Nei Duclós
O criminoso
fica nos bastidores do olhar. Não é notado, mas enxerga todo mundo e escolhe
suas vítimas aproveitando-se dessa indiferença coletiva. Nas ruas, por exemplo,
no meio da multidão, o motorista de taxi é muito solicitado, mas ninguém presta
atenção nele; num casamento, todos são registrados nas lentes do fotógrafo, que
fica atrás das câmaras sem ninguém saber quem é .
A
invisibilidade do criminoso é a área de Sherlock Holmes, que para enxergar o
que ninguém nota precisa usar seu palácio mental (baseado nas capacidades do
gênio sérvio das grandes inovações, Tesla, de projetar tudo o que imagina na
sua frente, como um filme), o microscópio onde detecta as mínimas pistas do que
as pessoas fazem, a busca pela internet e os arquivos secretos do governo. O
poder, representado pelo irmão do detetive, Mycroft, trabalha com a
invisibilidade, concorre portanto com o criminoso. Por isso precisa de
Sherlock, para descerrar o véu e dominar a situação.
A série
Sherlock ( BBC, Netflix, ficha técnica no site IMDB) é fiel à minha máxima Todo
filme é sobre cinema. Pois tudo é falso na Sétimas Arte: os roteiros, os
diálogos, os personagens, os cenários. Menos o cinema, que é o único evento
real, está exposto na nossa frente num acordo entre a obra e o espectador. Posto
isso, há total e extrema liberdade para se fazer o que quiser com as histórias
de Sir Conan Doyle, desenvolvendo a complexa relação entre o detetive e seu
braço direito, Dr. Watson, seu arquiinimigo Moriarty, e alguns coadjuvantes
como a sra. Hudson, dona do endereço famosos Baker Street 221B, Molly Hooper a
especialista em cadáveres, a rede de mendigos que são seus aliados fiéis e
impossíveis de rastrear e hackear, entre outros.
Há certeza
da predominância do Mesmo na relação entre os homens. Todos apostam que
Sherlock e Watson são um casal, velha releitura pelo menos desde os anos 1960,
e muitas cenas parecem confirmar essa ligação homo. E há a identificação total
entre o histérico Moriarty, que disputa, pelo crime, a posse de Sherlock contra
o “casamento” deste com Watson. Faz parte da trama da invisibilidade: o que
parece ser um segredo está na vista de todo mundo. Não é um crime, apenas faz
parte do universo do detetive.Watson é o contraponto do olhar pesquisador do
detetive. Watdson, médico de guerra, vislumbra o que aprendeu a ver. Ele não
enxerga a trama qure está sendo investigada, reforça a invisibilidade do
criminoso, mas serve de âncora para Sherlock na sua saga dispersiva e caótica,
em que a dedução procura colocar uma ordem no caos.
A súbita notoriedade
de Sherlock devido ao sucesso de suas investigações e as histórias escritas
sobre ele e publicadas por Watson, contradiz a necessidade de ficar invisível
para se misturar aos criminosos e assim poder decifrá-los, identificá-los e
mandá-los para a Scotland Yard. Mas o extremo ego do detetive explicitamente
psicopata não consegue segurar essa fama, que acaba o envolvendo e traindo. Ele
enfrenta perseguição, prisão, exílio e morte (aparente, claro, pois tudo é
falso no cinema).
Veloz,
brilhante, contraditória. Uma série para ser seguida pela inteligência e a
criatividade
Nenhum comentário:
Postar um comentário