Outubro
Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
6 de dezembro de 2025
DESCOMPASSO
Nei Duclós
Você está fora quando é moço
Depois passa do ponto ao durar muito
No meio do caminho aguardas o momento
Mas ele não chega, a não ser para os outros
Se os outros partem você é o sobrevivente
És convocado como testemunha coadjuvante
Não és o alvo mas a plateia errante
Teus dedos apontam para o horizonte
Onde brilha o sol da vida alheia
Assim te esquecem quando te lembram
Passas lotado pelo Tempo
Não nasceste Fulano, teu contemporâneo
Nei Duclós
NOIVADO NO BAILE
Nei Duclós
Pergunto por que a dança te conquista
Fazes questão de rodar pela pista
Com ritmo de passos repetidos
Será fantasia de uma relação perfeita
O encaixe fino entre corpos afins
Ou será o devaneio que isso provoca
De um amor nas nuvens, beijo na piscina?
Não, dizes com um meio sorriso
É só a oportunidade de não ser esquecida
Num baile onde o olhar das amigas
Me acham incapaz de uma valsa convicta
Se danço, me dizes
Posso depois contar que lá estive
No salão da paróquia em tempos felizes
Quando enfim desististe da solidão bruta
E me pediste, joelho no chão batido
Com um anel de noivado que a tua família
Te deu para que não fosse perdida
A mulher da tua vida, cavaleiro triste
Nei Duclós
28 de novembro de 2025
LANCE
Nei Duclós
Deus ajuda quem toma jeito
Combina sonho com suor, nuvem com poeira, amor com granito
Pólos opostos de obscura geografia
Que escapa aos olhos mas não ao sentimento
Modo de sobreviver em terra de conflitos
Guerra sem descanso, paz feita no grito
Deus também ajuda quem se dá o luxo
Na fuga pelo gosto da aventura
Não há deserto se o jejum ampara
E resiste ao assédio do mal pelos caminhos
Como posso saber se não tenho alcance?
Só a poesia não garante
Mas tenho um trunfo, o sopro dos anjos
Eles reportam o que pega neste lance
Nei Duclós
23 de novembro de 2025
ARTE AMIGA
Nei Duclós
Sou artista de rua
Produzo sinfonias
Com letras e sílabas
E algumas canções em parcerias
Depois passo o chapéu para quem vê a arte amiga
Não escolho esquina
Estou onde existe vida
Todo o tempo do mundo
Cabe na poesia
Nei Duclós
PLUMAS
Nei Duclós
Vida é perda
Aos poucos deixamos o que fomos inteiros
Cascas acumuladas pelos anos
Jazem inúteis pelo caminho
Ficamos leves como passarinhos
De alpiste colhido no tempo presente
Voamos em direção ao paraíso
Seres emplumados de perfil divino
Nei Duclós
19 de novembro de 2025
DOMÍNIO
Nei Duclós
Meu domínio da linguagem
É quando a linguagem me domina
Não que me sujeite
Aos seus limites
Mas por sintonia
Música
espiritual e física
São mãos postas
Em direção à fonte
Acima das nuvens
E que jorra entre nós
Cristalina
Nei Duclós
CONFRONTO
Nei Duclós
Procurei a palavra no fundo
Expulsa pelo tiroteio
Para iluminar a superfície
Lisa por fora e rota por dentro
Encontrei-a de coração batendo
Ainda viva com tanto esforço
Abandone o poema, me disse
Algo mais forte está te chamando
É uma voz de comando
Soprada pelo mar onde moram anjos
Aprume-se na solidão, destino humano
Arte é confronto, aperte o passo
Plena doçura da alma em pânico
Nei Duclós
IMPLICANTES
Nei Duclós
Ventos fortes são sinceros, devastam tudo o que vem pela frente. Usam armas como os tornados e contraem-se em espirais gigantescas. Mas os ventos fracos são só implicantes. Ao contário dos regulares alisios, ventos médios ordenados para a boa navegação a vela, os fracos adoram fechar as venezianas que insistimos em mantê-las abertas. São sorrateiros e se divertem derrubando coisas valiosas das mesas e prateleiras. Despenteiam a vaidade dos cabelos, gelados assombram corredores escuros e apagam ou atiçam o fogo quando querem prejudicar alguém.
Os objetos também são implicantes. Roupas antigas perseguem as novas se enredando na máquina de lavar. Meias somem no buraco negro. Chinelos perdem seu par, adotam manchas impossíveis de tirar, eletrodomésticos pifam no dia seguinte ao prazo de validade.
O que nos rodeia adquire hábitos humanos. Ou talvez seja apenas uma implicância pessoal.
Nei Duclós
ORAÇÃO
Nei Duclós
A cura são as palavras
Que encontras no sofrimento
O corpo é só um sintoma
A alma adoece primeiro
A vida é puro tormento
Se a reza não for de fé
A saúde é um privilégio
Que a forca do amor comanda
Valei-nos Nossa Senhora
No colo o Jesus menino
Que a devoção nos devolva
os tesouros do destino
Nei Duclós
SELVA ESCURA
Néi Duclós
Minha poesia existe enquanto eu ficar vivo
Depois de partir ela vai para o limbo
Lá onde nem os anjos lêem o que me sopraram no ouvido
Tanto escrito para acabar no exílio
Não é necessário compor uma obra
Que jaz esquecida em qualquer caminho
A não ser que eu cante sem esperar auxílio
Dos contemporâneos ou pósteros filhos
Cante anônimo como os passarinhos
Misturados às folhas de uma selva virgem
Intocada pela vaidade e o brilho
Selva escura de um remoto destino
Nei Duclós
VULCÃO
Nei Duclós
Terceira idade é quando tudo envelhece junto contigo
Os artistas de tantos momentos arrastam as correntes do tempo amarradas aos pés
Os amigos que sobreviveram não mais te reconhecem
Os fatos fundamentais tornaram-se obsoletos com as novas guerras
E as paisagens conhecidas perderam o sentido
A vida recolhe a sucata dos dias
E o desafio é manter-se ativo
Como a ameaça de um vulcão extinto
Que pode voltar a respirar lava na indiferente superfície
Nei Duclós
23 de setembro de 2025
SOBREVIVENTE
Nei Duclós
Sobrevivente é quem cuida do fogo
E o mantém aceso no acampamento
Leva os feridos para a enfermaria
E volta ao front
quando não há mais jeito
Às vezes os combatentes trazem más notícias
Recuamos corridos diante do inimigo
Melhor carregar o que sobrou consigo
Veterano ainda vivo mas não por muito tempo
Tem dias que a tropa volta quase ilesa
E canta vantagens com o rosto iluminado
E abraçam o cara que ficou de sobreaviso
Com dois cartuchos e só uma espingarda
E dizem aos gritos com sangue na farda
vencemos para sempre nosso anjo da guarda
Nei Duclós
TEOREMA
Nei Duclós
Não há problema
De longe é esfera
De perto é plana
Será impossível
Conceber esse teorema?
Colocar a redoma
No cosmo que se expande?
Extinguir assim o drama
Entre a Nasa e os mapas de argila?
Será preciso que se descubra
Algum hieróglifo
Ou pedra de Roseta
Que traga paz à mente inquieta?
Nei Duclós
DUPLA FACE
Nei Duclós
Por ser plana
A Terra desperta o pássaro na hora certa
E o Sol, holograma
Incide a luz na bruta treva
Por ser esfera
A estação completa
Se chama primavera
E redonda, rola eterna
Apaga a hedionda vez da vida breve
Nei Duclós
19 de setembro de 2025
Maquiavel é texto
MAQUIAVEL É TEXTO
Nei Duclós
Fiz várias notas sobre minha leitura de Maquiavel sem entender porque tem má fama. Descobri que o confundem com Política e História, mas ele é de outro departamento. Escritor profissional, sua arte é o Texto, de técnica invejável e performance de Mestre. Não joga letra fora e sacrifica a fama pela palavra precisa, cirúrgica para usar uma definição da moda.
Abordei trechos da sua magnifica História de Florença, que ele fez sob encomenda depois de ler tudo o que tinha sido publicado sobre o assunto. Destaquei esse trabalho apesar de ser O Príncipe sua obra mais famosa, que lhe deu a notoriedade de conselheiro do Mal, quando é um autor de máximas sobre a difícil atividade do poder.
Maquiavel é o máximo. O texto único. Seu retrato reforça a ideia de maquiavélico apertando os lábios e olhando de viés. Nada a ver com o cara que ninguém esquece não por ser astuto e dissimulado mas por ter apostado todas as fichas no que sabia fazer: escrever com o primor do gênio.
Nei Duclós
A seguir minhas leituras:
Um cidadão de Florença exorta os Senhores a combater a corrupção generalizada: "E ficai contentes em fazer isso agora, com a benevolência das leis, antes que os homens sintam necessidade de fazê-lo com os favores das armas".
Maquiavel nos conta.
Século XIV.
FAMÍLIAS NA ALTA IDADE MÉDIA
Familias poderosas, ricas, encasteladas e armadas, disputavam o poder nas cidades em conflito na longa e lenta derrocada do Imperio Romano. Está no DNA da Itália - que só se unificou no século 19 - essa balcanização reproduzida depois pelas máfias familiares (se é que não caio na sedução do anacronismo).
Havia inúmeros exemplos como os Visconti em Milão, os Médici em Florença, os Orsini em Roma, que brigavam nas disputas em Pisa, Lucca, Napoles, Veneza etc. Elas entravam no grande imbroglio em que os papas, com seus exércitos, enfrentavam os emissários do Império dividido entre Constantinopla e Roma. Participavam dos conflitos vários povos na Toscana, Lombardia e nos reinos que correspondem hoje à França, à Alemanha e à Hungria. Além das invasões e acordos com hunos, visigodos, ostrogodos.
Maquiavel ficou anos pesquisando esta história, patrocinado com recursos da politica, para produzir sua História de Florença. Que é uma História do mundo medieval. Livro assombroso pelas informações, os insights do autor e o estilo, de alta literatura.
A LEI É A BASE
Quando não há boas leis e ordenações, a nação oscila por periodos entre a servidão e a permissividade, e não entre a tirania e a liberdade, como se costuma pensar. Com um sistema legal eficiente o país não precisa ficar à mercê das virtudes ou vícios de quem está no poder. Assim pode ser livre, com vida firme e estável.
É o que diz Maquiavel na sua História de Florença.
O PÊNDULO DE MAQUIAVEL
Quando chega ao apogeu, a situação política gera o seu oposto, da perfeição da ordem à desordem e vice versa, segundo a dialética de Maquiavel:
" A virtude gera tranquilidade, a tranquilidade o ócio, o ócio a desordem, a desordem a ruína; e igualmente da ruína nasce a ordem, da ordem a virtude, e desta a glória e a prosperidade."
Pois "não está na natureza deste mundo o deter-se", diz Maquiavel no seu livro História de Florença.
MAQUIAVEL E A VITÓRIA
É preciso prudência no desejo de vitória e não levar o adversário ao desespero, pois quem não espera o bem não teme o mal e pode ficar muito mais perigoso. É uma das advertências de Maquiavel em sua Historia de Florença.
Há séculos milhares de estudiosos se debruçam na obra do autor de O Principe pela sua lucidez e pragmatismo político. Ele aconselha aos vitoriosos levar em consideração as contribuições dos vencidos para a vida na cidade e também o grau de tolerância na derrota, pois pode-se aturar perder o poder principal mas é intolerável ser expulso da própria pátria por ter perdido a batalha.
Maquiavel coloca também a dúvida dos vencedores: deve-se fazer concessões na lei para evitar a luta no futuro ou partir logo para o confronto, já que o inimigo, com sua soberba, nunca cede?
MAQUIAVEL E O PODER DO PAPA
Nada surge por acaso. O poder do Papa, segundo descrição de Maquiavel em sua História de Florença, cresce e se consolida na divisão e esvaziamento do Império Romano, que se repartiu entre Roma e Constantinopla - e chegou a ter outra capital, Ravena. Invadida em sua força, a cidade eterna tenta estabelecer linhas de poder pelo resto do território da Itália dividindo-se em ducados (que originou os duques, mais tarde substituídos ou somados pelos marqueses e viscondes, o que está na origem dos títulos nobiliárquicos) e tendo que negociar com inúmeros povos que os assediavam.
Como não há vazio na política, o Papa se tornou um importante interlocutor nesse imbroglio, chegando até a cruzar tropas inimigas para falar com o rei dos gauleses e conseguir apoio. Foi-lhe permitido pois havia respeito ao Pontífice Máximo, cargo oriundo da liderança religiosa do Império antes do catolicismo. Mas tudo isso custou caro. Vândalos, hunos, godos, ostrogodos, lombardos, gauleses etc. se estabeleceram nos seus territórios e enquanto o Império definhava o poder do Papa crescia até se tornar o todo poderoso medieval, quando a revolução Inglesa no século 17 começou sua derrocada. Mas até hoje há o carisma papal, apesar dos esforços do argentino em melar toda essa herança.
Maquiavel escreve maravilhosamente, embasado, com sólida argumentação. O cara.
16 de setembro de 2025
PAISAGENS
Nei Duclós
Releio quando só eu lembro
Do dito escrito no tempo
Quando era moço sem dar-me conta
O quanto passaria o mundo ao relento
Sina da vocação exercida por um tempo
Depois submerge nas águas do vento
Tudo se dissipa, o calor do momento
Fica o sal que resseca por dentro
Assim acontece e nada pode o corpo
Provisório soldado de uma guerra perdida
Assim é a vida, dizem os antigos
Com os olhos ainda doces de suas paisagens
Nei Duclós
14 de setembro de 2025
CONDOR
Nei Duclós
Esqueço você por vários dias
Porque sou um amor sem serventia
Não cultivo a flor nem o carinho
Prefiro a dor à poesia
Isso pode magoar, mulher bonita
Mas não há saída, beira do abismo
Nem voa o condor por puro vício
É uma vocação na pedra inscrita
Que é o meu coração, és fêmea da tribo
Conto contigo mesmo com a sina
De viver na solidão, prisão bandida
As palavras amarram e perco o fígado
Fogo de Prometeu, culpa de um crime
Esperas prudente na tua armadilha
Que teces no ar desta Odisséia
Sabes que eu pouso mesmo ferido
Em tuas mãos, mortal tecido
Onde me debato, cheio de vida
Nei Duclós
7 de setembro de 2025
OUVIDOR
Nei Duclós
Cada um tem tudo a dizer
Vozes simultâneas decidem por si
Você jaz calado nessa falsa manhã
Você nem escuta, a não ser
A água da fonte no amanhecer
Nei Duclós
4 de setembro de 2025
TODO POEMA É DE AMOR
Nei Duclós
Todo poema é de amor
Mesmo o que não completa
O seu ciclo vencedor
O que é dito em linha reta
Ou não carrega uma flor
Todo poema compete
Com espírito sofredor
Ao suspiro de almanaque
Ao que perde seu valor
Igual o feito para a guerra
De bandeira multicor
O que jamais se entrega
No adeus para não se expor
Todo poema repete
Seu destino trovador
Basta dizer com os versos
O que guardas com rancor
Porque o poema tem preço
Pago em moeda de sonho
Mesmo no tempo medonho
Todo poema é de amor
Nei Duclós
2 de setembro de 2025
O ÚNICO SENTIDO
Nei Duclós
Pergunto sem disciplina
Já que não estudei a vã filosofia
Mas costumo cair na sua armadilha:
Se a morte é certa
Para que a vida?
Se o futuro da existência é o abismo
Perder pessoas queridas ou experimentar o terror do fim em cada esquina?
Não invocarei a auto ajuda
Os livros comerciais de falso auxílio
Que prega o conformismo como estilo
Nem me revoltarei, de nada adianta
Consertar o mundo cheio de apetite
Pela devastação em massa de quem pasta
No campo comum do gado humano
Continuo com a pergunta
Talvez o único sentido
Seja plantar amor antes que nos destruam
O trabalho é conseguir as mudas
Buscar terreno propício
Em teu corpo remoto e perdido
De musa que me inspira
Nei Duclós
31 de agosto de 2025
SEGREDO
Nei Duclós
Há segredo quando é pecado
E as atenções vão para outro lado
E agimos indiferentes aos
cuidados
Porque o desejo é mais forte dentro
Do que em tosco território
Não somos flagrados com a cara de paisagem
A não ser pela besteira de uma fala
Quando dás bandeira cansada dos olhares
Que a desconfiança plantou em nosso agarro
Confessas, achando que está limpo
O espaço que cavamos em nossa volta
Mas é uma armadilha, beldade sem reparos
Estavas proibida com teu rosto raro
E o corpo que é um arraso e por motivos misteriosos
Era prometido para o crime organizado
Ou talvez um príncipe de cabelos sedosos
Eu sou carta fora do baralho
Por isso avancei a mão com mais coragem
Hoje cresceste e sentes falta
Do que ocultamos na louca e tenra idade
Nei Duclós
25 de agosto de 2025
REGISTROS
Nei Duclós
Escrevo escondido para ninguém saber o que eu digo.
Minha literatura sofre de insônia . Durmo na poesia.
Publiquei quando decretaram a morte dos livros.
Viver é uma atividade irreconhecível.
Lembro só o que não repito.
Cobro de mim as dívidas que ainda não contraí.
Perdi o momento certo porque não era divertido.
Aprendi quando deixei a lição de lado.
Caminho em oposição à ventania.
Exagerei na loucura ao fingir que estava vivo.
Confesso que voltei quando deveria ir.
A palavra é o principal disfarce.
Nei Duclós
24 de agosto de 2025
CONVÍVIO
Nei Duclós
É difícil o convívio
O que você diz contradizem
O que você fez duvidam
O que lembra não é bem assim
Se você concorda implicam
Se fala sério debocham
E nunca entendem uma ironia
Treinam você para ficar sozinho
Evitar conflito
para não correr perigo
E não se trata de ditadura, política
Mas de sobreviver no mesmo lotado abrigo
Onde falta dinheiro, falta comida
É estranhar quem se aproxima
Bater de frente e oferecer espinhos
Vocação de criatura arrependida
De ser humana
Natureza esquecida
Nesse clima o amor é palavra vazia
Sobra só o sentimento
De pertencer a uma flor profunda
A que cultivamos no exílio
Nei Duclós
Imagem enviada por Alitta Reis .
23 de agosto de 2025
IMPTOVISO
Nei Duclós
Às vezes é colo
Outras contra a parede
Cama improvisada na areia
Gente embolada na rede
A fantasia manobra o desejo
Perto, longe, ou fora do tempo
Por baixo da roupa
Ou com a roupa mesmo
Tudo acontece em segredo
Faz de conta que é normal teu biquini mínimo
Não se fala disso nas rodas carentes
Pode também ser explicito
ou tudo entre quatro paredes
Às vezes de vidro transparente
Mas é onde mora o desassossego
Somos reféns do prazer intenso
Desde pequenos até a hora extrema
Nei Duclós
22 de agosto de 2025
RELÓGIOS
Nei Duclós
Não abracei o poema épico
O de convocação e bandeiras
Adotei o poema lírico
Até o amor fazer agua
Evitei a vanguarda de transgressão e inventos
Por ser fiel à minha vocação silábica
Não cultivei a poesia seca
A engenharia civil do verbo enxuto
Fugi do poema de autoajuda
Pois cada leitor sabe dos seus erros
Não compactuei com versos mínimos
Vindo de outros continentes
Visitei o parnaso e o simbolismo
E tentei voar como os condores
A tudo passei ao largo
Pois só havia palavras
Areia fina nos relógios do Tempo
Nei Duclós
19 de agosto de 2025
ENIGMAS
Nei Duclós
Minha experiência não tem voz. Fiquei mudo.
Desapareço como campo de trigo não amadurecido.
Recuso o reconhecimento, cereja no bolo amanhecido, que não veio, como os amores sonhados em travesseiros antigos.
Essa foi minha sina, companheiro de infortúnio.
Somos como pedras irremovíveis, que sugerem enigmas para o futuro.
Nei Duclós
17 de agosto de 2025
BEM CAPAZ
Nei Duclós
Fui capaz de tudo
Morar sem ter abrigo
Casar no desemprego
Decidir pelo desvio
Impor mancha em currículo
Viver no desperdício
Cair só pelo vício
Andar em precipício
Fui bem capaz de tudo
Pegar carona em caminhão
Calçar coturnos no pampa
De jeans em baile granfino
Terno limpo em pescaria
De linho quando estava frio
Fugir de alguns municipios
Cansar porque dá preguiça
Hoje não sou capaz de nada
A não ser fazer café
Sem ter dinheiro para isso
Nei Duclós
16 de agosto de 2025
OFÍCIO
Nei Duclós
Não preciso fazer nada
Todos já fizeram o serviço
Derrubaram o governo
Prenderam os bandidos
Invadiram o infinito
Recuperaram o deserto
São médicos
engenheiros estadistas
Viveram sem limites
Casaram com as estrelas
Ficaram ricos
A mim cabe apenas a poesia
A que não tem cacife
E serve só para exercer o ofício
De oferecê-la em forma de flor
Para teu olhar triste
Nei Duclós
10 de agosto de 2025
CHANCE
Nei Duclós
Ninguém viveu o suficiente
Todos querem pular do barco de Caronte
Casar desta vez com a bailarina
Ou namorar na praça Barão do Rio Branco
Terminar o curso de Jornalismo
E não cair nas garras dos farsantes
Viajar para a França
Candidatar-se à Presidência
Para evitar o governo analfabeto
Somar ao já feito novas esperanças
Jamais perder um filho
E conviver com os pais ainda vivos
Amar sem arrepender-se
Querer o que é certo
E não desperdiçar a idade em desavenças
Ser professor de crianças
E aluno atento às mudanças
Ninguém perde por esperar a chance
De driblar a morte, meu amor
Só por um instante
Na duração de um beijo na boca da princesa
Nei Duclós
FERIDO
Nei Duclós
Fui ferido pela lua
Grua no céu noturno
Clima de uma loucura
Sem estrelas no veludo
Atingiu-me como um tiro
Neste agosto sem saída
Avisou-me de algo vivo
Talvez amor, quem diria
Esparramei pela rua
A luz que ganhei aflito
Virei cidadão contrito
Na pobreza desta rima
Nei Duclós
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