19 de setembro de 2025

Maquiavel é texto

MAQUIAVEL É TEXTO Nei Duclós Fiz várias notas sobre minha leitura de Maquiavel sem entender porque tem má fama. Descobri que o confundem com Política e História, mas ele é de outro departamento. Escritor profissional, sua arte é o Texto, de técnica invejável e performance de Mestre. Não joga letra fora e sacrifica a fama pela palavra precisa, cirúrgica para usar uma definição da moda. Abordei trechos da sua magnifica História de Florença, que ele fez sob encomenda depois de ler tudo o que tinha sido publicado sobre o assunto. Destaquei esse trabalho apesar de ser O Príncipe sua obra mais famosa, que lhe deu a notoriedade de conselheiro do Mal, quando é um autor de máximas sobre a difícil atividade do poder. Maquiavel é o máximo. O texto único. Seu retrato reforça a ideia de maquiavélico apertando os lábios e olhando de viés. Nada a ver com o cara que ninguém esquece não por ser astuto e dissimulado mas por ter apostado todas as fichas no que sabia fazer: escrever com o primor do gênio. Nei Duclós A seguir minhas leituras: Um cidadão de Florença exorta os Senhores a combater a corrupção generalizada: "E ficai contentes em fazer isso agora, com a benevolência das leis, antes que os homens sintam necessidade de fazê-lo com os favores das armas". Maquiavel nos conta. Século XIV. FAMÍLIAS NA ALTA IDADE MÉDIA Familias poderosas, ricas, encasteladas e armadas, disputavam o poder nas cidades em conflito na longa e lenta derrocada do Imperio Romano. Está no DNA da Itália - que só se unificou no século 19 - essa balcanização reproduzida depois pelas máfias familiares (se é que não caio na sedução do anacronismo). Havia inúmeros exemplos como os Visconti em Milão, os Médici em Florença, os Orsini em Roma, que brigavam nas disputas em Pisa, Lucca, Napoles, Veneza etc. Elas entravam no grande imbroglio em que os papas, com seus exércitos, enfrentavam os emissários do Império dividido entre Constantinopla e Roma. Participavam dos conflitos vários povos na Toscana, Lombardia e nos reinos que correspondem hoje à França, à Alemanha e à Hungria. Além das invasões e acordos com hunos, visigodos, ostrogodos. Maquiavel ficou anos pesquisando esta história, patrocinado com recursos da politica, para produzir sua História de Florença. Que é uma História do mundo medieval. Livro assombroso pelas informações, os insights do autor e o estilo, de alta literatura. A LEI É A BASE Quando não há boas leis e ordenações, a nação oscila por periodos entre a servidão e a permissividade, e não entre a tirania e a liberdade, como se costuma pensar. Com um sistema legal eficiente o país não precisa ficar à mercê das virtudes ou vícios de quem está no poder. Assim pode ser livre, com vida firme e estável. É o que diz Maquiavel na sua História de Florença. O PÊNDULO DE MAQUIAVEL Quando chega ao apogeu, a situação política gera o seu oposto, da perfeição da ordem à desordem e vice versa, segundo a dialética de Maquiavel: " A virtude gera tranquilidade, a tranquilidade o ócio, o ócio a desordem, a desordem a ruína; e igualmente da ruína nasce a ordem, da ordem a virtude, e desta a glória e a prosperidade." Pois "não está na natureza deste mundo o deter-se", diz Maquiavel no seu livro História de Florença. MAQUIAVEL E A VITÓRIA É preciso prudência no desejo de vitória e não levar o adversário ao desespero, pois quem não espera o bem não teme o mal e pode ficar muito mais perigoso. É uma das advertências de Maquiavel em sua Historia de Florença. Há séculos milhares de estudiosos se debruçam na obra do autor de O Principe pela sua lucidez e pragmatismo político. Ele aconselha aos vitoriosos levar em consideração as contribuições dos vencidos para a vida na cidade e também o grau de tolerância na derrota, pois pode-se aturar perder o poder principal mas é intolerável ser expulso da própria pátria por ter perdido a batalha. Maquiavel coloca também a dúvida dos vencedores: deve-se fazer concessões na lei para evitar a luta no futuro ou partir logo para o confronto, já que o inimigo, com sua soberba, nunca cede? MAQUIAVEL E O PODER DO PAPA Nada surge por acaso. O poder do Papa, segundo descrição de Maquiavel em sua História de Florença, cresce e se consolida na divisão e esvaziamento do Império Romano, que se repartiu entre Roma e Constantinopla - e chegou a ter outra capital, Ravena. Invadida em sua força, a cidade eterna tenta estabelecer linhas de poder pelo resto do território da Itália dividindo-se em ducados (que originou os duques, mais tarde substituídos ou somados pelos marqueses e viscondes, o que está na origem dos títulos nobiliárquicos) e tendo que negociar com inúmeros povos que os assediavam. Como não há vazio na política, o Papa se tornou um importante interlocutor nesse imbroglio, chegando até a cruzar tropas inimigas para falar com o rei dos gauleses e conseguir apoio. Foi-lhe permitido pois havia respeito ao Pontífice Máximo, cargo oriundo da liderança religiosa do Império antes do catolicismo. Mas tudo isso custou caro. Vândalos, hunos, godos, ostrogodos, lombardos, gauleses etc. se estabeleceram nos seus territórios e enquanto o Império definhava o poder do Papa crescia até se tornar o todo poderoso medieval, quando a revolução Inglesa no século 17 começou sua derrocada. Mas até hoje há o carisma papal, apesar dos esforços do argentino em melar toda essa herança. Maquiavel escreve maravilhosamente, embasado, com sólida argumentação. O cara.

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