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23 de setembro de 2025
SOBREVIVENTE
Nei Duclós
Sobrevivente é quem cuida do fogo
E o mantém aceso no acampamento
Leva os feridos para a enfermaria
E volta ao front
quando não há mais jeito
Às vezes os combatentes trazem más notícias
Recuamos corridos diante do inimigo
Melhor carregar o que sobrou consigo
Veterano ainda vivo mas não por muito tempo
Tem dias que a tropa volta quase ilesa
E canta vantagens com o rosto iluminado
E abraçam o cara que ficou de sobreaviso
Com dois cartuchos e só uma espingarda
E dizem aos gritos com sangue na farda
vencemos para sempre nosso anjo da guarda
Nei Duclós
TEOREMA
Nei Duclós
Não há problema
De longe é esfera
De perto é plana
Será impossível
Conceber esse teorema?
Colocar a redoma
No cosmo que se expande?
Extinguir assim o drama
Entre a Nasa e os mapas de argila?
Será preciso que se descubra
Algum hieróglifo
Ou pedra de Roseta
Que traga paz à mente inquieta?
Nei Duclós
DUPLA FACE
Nei Duclós
Por ser plana
A Terra desperta o pássaro na hora certa
E o Sol, holograma
Incide a luz na bruta treva
Por ser esfera
A estação completa
Se chama primavera
E redonda, rola eterna
Apaga a hedionda vez da vida breve
Nei Duclós
19 de setembro de 2025
Maquiavel é texto
MAQUIAVEL É TEXTO
Nei Duclós
Fiz várias notas sobre minha leitura de Maquiavel sem entender porque tem má fama. Descobri que o confundem com Política e História, mas ele é de outro departamento. Escritor profissional, sua arte é o Texto, de técnica invejável e performance de Mestre. Não joga letra fora e sacrifica a fama pela palavra precisa, cirúrgica para usar uma definição da moda.
Abordei trechos da sua magnifica História de Florença, que ele fez sob encomenda depois de ler tudo o que tinha sido publicado sobre o assunto. Destaquei esse trabalho apesar de ser O Príncipe sua obra mais famosa, que lhe deu a notoriedade de conselheiro do Mal, quando é um autor de máximas sobre a difícil atividade do poder.
Maquiavel é o máximo. O texto único. Seu retrato reforça a ideia de maquiavélico apertando os lábios e olhando de viés. Nada a ver com o cara que ninguém esquece não por ser astuto e dissimulado mas por ter apostado todas as fichas no que sabia fazer: escrever com o primor do gênio.
Nei Duclós
A seguir minhas leituras:
Um cidadão de Florença exorta os Senhores a combater a corrupção generalizada: "E ficai contentes em fazer isso agora, com a benevolência das leis, antes que os homens sintam necessidade de fazê-lo com os favores das armas".
Maquiavel nos conta.
Século XIV.
FAMÍLIAS NA ALTA IDADE MÉDIA
Familias poderosas, ricas, encasteladas e armadas, disputavam o poder nas cidades em conflito na longa e lenta derrocada do Imperio Romano. Está no DNA da Itália - que só se unificou no século 19 - essa balcanização reproduzida depois pelas máfias familiares (se é que não caio na sedução do anacronismo).
Havia inúmeros exemplos como os Visconti em Milão, os Médici em Florença, os Orsini em Roma, que brigavam nas disputas em Pisa, Lucca, Napoles, Veneza etc. Elas entravam no grande imbroglio em que os papas, com seus exércitos, enfrentavam os emissários do Império dividido entre Constantinopla e Roma. Participavam dos conflitos vários povos na Toscana, Lombardia e nos reinos que correspondem hoje à França, à Alemanha e à Hungria. Além das invasões e acordos com hunos, visigodos, ostrogodos.
Maquiavel ficou anos pesquisando esta história, patrocinado com recursos da politica, para produzir sua História de Florença. Que é uma História do mundo medieval. Livro assombroso pelas informações, os insights do autor e o estilo, de alta literatura.
A LEI É A BASE
Quando não há boas leis e ordenações, a nação oscila por periodos entre a servidão e a permissividade, e não entre a tirania e a liberdade, como se costuma pensar. Com um sistema legal eficiente o país não precisa ficar à mercê das virtudes ou vícios de quem está no poder. Assim pode ser livre, com vida firme e estável.
É o que diz Maquiavel na sua História de Florença.
O PÊNDULO DE MAQUIAVEL
Quando chega ao apogeu, a situação política gera o seu oposto, da perfeição da ordem à desordem e vice versa, segundo a dialética de Maquiavel:
" A virtude gera tranquilidade, a tranquilidade o ócio, o ócio a desordem, a desordem a ruína; e igualmente da ruína nasce a ordem, da ordem a virtude, e desta a glória e a prosperidade."
Pois "não está na natureza deste mundo o deter-se", diz Maquiavel no seu livro História de Florença.
MAQUIAVEL E A VITÓRIA
É preciso prudência no desejo de vitória e não levar o adversário ao desespero, pois quem não espera o bem não teme o mal e pode ficar muito mais perigoso. É uma das advertências de Maquiavel em sua Historia de Florença.
Há séculos milhares de estudiosos se debruçam na obra do autor de O Principe pela sua lucidez e pragmatismo político. Ele aconselha aos vitoriosos levar em consideração as contribuições dos vencidos para a vida na cidade e também o grau de tolerância na derrota, pois pode-se aturar perder o poder principal mas é intolerável ser expulso da própria pátria por ter perdido a batalha.
Maquiavel coloca também a dúvida dos vencedores: deve-se fazer concessões na lei para evitar a luta no futuro ou partir logo para o confronto, já que o inimigo, com sua soberba, nunca cede?
MAQUIAVEL E O PODER DO PAPA
Nada surge por acaso. O poder do Papa, segundo descrição de Maquiavel em sua História de Florença, cresce e se consolida na divisão e esvaziamento do Império Romano, que se repartiu entre Roma e Constantinopla - e chegou a ter outra capital, Ravena. Invadida em sua força, a cidade eterna tenta estabelecer linhas de poder pelo resto do território da Itália dividindo-se em ducados (que originou os duques, mais tarde substituídos ou somados pelos marqueses e viscondes, o que está na origem dos títulos nobiliárquicos) e tendo que negociar com inúmeros povos que os assediavam.
Como não há vazio na política, o Papa se tornou um importante interlocutor nesse imbroglio, chegando até a cruzar tropas inimigas para falar com o rei dos gauleses e conseguir apoio. Foi-lhe permitido pois havia respeito ao Pontífice Máximo, cargo oriundo da liderança religiosa do Império antes do catolicismo. Mas tudo isso custou caro. Vândalos, hunos, godos, ostrogodos, lombardos, gauleses etc. se estabeleceram nos seus territórios e enquanto o Império definhava o poder do Papa crescia até se tornar o todo poderoso medieval, quando a revolução Inglesa no século 17 começou sua derrocada. Mas até hoje há o carisma papal, apesar dos esforços do argentino em melar toda essa herança.
Maquiavel escreve maravilhosamente, embasado, com sólida argumentação. O cara.
16 de setembro de 2025
PAISAGENS
Nei Duclós
Releio quando só eu lembro
Do dito escrito no tempo
Quando era moço sem dar-me conta
O quanto passaria o mundo ao relento
Sina da vocação exercida por um tempo
Depois submerge nas águas do vento
Tudo se dissipa, o calor do momento
Fica o sal que resseca por dentro
Assim acontece e nada pode o corpo
Provisório soldado de uma guerra perdida
Assim é a vida, dizem os antigos
Com os olhos ainda doces de suas paisagens
Nei Duclós
14 de setembro de 2025
CONDOR
Nei Duclós
Esqueço você por vários dias
Porque sou um amor sem serventia
Não cultivo a flor nem o carinho
Prefiro a dor à poesia
Isso pode magoar, mulher bonita
Mas não há saída, beira do abismo
Nem voa o condor por puro vício
É uma vocação na pedra inscrita
Que é o meu coração, és fêmea da tribo
Conto contigo mesmo com a sina
De viver na solidão, prisão bandida
As palavras amarram e perco o fígado
Fogo de Prometeu, culpa de um crime
Esperas prudente na tua armadilha
Que teces no ar desta Odisséia
Sabes que eu pouso mesmo ferido
Em tuas mãos, mortal tecido
Onde me debato, cheio de vida
Nei Duclós
7 de setembro de 2025
OUVIDOR
Nei Duclós
Cada um tem tudo a dizer
Vozes simultâneas decidem por si
Você jaz calado nessa falsa manhã
Você nem escuta, a não ser
A água da fonte no amanhecer
Nei Duclós
4 de setembro de 2025
TODO POEMA É DE AMOR
Nei Duclós
Todo poema é de amor
Mesmo o que não completa
O seu ciclo vencedor
O que é dito em linha reta
Ou não carrega uma flor
Todo poema compete
Com espírito sofredor
Ao suspiro de almanaque
Ao que perde seu valor
Igual o feito para a guerra
De bandeira multicor
O que jamais se entrega
No adeus para não se expor
Todo poema repete
Seu destino trovador
Basta dizer com os versos
O que guardas com rancor
Porque o poema tem preço
Pago em moeda de sonho
Mesmo no tempo medonho
Todo poema é de amor
Nei Duclós
2 de setembro de 2025
O ÚNICO SENTIDO
Nei Duclós
Pergunto sem disciplina
Já que não estudei a vã filosofia
Mas costumo cair na sua armadilha:
Se a morte é certa
Para que a vida?
Se o futuro da existência é o abismo
Perder pessoas queridas ou experimentar o terror do fim em cada esquina?
Não invocarei a auto ajuda
Os livros comerciais de falso auxílio
Que prega o conformismo como estilo
Nem me revoltarei, de nada adianta
Consertar o mundo cheio de apetite
Pela devastação em massa de quem pasta
No campo comum do gado humano
Continuo com a pergunta
Talvez o único sentido
Seja plantar amor antes que nos destruam
O trabalho é conseguir as mudas
Buscar terreno propício
Em teu corpo remoto e perdido
De musa que me inspira
Nei Duclós
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