remorso sem recursos

Pedindo mais cheia de vergonha


Era lágrima fora de sua fonte

Gosto de amor e nenhum decoro

Eu sabia que eras louca

Mas fiquei surpreso diante do sopro

E o que era soco virou enrosco

Lago de sonho, teu rosto de uma dor sem nome

Escândalo, esporro

Navio invadindo o porto


Nei Duclós

5 de março de 2025

ACHO POUCO

 Nei Duclós 


Acho pouco a devassa que faço 

Com a palavra que rasga, a impiedade 

Tida como literatura 

E é só vizinhança do romper da aurora


Acho pouco e jogo fora

Tudo o que sei e ignoro

Fico preso à dor de ser teu protetor e algoz

Ao meu grude sedento de flor

Que por culpa sua e arte maior 

Esse amor evapora e se refaz em nuvem de verão 

Chuva que não vem mas te molha


Nei Duclós

25 de fevereiro de 2025

CORINGA

 Nei Duclós 


Agora nada faz sentido

A morte apaga o ser infinito

E o corpo em decúbito não vibra

E perdes até a memória de um dia ter vivido


A terra aguarda a sobra do espírito 

E quem te ama se afasta como um cachorro

E o que foi dito não grita

O silêncio a tudo reduz como um tiro definitivo

Nada medra depois do estampido 

E escutas que és triste como as palavras proferidas no crepúsculo 


Aqui me tens, Deus sem misericórdia 

Nasci para este momento de despedida

E a única fé é minha teimosia

Que chamam de resistência mas é só a alegria de saber fazer um poema 

Quando o amor prova ser o coringa

Ao dar as cartas para que o jogo mau se desmoralize


Nei Duclós

14 de fevereiro de 2025

RENASCIDAS

 Nei Duclós 


Não me vendi

Por isso fui ignorado

Pelas proparoxítonas

Os cânones, os trâmites, os frêmitos


Ganhei a liberdade do exílio 

Exerço outro ofício 

O da letra morta que ressuscito


Ninguém compra

Mas é bonito vê-las trôpegas recém renascidas

Em direção ao mar


Nei Duclós

9 de fevereiro de 2025

JARDIM

 Nei Duclós 


Fui podando o entorno

Como se poda a roseira

Flores mortas na cruz de madeira

Até atingir o osso, a flor verdadeira 


A fé onde nada excede, pés de Nossa Senhora 

Que pena, disseram os colegas

Eras autêntico, agora um jardineiro

É falso esse passo descalço 


Convicto, nem respondo 

Já afiei a tesoura


Nei Duclós

7 de fevereiro de 2025

CICATRIZ

 Nei Duclós 


Minha arte cala quando consente

Por isso rala onde mata o tempo

Assim reduz o coro dos contentes 

E fica firme como raiz ao vento


Era para cansar tanto sofrimento 

Mas a poesia não vem a passeio

Acampa se houver tiroteio


Quando dizem você tem sorte

Mostro a cicatriz dos ferimentos 

Nasci torto, no canto me indireito


Nei Duclós

6 de fevereiro de 2025

ESTRELA

 Nei Duclós 


Não há vantagem em dizer o que penso

Perco tempo, perco dinheiro

Antigas amizades vão para o brejo


A solidão da consciência 

O exílio da diferença 


Vantagem faz falta mas não me atrevo

Calar o que grita aqui dentro 

Nada paga essa esgrima violenta


Não sei se sigo, estrela cadente


Nei Duclós

5 de fevereiro de 2025

SOBREVIVER

 Nei Duclós 


Respeito aos mais velhos é honrar o que você desconhece

Esse trecho de tempo que está no comando

Essa pele riscada por desavenças 

Esse passo exausto de andar e já não anda 

Essa boca murcha, esse olhar de sombra

Essa voz sem razão que aconselha o medo


Não porque você um dia chegará lá, porque não chega

Vidas perdidas foram a última chance

Mas porque você prefere esquecer o que jamais lembra

Que pretende ser o que ninguém é, um gigante

Pois tudo escorrega no alto da montanha

E somos água corrente em cachoeira

E jamais saberemos o que é sobreviver

Quando tudo está morto


Nei Duclós

1 de fevereiro de 2025

LICENÇA

 Nei Duclós 


Licença poética não existe.

Poesia não pede licença.

Poesia é seu próprio canal.

Mora em si mesma.

Cultiva um punhal

Com raízes de espuma

Água do verbo seminal


Tem o poeta, que cuida do jardim.

E oferece os frutos do pomar.

O amor que medra no quintal


Nei Duclós

27 de janeiro de 2025

MISSÃO

 Nei Duclós 


A nós cabe cumprir as profecias

E não profetizar, como os fundadores 


Fora do cânone somos o que chamaram de esperança 

Confiando no futuro

Como se o porvir já estivesse pronto 


Ficamos com a parte mais difícil 

Herdar certezas que não fazem mais sentido 

E lavrar a terra bruta que nos legaram entre espinhos 


Temos poucas mãos 

para essa missão de manter o mundo

Mesmo depois de destruído


Nei Duclós

23 de janeiro de 2025

LIMITE

 Nei Duclós 


De você não quero nada

De você, amiga

De você irmão, amada

Das promessas, asas, falas 


De ti, destino

De você, futuro

De mim, mendigo


Não é cansaço, apenas digo

Uso o fruto da palavra

Nada demais

Depois de tanta vida

Antes do tempo surdo


Não espero, não consigo 

Não carrego compromisso

Sou meu limite

Esse porte de arma

Esse pote de arco-íris


Nei Duclós

19 de janeiro de 2025

ALVENARIA

 Nei Duclós 


Não discordei de quem me considera

Poderia ser desaforo, mas não era

Apenas meu jeito de ficar na cela

A remoer opiniões que não libero 


Quisera ser outra pessoa 

Não esta fera

Sem compromisso

De agradecer por permanecer vivo

Chutar o balde, dizer isso e mais aquilo

Será que essa decisão me aliviaria?


Difícil conjugar o verbo na alvenaria

Da gramática bruta e frases de granito

Escolho as vogais, letras do espírito 

Vozes do que serei, mais ou menos dia


Nei Duclós

17 de janeiro de 2025

PASSA PASSARÁ

 Nei Duclós 


Pássaro é o amor que canta

Não o que virá

Mas o que se apresenta 

Voz de outras bandas

Plumas ao vento


Pássaro é no fio um pouso

Ninho de galhos tortos

Saliva no barro podre 

Água que cabe no bico

Cisco para o almoço 


Pássaro é corpo, é coro

Que joga na janela

Uma flor, só de retoço 

Te convida para o voo

Não vais, e parece nojo

Mas é que também passas

Para não ficar à toa


Pássara, esse é o assombro 

Pintada de branco e roxo


Nei Duclós 

9 de janeiro de 2025

DESAPAREÇO

 Nei Duclós 


Não posso recusar tua presença 

Que veio do amor e hoje é doença 

Teu corpo feito de promessa

Olhar que inunda e fere como lança 


Dizer eu te amo tem controvérsia

Sou súdito anônimo, mísero poeta

Diante da deusa sumo de vista

Fica o perfume de um coração exausto


Nei Duclós

8 de janeiro de 2025

PROMESSA

 Nei Duclós 


Quisera dar esperança 

Mas isso não me pertence

Nada que eu tenho te alcança 

Exceto doses de espanto 

Precária flor da alma tensa


O que eu sou não te resolve

Não propõe força e confiança 

Frágil som de muda banda

Corpo exausto em fé humana


Mas o que tens me complementa 

O que és impede o tombo

Vens de longe como um vento 

Gerado em firme promessa


Nei Duclós

6 de janeiro de 2025

ESPERANÇA

 Nei Duclós 


O mundo derreteu aos nossos olhos

Os heróis se revelaram patifes

E o que era vasto

Tornou-se mesquinho


Tínhamos presença nessa época

E o respeito, que se desvaneceu


O maior crime foi a palavra

Que apodreceu dentro de nós 


E o amor tornado inútil

Depois que você partiu

Dos meus espaços 


Só a esperança permaneceu

Como cão que guarda a alma

De quem o alimentou


Nei Duclós

28 de dezembro de 2024

VAZIO

 Nei Duclós 


Toda hora morre alguém 

Perda geral permanente 

Foto na linha do tempo

Lembrança junto com o choro 


Filho que se vai cedo

Avô cada vez mais seco

Amigo que migrou para longe

Cônjuge em bodas de cinzas


Toda hora morre alguém

Deixa um vazio sem sossego

Vivemos rumo ao desfecho

Deus assiste no deserto


Nei Duclós

23 de dezembro de 2024

A POSTOS

 Nei Duclós 


A vida é indiferença e esquecimento

Indefinivel momento

Entre a perda e o ganho


Só da palavra apanha

Do orgasmo para o remorso


A vida está a postos

Componha


Nei Duclós

20 de dezembro de 2024

IDADE

 Nei Duclós 


Mocidade é provisória 

Nascemos para ficar velhos


A velhice é a idade permanente

Que se anuncia em pânico no cabelo branco

Depois chupa o corpo como uva passa

E passa rasteira no passo


É eterna a terceira idade 

Dar milho aos pombos ao sol do inverno

E quando tiver sorte, lembrar


Não saímos dela

Nossos fantasmas não exibem o que fomos

Antes expressam a mão pesada do tempo

Sobre nossa vaidade


Nei Duclós

17 de dezembro de 2024

ESPERA

 Nei Duclós 


Só cuido da tua beleza, do resto abri mão 

Teu talento desviado pela carreira 

Ficar sempre disponível para os marmanjos

Em cenas explícitas sem motivo

Teu andar de pistoleira nas franquias 

Teu ego excessivo no marketing da hora


Tua beleza permanece, esplêndido paradigma

É nela que eu visito sem pagar ingresso

Meu amor te espera pois tudo passa

E voltarás chorosa, gloriosa primavera


Nei Duclós

14 de dezembro de 2024

GALOPE

 Nei Duclós 


Vivi tanto e foi tão pouco

Chegar ao fim me apavora

Ouço o som de uma carroça 

Perdida no tempo, que ainda roda


Ela para em frente, na calçada 

Sou refém desse momento, fim de uma era

Em que estive presente, fazendo número

 

Sou o infante prometido ao trono

Que acaba no exilio, jogado fora


Pelo susto de perder o que tenho agora 

Que não é nada, mas me basta

Tremo sem pensar, esporas de um cavalo

Galopo num pampa ainda aberto


Um anjo me avisa, e chora 


Nei Duclós

7 de dezembro de 2024

QUEDA LIVRE

 Nei Duclós 


Caia nos meus braços 

Ave, pássara

Exausta do teu voo

Corpo de abandono

Rosto em pânico 


Cavaste o abismo

Que hoje te consome

Mas eu estou aqui

Insone


Caia de bruços

que eu seguro

Estendido arame

Onde plumas pousam


Caia nos meus braços 

Tecido de amores

Pérola dos ares

Em busca de uma concha


Que eu fecharei a boca

Em tuas grutas de assombro


Nei Duclós

28 de novembro de 2024

HUMANA

 Nei Duclós 


Todos estão preparados para a guerra

Mãos nos botões, dedos nos canhões

Gritos de horror em performances hostis 

Adultos e crianças, bombas e mísseis

Facas e socos em ruas e quintais 


O medo foi deixado para trás

Heróis saem das telas e invadem as redes sociais


Só tu é flor, humana doçura 

Corpo de amor, alma pura


Nei Duclós

BALDIO

 Nei Duclós 


Joguei fora o reconhecimento 

Se é que um dia houve entre os pares do reino 

Afrouxei os pinos do poema

Para que digam nunca foi bom mesmo


Assim podem dedicar-se aos outros

E viverem felizes para sempre


O que vale habita remoto terreno 

Mistura de sementes, restos de corais

Húmus onde medram exóticas espécies 

Sonho baldio de abandonada estrela 

Nome esquecido, identidade secreta 


Nei Duclós

27 de novembro de 2024

LÁ EM CIMA

 Nei Duclós 


Como é bom deixar que vivam

E eu ficar à margem

Sem participar dos conflitos 

A estação é a minha viagem


Dizem ser sabedoria

Mas é conforto e chinelagem

Uma esperteza da idade

Exercer a camuflagem 


Abrir mão de tanta briga

Guardar sermão na bagagem

Ver se estou na esquina

Voltar só à meia noite


Sentar quando todos correm

Não colher nenhuma planta 

Deitar porque está lá em cima

Deixar passar o clima

Dormir porque não adianta 


Nei Duclós

LIMITES

Nei Duclós 


Leia o que está escrito

E não o que você pensa ou procura saber


O que está dito

E não a sua intenção 


O que complica

E não açúcar com mamão 


O que alguém publica

E não o que você adivinha 


Dentro de alheios limites 

E não tua vocação 


Leia o continente, não o conteúdo.


Nei Duclós