14 de fevereiro de 2025

RENASCIDAS

 Nei Duclós 


Não me vendi

Por isso fui ignorado

Pelas proparoxítonas

Os cânones, os trâmites, os frêmitos


Ganhei a liberdade do exílio 

Exerço outro ofício 

O da letra morta que ressuscito


Ninguém compra

Mas é bonito vê-las trôpegas recém renascidas

Em direção ao mar


Nei Duclós

9 de fevereiro de 2025

JARDIM

 Nei Duclós 


Fui podando o entorno

Como se poda a roseira

Flores mortas na cruz de madeira

Até atingir o osso, a flor verdadeira 


A fé onde nada excede, pés de Nossa Senhora 

Que pena, disseram os colegas

Eras autêntico, agora um jardineiro

É falso esse passo descalço 


Convicto, nem respondo 

Já afiei a tesoura


Nei Duclós

7 de fevereiro de 2025

CICATRIZ

 Nei Duclós 


Minha arte cala quando consente

Por isso rala onde mata o tempo

Assim reduz o coro dos contentes 

E fica firme como raiz ao vento


Era para cansar tanto sofrimento 

Mas a poesia não vem a passeio

Acampa se houver tiroteio


Quando dizem você tem sorte

Mostro a cicatriz dos ferimentos 

Nasci torto, no canto me indireito


Nei Duclós

6 de fevereiro de 2025

ESTRELA

 Nei Duclós 


Não há vantagem em dizer o que penso

Perco tempo, perco dinheiro

Antigas amizades vão para o brejo


A solidão da consciência 

O exílio da diferença 


Vantagem faz falta mas não me atrevo

Calar o que grita aqui dentro 

Nada paga essa esgrima violenta


Não sei se sigo, estrela cadente


Nei Duclós

5 de fevereiro de 2025

SOBREVIVER

 Nei Duclós 


Respeito aos mais velhos é honrar o que você desconhece

Esse trecho de tempo que está no comando

Essa pele riscada por desavenças 

Esse passo exausto de andar e já não anda 

Essa boca murcha, esse olhar de sombra

Essa voz sem razão que aconselha o medo


Não porque você um dia chegará lá, porque não chega

Vidas perdidas foram a última chance

Mas porque você prefere esquecer o que jamais lembra

Que pretende ser o que ninguém é, um gigante

Pois tudo escorrega no alto da montanha

E somos água corrente em cachoeira

E jamais saberemos o que é sobreviver

Quando tudo está morto


Nei Duclós

1 de fevereiro de 2025

LICENÇA

 Nei Duclós 


Licença poética não existe.

Poesia não pede licença.

Poesia é seu próprio canal.

Mora em si mesma.

Cultiva um punhal

Com raízes de espuma

Água do verbo seminal


Tem o poeta, que cuida do jardim.

E oferece os frutos do pomar.

O amor que medra no quintal


Nei Duclós

27 de janeiro de 2025

MISSÃO

 Nei Duclós 


A nós cabe cumprir as profecias

E não profetizar, como os fundadores 


Fora do cânone somos o que chamaram de esperança 

Confiando no futuro

Como se o porvir já estivesse pronto 


Ficamos com a parte mais difícil 

Herdar certezas que não fazem mais sentido 

E lavrar a terra bruta que nos legaram entre espinhos 


Temos poucas mãos 

para essa missão de manter o mundo

Mesmo depois de destruído


Nei Duclós

23 de janeiro de 2025

LIMITE

 Nei Duclós 


De você não quero nada

De você, amiga

De você irmão, amada

Das promessas, asas, falas 


De ti, destino

De você, futuro

De mim, mendigo


Não é cansaço, apenas digo

Uso o fruto da palavra

Nada demais

Depois de tanta vida

Antes do tempo surdo


Não espero, não consigo 

Não carrego compromisso

Sou meu limite

Esse porte de arma

Esse pote de arco-íris


Nei Duclós

19 de janeiro de 2025

ALVENARIA

 Nei Duclós 


Não discordei de quem me considera

Poderia ser desaforo, mas não era

Apenas meu jeito de ficar na cela

A remoer opiniões que não libero 


Quisera ser outra pessoa 

Não esta fera

Sem compromisso

De agradecer por permanecer vivo

Chutar o balde, dizer isso e mais aquilo

Será que essa decisão me aliviaria?


Difícil conjugar o verbo na alvenaria

Da gramática bruta e frases de granito

Escolho as vogais, letras do espírito 

Vozes do que serei, mais ou menos dia


Nei Duclós

17 de janeiro de 2025

PASSA PASSARÁ

 Nei Duclós 


Pássaro é o amor que canta

Não o que virá

Mas o que se apresenta 

Voz de outras bandas

Plumas ao vento


Pássaro é no fio um pouso

Ninho de galhos tortos

Saliva no barro podre 

Água que cabe no bico

Cisco para o almoço 


Pássaro é corpo, é coro

Que joga na janela

Uma flor, só de retoço 

Te convida para o voo

Não vais, e parece nojo

Mas é que também passas

Para não ficar à toa


Pássara, esse é o assombro 

Pintada de branco e roxo


Nei Duclós 

9 de janeiro de 2025

DESAPAREÇO

 Nei Duclós 


Não posso recusar tua presença 

Que veio do amor e hoje é doença 

Teu corpo feito de promessa

Olhar que inunda e fere como lança 


Dizer eu te amo tem controvérsia

Sou súdito anônimo, mísero poeta

Diante da deusa sumo de vista

Fica o perfume de um coração exausto


Nei Duclós

8 de janeiro de 2025

PROMESSA

 Nei Duclós 


Quisera dar esperança 

Mas isso não me pertence

Nada que eu tenho te alcança 

Exceto doses de espanto 

Precária flor da alma tensa


O que eu sou não te resolve

Não propõe força e confiança 

Frágil som de muda banda

Corpo exausto em fé humana


Mas o que tens me complementa 

O que és impede o tombo

Vens de longe como um vento 

Gerado em firme promessa


Nei Duclós

6 de janeiro de 2025

ESPERANÇA

 Nei Duclós 


O mundo derreteu aos nossos olhos

Os heróis se revelaram patifes

E o que era vasto

Tornou-se mesquinho


Tínhamos presença nessa época

E o respeito, que se desvaneceu


O maior crime foi a palavra

Que apodreceu dentro de nós 


E o amor tornado inútil

Depois que você partiu

Dos meus espaços 


Só a esperança permaneceu

Como cão que guarda a alma

De quem o alimentou


Nei Duclós

28 de dezembro de 2024

VAZIO

 Nei Duclós 


Toda hora morre alguém 

Perda geral permanente 

Foto na linha do tempo

Lembrança junto com o choro 


Filho que se vai cedo

Avô cada vez mais seco

Amigo que migrou para longe

Cônjuge em bodas de cinzas


Toda hora morre alguém

Deixa um vazio sem sossego

Vivemos rumo ao desfecho

Deus assiste no deserto


Nei Duclós

23 de dezembro de 2024

A POSTOS

 Nei Duclós 


A vida é indiferença e esquecimento

Indefinivel momento

Entre a perda e o ganho


Só da palavra apanha

Do orgasmo para o remorso


A vida está a postos

Componha


Nei Duclós

20 de dezembro de 2024

IDADE

 Nei Duclós 


Mocidade é provisória 

Nascemos para ficar velhos


A velhice é a idade permanente

Que se anuncia em pânico no cabelo branco

Depois chupa o corpo como uva passa

E passa rasteira no passo


É eterna a terceira idade 

Dar milho aos pombos ao sol do inverno

E quando tiver sorte, lembrar


Não saímos dela

Nossos fantasmas não exibem o que fomos

Antes expressam a mão pesada do tempo

Sobre nossa vaidade


Nei Duclós

17 de dezembro de 2024

ESPERA

 Nei Duclós 


Só cuido da tua beleza, do resto abri mão 

Teu talento desviado pela carreira 

Ficar sempre disponível para os marmanjos

Em cenas explícitas sem motivo

Teu andar de pistoleira nas franquias 

Teu ego excessivo no marketing da hora


Tua beleza permanece, esplêndido paradigma

É nela que eu visito sem pagar ingresso

Meu amor te espera pois tudo passa

E voltarás chorosa, gloriosa primavera


Nei Duclós

14 de dezembro de 2024

GALOPE

 Nei Duclós 


Vivi tanto e foi tão pouco

Chegar ao fim me apavora

Ouço o som de uma carroça 

Perdida no tempo, que ainda roda


Ela para em frente, na calçada 

Sou refém desse momento, fim de uma era

Em que estive presente, fazendo número

 

Sou o infante prometido ao trono

Que acaba no exilio, jogado fora


Pelo susto de perder o que tenho agora 

Que não é nada, mas me basta

Tremo sem pensar, esporas de um cavalo

Galopo num pampa ainda aberto


Um anjo me avisa, e chora 


Nei Duclós

7 de dezembro de 2024

QUEDA LIVRE

 Nei Duclós 


Caia nos meus braços 

Ave, pássara

Exausta do teu voo

Corpo de abandono

Rosto em pânico 


Cavaste o abismo

Que hoje te consome

Mas eu estou aqui

Insone


Caia de bruços

que eu seguro

Estendido arame

Onde plumas pousam


Caia nos meus braços 

Tecido de amores

Pérola dos ares

Em busca de uma concha


Que eu fecharei a boca

Em tuas grutas de assombro


Nei Duclós

28 de novembro de 2024

HUMANA

 Nei Duclós 


Todos estão preparados para a guerra

Mãos nos botões, dedos nos canhões

Gritos de horror em performances hostis 

Adultos e crianças, bombas e mísseis

Facas e socos em ruas e quintais 


O medo foi deixado para trás

Heróis saem das telas e invadem as redes sociais


Só tu é flor, humana doçura 

Corpo de amor, alma pura


Nei Duclós

BALDIO

 Nei Duclós 


Joguei fora o reconhecimento 

Se é que um dia houve entre os pares do reino 

Afrouxei os pinos do poema

Para que digam nunca foi bom mesmo


Assim podem dedicar-se aos outros

E viverem felizes para sempre


O que vale habita remoto terreno 

Mistura de sementes, restos de corais

Húmus onde medram exóticas espécies 

Sonho baldio de abandonada estrela 

Nome esquecido, identidade secreta 


Nei Duclós

27 de novembro de 2024

LÁ EM CIMA

 Nei Duclós 


Como é bom deixar que vivam

E eu ficar à margem

Sem participar dos conflitos 

A estação é a minha viagem


Dizem ser sabedoria

Mas é conforto e chinelagem

Uma esperteza da idade

Exercer a camuflagem 


Abrir mão de tanta briga

Guardar sermão na bagagem

Ver se estou na esquina

Voltar só à meia noite


Sentar quando todos correm

Não colher nenhuma planta 

Deitar porque está lá em cima

Deixar passar o clima

Dormir porque não adianta 


Nei Duclós

LIMITES

Nei Duclós 


Leia o que está escrito

E não o que você pensa ou procura saber


O que está dito

E não a sua intenção 


O que complica

E não açúcar com mamão 


O que alguém publica

E não o que você adivinha 


Dentro de alheios limites 

E não tua vocação 


Leia o continente, não o conteúdo.


Nei Duclós

ALERTA

 Nei Duclós 


Ao primeiro sinal de desconforto tome providências 

Levante, ande, obedeça


Não que você precise ficar sempre a pampa

Apenas leia os sinais da sobrevivência 


Escute a voz do Minuano

Ele conhece o inverno, tem experiência 

E carrega um acervo das guerras do Prata


Fique alerta, vigia de Esparta

Aja com o máximo de paciência 


Nei Duclós

PROMETEU

 Nei Duclós 


O que você fez de certo ou errado 

Te assombra por todo lado

As rimas que entregaste

Os amores partidos

As viagens

Os passos nas tardes

Teu coração com pressa

Tua preguiça


Você está imobilizado

É o fogo que doaste, tua fama e honra

que te come o fígado 


Só o destino cumpre a promessa do Prometeu acorrentado


Nei Duclós

24 de novembro de 2024

NÃO CABIAS NO MAR

 Nei Duclós 


Não cabias no mar, luz do espanto. Todas as palavras sumiram com teu lance em direção a mim, coral submerso.


Querias aventura, só tenho sentimento. Talvez aprenda um dia a viagem do coração que finge indiferença.


Bateste o sapato na varanda. Tinhas ido ao pântano conversar com pássaros. Trouxeste um novo canto, que assobias no meu ouvido.


Perdoa o amor que dividimos. Não sei onde estávamos com a cabeça. Talvez no lugar mais perigoso, o coração.


Éramos dois, agora somos um. Ninguém diferencia rostos que se beijam.


Quando a Lua cheia se foi, deixou um rasgo no céu que tento consertar pondo o curativo do teu sonho.


O amor é uma experiência.

Depois passa. Dá lugar à auto-suficiência. É quando rimos dos sonetos e das frases românticas. E voltamos a ser a estalar os dedos. Até sangrarem noite adentro. 

 

Quando consentes posso ver, disse ele. Quando consinto, do verbo sentir, disse ela.


É bem vagarosa essa tua vontade de descer o que te protegia. Escaldada, talvez, de outros ritmos. Mas é possível que seja só o prazer de me ver te acompanhando até que tudo caia sobre o piso.


Demorei porque precisava reciclar minhas torres de marfim, arrumá-las para te receber. Agora sim, cruze a casa com tua saída de banho.


O céu é o piso da Lua. Cada lugar tem seu forro. A praia é para onde o sol se esconde atrás do morro.


Fazer poesia é fácil. Basta enfileirar algumas palavras. É como matar formigas. 


Nei Duclós

22 de novembro de 2024

PRESENÇA

 Nei Duclós 


Se deixo escapar perco para sempre

Não há segunda chance para o perdido verso

Minha presença curva o espaço tempo

Como um corpo celeste em movimento

Gera gravidade, os relacionamentos


Estudo distraído contemplando a primavera

Que chega friorenta e sem nenhum sentido

Passo com o tempo como navio mercante

Vazio nas viagens de volta


Não posso explicar, são cenas que se anulam

Misturadas a canções que grudam no ouvido

Tudo perde a importância, mas que ninguém saiba disso

Preciso ser aceito, fingir que eu acredito


Na sala de espera não disponho de caneta

E nem o celular vem ao meu auxilio

Escrevo na mente, que é para onde migra

O que desisto de ser pensamento


Nei Duclós

18 de novembro de 2024

MEDIDAS

 Nei Duclós 


Não sou grande nem pequeno

Sou medido por minha fome

Grudo no sonho como um druida

No mundo da lua me recomponho


Sou o que resta de um poema no prelo

Que ficará inédito 

Publiquem ao saberem que amo


Nei Duclós

16 de novembro de 2024

AUSENTE

 Nei Duclós 


Preencho com vida falsa a vida verdadeira

Que assim se calça em fungo na madeira


O que faz falta é  tua voraz presença 

Ausente, matas o que não tem preço 


Nei Duclós

DATAS

 Nei Duclós 


Passo lotado por todas as datas 

Cicatrizes da História no corpo do Tempo

Heróis e eventos em marcos eternos

Que todos esquecem mas nos feriados se lembram


Já me preocupei em lavrar testemunho 

Mas eu era moço e qualquer coisa serve

Dias inúteis fazem redemoinho 

E eis que a verdade súbito aparece 


É quando descobrimos que não existe milagre 

Os anos são sempre os mesmos e ninguém toma a Bastilha

A vida é uma ilha, cercada de adeus por todos os lados


Nei Duclós