20 de dezembro de 2024

IDADE

 Nei Duclós 


Mocidade é provisória 

Nascemos para ficar velhos


A velhice é a idade permanente

Que se anuncia em pânico no cabelo branco

Depois chupa o corpo como uva passa

E passa rasteira no passo


É eterna a terceira idade 

Dar milho aos pombos ao sol do inverno

E quando tiver sorte, lembrar


Não saímos dela

Nossos fantasmas não exibem o que fomos

Antes expressam a mão pesada do tempo

Sobre nossa vaidade


Nei Duclós

17 de dezembro de 2024

ESPERA

 Nei Duclós 


Só cuido da tua beleza, do resto abri mão 

Teu talento desviado pela carreira 

Ficar sempre disponível para os marmanjos

Em cenas explícitas sem motivo

Teu andar de pistoleira nas franquias 

Teu ego excessivo no marketing da hora


Tua beleza permanece, esplêndido paradigma

É nela que eu visito sem pagar ingresso

Meu amor te espera pois tudo passa

E voltarás chorosa, gloriosa primavera


Nei Duclós

14 de dezembro de 2024

GALOPE

 Nei Duclós 


Vivi tanto e foi tão pouco

Chegar ao fim me apavora

Ouço o som de uma carroça 

Perdida no tempo, que ainda roda


Ela para em frente, na calçada 

Sou refém desse momento, fim de uma era

Em que estive presente, fazendo número

 

Sou o infante prometido ao trono

Que acaba no exilio, jogado fora


Pelo susto de perder o que tenho agora 

Que não é nada, mas me basta

Tremo sem pensar, esporas de um cavalo

Galopo num pampa ainda aberto


Um anjo me avisa, e chora 


Nei Duclós

7 de dezembro de 2024

QUEDA LIVRE

 Nei Duclós 


Caia nos meus braços 

Ave, pássara

Exausta do teu voo

Corpo de abandono

Rosto em pânico 


Cavaste o abismo

Que hoje te consome

Mas eu estou aqui

Insone


Caia de bruços

que eu seguro

Estendido arame

Onde plumas pousam


Caia nos meus braços 

Tecido de amores

Pérola dos ares

Em busca de uma concha


Que eu fecharei a boca

Em tuas grutas de assombro


Nei Duclós

28 de novembro de 2024

HUMANA

 Nei Duclós 


Todos estão preparados para a guerra

Mãos nos botões, dedos nos canhões

Gritos de horror em performances hostis 

Adultos e crianças, bombas e mísseis

Facas e socos em ruas e quintais 


O medo foi deixado para trás

Heróis saem das telas e invadem as redes sociais


Só tu é flor, humana doçura 

Corpo de amor, alma pura


Nei Duclós

BALDIO

 Nei Duclós 


Joguei fora o reconhecimento 

Se é que um dia houve entre os pares do reino 

Afrouxei os pinos do poema

Para que digam nunca foi bom mesmo


Assim podem dedicar-se aos outros

E viverem felizes para sempre


O que vale habita remoto terreno 

Mistura de sementes, restos de corais

Húmus onde medram exóticas espécies 

Sonho baldio de abandonada estrela 

Nome esquecido, identidade secreta 


Nei Duclós

27 de novembro de 2024

LÁ EM CIMA

 Nei Duclós 


Como é bom deixar que vivam

E eu ficar à margem

Sem participar dos conflitos 

A estação é a minha viagem


Dizem ser sabedoria

Mas é conforto e chinelagem

Uma esperteza da idade

Exercer a camuflagem 


Abrir mão de tanta briga

Guardar sermão na bagagem

Ver se estou na esquina

Voltar só à meia noite


Sentar quando todos correm

Não colher nenhuma planta 

Deitar porque está lá em cima

Deixar passar o clima

Dormir porque não adianta 


Nei Duclós

LIMITES

Nei Duclós 


Leia o que está escrito

E não o que você pensa ou procura saber


O que está dito

E não a sua intenção 


O que complica

E não açúcar com mamão 


O que alguém publica

E não o que você adivinha 


Dentro de alheios limites 

E não tua vocação 


Leia o continente, não o conteúdo.


Nei Duclós

ALERTA

 Nei Duclós 


Ao primeiro sinal de desconforto tome providências 

Levante, ande, obedeça


Não que você precise ficar sempre a pampa

Apenas leia os sinais da sobrevivência 


Escute a voz do Minuano

Ele conhece o inverno, tem experiência 

E carrega um acervo das guerras do Prata


Fique alerta, vigia de Esparta

Aja com o máximo de paciência 


Nei Duclós

PROMETEU

 Nei Duclós 


O que você fez de certo ou errado 

Te assombra por todo lado

As rimas que entregaste

Os amores partidos

As viagens

Os passos nas tardes

Teu coração com pressa

Tua preguiça


Você está imobilizado

É o fogo que doaste, tua fama e honra

que te come o fígado 


Só o destino cumpre a promessa do Prometeu acorrentado


Nei Duclós

24 de novembro de 2024

NÃO CABIAS NO MAR

 Nei Duclós 


Não cabias no mar, luz do espanto. Todas as palavras sumiram com teu lance em direção a mim, coral submerso.


Querias aventura, só tenho sentimento. Talvez aprenda um dia a viagem do coração que finge indiferença.


Bateste o sapato na varanda. Tinhas ido ao pântano conversar com pássaros. Trouxeste um novo canto, que assobias no meu ouvido.


Perdoa o amor que dividimos. Não sei onde estávamos com a cabeça. Talvez no lugar mais perigoso, o coração.


Éramos dois, agora somos um. Ninguém diferencia rostos que se beijam.


Quando a Lua cheia se foi, deixou um rasgo no céu que tento consertar pondo o curativo do teu sonho.


O amor é uma experiência.

Depois passa. Dá lugar à auto-suficiência. É quando rimos dos sonetos e das frases românticas. E voltamos a ser a estalar os dedos. Até sangrarem noite adentro. 

 

Quando consentes posso ver, disse ele. Quando consinto, do verbo sentir, disse ela.


É bem vagarosa essa tua vontade de descer o que te protegia. Escaldada, talvez, de outros ritmos. Mas é possível que seja só o prazer de me ver te acompanhando até que tudo caia sobre o piso.


Demorei porque precisava reciclar minhas torres de marfim, arrumá-las para te receber. Agora sim, cruze a casa com tua saída de banho.


O céu é o piso da Lua. Cada lugar tem seu forro. A praia é para onde o sol se esconde atrás do morro.


Fazer poesia é fácil. Basta enfileirar algumas palavras. É como matar formigas. 


Nei Duclós

22 de novembro de 2024

PRESENÇA

 Nei Duclós 


Se deixo escapar perco para sempre

Não há segunda chance para o perdido verso

Minha presença curva o espaço tempo

Como um corpo celeste em movimento

Gera gravidade, os relacionamentos


Estudo distraído contemplando a primavera

Que chega friorenta e sem nenhum sentido

Passo com o tempo como navio mercante

Vazio nas viagens de volta


Não posso explicar, são cenas que se anulam

Misturadas a canções que grudam no ouvido

Tudo perde a importância, mas que ninguém saiba disso

Preciso ser aceito, fingir que eu acredito


Na sala de espera não disponho de caneta

E nem o celular vem ao meu auxilio

Escrevo na mente, que é para onde migra

O que desisto de ser pensamento


Nei Duclós

18 de novembro de 2024

MEDIDAS

 Nei Duclós 


Não sou grande nem pequeno

Sou medido por minha fome

Grudo no sonho como um druida

No mundo da lua me recomponho


Sou o que resta de um poema no prelo

Que ficará inédito 

Publiquem ao saberem que amo


Nei Duclós

16 de novembro de 2024

AUSENTE

 Nei Duclós 


Preencho com vida falsa a vida verdadeira

Que assim se calça em fungo na madeira


O que faz falta é  tua voraz presença 

Ausente, matas o que não tem preço 


Nei Duclós

DATAS

 Nei Duclós 


Passo lotado por todas as datas 

Cicatrizes da História no corpo do Tempo

Heróis e eventos em marcos eternos

Que todos esquecem mas nos feriados se lembram


Já me preocupei em lavrar testemunho 

Mas eu era moço e qualquer coisa serve

Dias inúteis fazem redemoinho 

E eis que a verdade súbito aparece 


É quando descobrimos que não existe milagre 

Os anos são sempre os mesmos e ninguém toma a Bastilha

A vida é uma ilha, cercada de adeus por todos os lados


Nei Duclós

15 de novembro de 2024

CONVITE

 Nei Duclós 


Não posso ir a lugar nenhum 

O mundo não tem o que eu preciso

Que só acho aqui onde me visto

Com as roupas antigas sem registro

Além do alumínio e a porcelana 

Os tijolos nos canteiros do jardim 


Nos atos da criação que me pertence

Sou refém do que uso nos limites 

Arbustos, roseira e grama ruim

Casa de alvenaria que comprei

Quando tive recursos para tanto

Numa rua escondida e sem encanto 

Jogadores de bola no portão 


Fecho todo dia este porão 

E reabro quando chega a primavera

Um só verso faço por segundo

Teimosia do ogro veterano


Já fui moço como a poesia

Hoje caço a mesma fantasia

Venha ver o esforço de um ofício 

Esta obra com a letra de um convite


Nei Duclós

13 de novembro de 2024

LIBERDADE

Nei Duclós 


A ditadura pode vir de qualquer lado

Direita ou esquerda o sol nasce quadrado

Não se apegue à falsa coerência do passado

O crime muda enquanto permaneces parado


Bater no peito não te livra do pecado

A virtude também pode virar um fardo


A História é o que costura e não produz milagres

Mostra o que te cura se souberes ler os fatos

Não espere ser aceito na lúcida viagem

Vão te atirar pedras se cruzares a margem


Estarás sozinho nos dias decisivos

Nu com tua ideia, flagrante da coragem

Soldado em água clara, padrão da liberdade


Nei Duclós

ESQUECER

 Nei Duclós 


Esquecemos para que a vida caiba na memória 

Guardamos algumas gotas dos mares de outrora

Senão o peso do tempo vergaria no outono

E a lembrança não seria a doce primavera


Conviver com tanto dano nos deixaria exangues

Melhor selecionar o vinho dos instantes

Está caduco, dizem dos gigantes

Mas ficou leve, essa que é a verdade

Não precisa carregar arquivos dissonantes


Para muitos isso fica insuportável 

Pois como continuar se o que somos nos falta?

Brutal situação dos velhos que sobram


Não sei o que é melhor, confesso minha barra

Só sei que me esqueci 

É tudo o que me resta 

Os dias são cavalos a trote selvagem

Quem vai segurá-los sem estribos de prata?


Nei Duclós

12 de novembro de 2024

PARTIR

 Nei Duclós 


Fica tudo por fazer

Livros que nem comecei

Papéis sem nenhum valor

Memórias soltas no chão 

Mofo em paredes de dor

Corpo guardado em porão 


Fica tudo por fazer

Casa sem arrumação 

Graxa por todo o fogão 

Tralha de pesca sem uso

Caixas de parafusos

Inúteis manuais ainda intactos

Fotos e cartas nos sacos


Fiquei de um dia fazer

Deixar tudo pronto e partir

Mas me encontro numa estação 

Com um bilhete preso na mão 

Chove e te espero em vão

De repente há um choque de trens


 Nei Duclós

8 de novembro de 2024

CURVA

 Nei Duclós 


Todos os dias te dou bom dia

Flor, palavra ou coração vermelhinho


Você aceita o carinho

E me receita algo da Bíblia


Assim cultivamos nosso caminho

Trilha de mimos


Ainda te pego na curva.


Nei Duclós

EXAGERO

 Nei Duclós 


Acham um escândalo 

Celebrar um poeta só depois que morre

Enquanto viveu esquecido numa vida de sacrifício

Queriam vê-lo ostentando titulos

Cercado de reconhecimento


Considero um exagero

Exigir aplauso em vida

Um poeta sabe a barra do oficio

E nada espera na rotina da sua arte


E falando sério

O que faria um poeta com sua glória?


Nei Duclós

28 de outubro de 2024

AINDA DIGO

 Nei Duclós 


Tantos filhos que partiram 

Neste século morto 

Cheio de países que se agridem

sem nenhum direito

Um desses filhos é o meu

Que cedo foi-se


Que lá no paraíso onde se encontra 

se permita a paz que aqui não tinha

Para seu corpo de homem e menino


Pois é no céu que ele existe

Não há outro lugar


Por isso ainda digo seu nome

Miguel, que Deus mandou chamar


Não mudo de assunto 

É proibido esquecer


Nei Duclós

VOAMOS BAIXO

Nei Duclós 


Voamos baixo, nós os contemporâneos 

Não por incapacidade

Pois temos formação para alcançar as nuvens

Mas para escapar do radar


Assim, não reconhecidos, cruzamos cidades, mares e florestas

Carregando o pó de tesouros ignorados


Somos como as ruínas megaliticas 

Cheios de enigmas jamais decifrados


Perguntarão como conseguimos burilar a vida

Oferecendo pedras lisas cortadas por desconhecidas tecnologias


Um dia nos desenterrarão

Mas não vão descobrir o momento em que sobrevoamos o paraíso 

E saltamos de para-quedas


Nei Duclós

27 de outubro de 2024

TOMBO

 Nei Duclós 


Eu me escondo

Porque levei um tombo

Chama-se vida

De longos anos


Já fui humano

Hoje sou marimbondo

Mantenho a palavra

Com a mão ferrada


Não há motivos para encontros

Minha rua fica na Lua

Do lado oculto

Moro no cosmo com neblina


Tenho apenas a rotina 

Criado mudo

Com a gaveta cheia de escombros


Não se impressione

Guardo segredos

No bolso de um anjo


Nei Duclós

21 de outubro de 2024

MAQUIAGEM

 Nei Duclós 


Quem é você quando não me conhece?

Praia distante, bússola do leste 

Ar de quem não me vê e esquece 


Não gravas meu rosto, que não te apetece

No banco da frente estás ocupada

Saltas de repente em incerta parada

Vou até o fim da linha e volto desolado

Em qual casa te escondes na avenida lotada?


Moro no subúrbio, toco na garagem

Treino para uma futura serenata

Enquanto te maquias para um baile de gala


Nei Duclós

20 de outubro de 2024

O TEMPO COME

 Nei Duclós 


Tem dias que o Tempo come, voraz gigante

Quando está de porre, apetite podre


Não se satisfaz com tudo, quer a sobra

Leva embora o que sempre esqueço 

E faz um monturo de coisas pequenas 

Só de implicante e prevalecido


Eu não me importo, a não ser que carregue

Os raros momentos em que estive contigo

Isso me desespera pois só quando eu lembro

É que o meu amor por ti acontece 


Nei Duclós

17 de outubro de 2024

TEU NOME

 Nei Duclós 


Tão bonito o tempo contigo

Parece sonho

Sol de morno alento

Em sopro de clima ameno


A saia rodada beija tuas pernas

Que mostras prudente na distância dos joelhos


Nem precisa ser primavera 

Basta a manhã e seu farnel de vento

Pétalas que caíram ao relento

E se juntam às folhas de antigo outono


Vivo disso, coração amoroso

Tua palavra num sussurro autêntico 

Doce que me alimenta

Raiz de árvore, grãos de planta

Viceja o verbo que se fez teu nome


Nei Duclós

ENCAIXE

 Nei Duclós 


Encaixe perfeito 

No convite e no peito

Unidos no jeito

Sintonia extrema

Os corpos convictos

Prazer de estar juntos


Não é o que dizem

Se proibem ou aceitam

O evento transita 

Onde não se comportam

As leis não alcançam

Nem as armas sujeitam


É sempre surpresa

Mesmo antes de escrito

Renascer do dia

No ventre do escuro 

Voo permitido 

Em raízes de pluma

Ave marinha

Em pele de urso


Chamam de amor

Talvez seja o certo


Nei Duclós

15 de outubro de 2024

A VISITA

 Nei Duclós 


Tive pouco tempo para varrer a frente da casa onde moro no deserto. Por isso esse areal tomando conta dos canteiros. Mas pelo menos pus minha melhor roupa para te esperar chegando na velha diligência. Fiquei sóbrio em tua homenagem e te dei a flor mais agreste deste ermo conflagrado pelo destino. Chegaste com o rosto transfigurado, mulher que um dia me recolheu, ferido, nos escombros de uma guerra.


Nei Duclós

IMPASSE

 Nei Duclós 


Tudo é passado quando passas da idade

E a vida sépia define os  contornos da memória 


É o troco que recebes em pobres moedas

Os amores findos, a fuga da soberba 


O tempo te impõe a humildade 

Resta a vontade que tens de sobra

De adiar o desfecho, implicante bárbaro 


Nei Duclós