9 de dezembro de 2015

O ENCANTO DO CINEMA QUE SE FOI



Nei Duclós

Sei agora de onde tiraram o clássico final de filme romântico em que é noite de Ano Novo e todos cantam aquela mesma música e um dos dois se flagra da burrice e sai correndo atrás do amor que deixou escapar. É o final de The Apartment (1960), encantador drama do gênio Billy Wilder com os perfeitos Jack Lemmon e Shirley McLane, o mais adorável casal que a barra urbana poderia inventar. O funcionário pilantra de uma companhia de seguros e a ascensorista apaixonada pelo big boss, que se redimem por meio do sentimento mútuo.

O filme (no Netflix) tem tudo para ser pesado: assédio sexual, arrivismo corporativo, chantagem, suicídio, oportunismo, crueldade, indiferença, reunidos numa obra considerada comédia musical. Não é. É apenas uma obra prima. Ganhou 5 Oscar, com 8 indicações (Jack e Shirley foram indicados mas não levaram).

O bom é que tem várias cenas de casal e não aparece ninguém fungando, se esfregando e tirando a roupa, com a câmara mostrando explicitamente as partes em procedimentos repetitivos com tudo o que já sabemos. O cinema não ficava apelando para o óbvio e criava algo que falasse ao coração e ao sonho e não ao baixo ventre. O Código Hays durou de 1930 a 1967, a época de ouro de Hollywood. Só coincidência, claro.

Quando, na última cena, Shirley tira o grosso casaco do inverno novaiorquino e mostra os ombros e o belo sorriso para o patetão apaixonado, vemos o quanto um filme pode ser profundamente sexy sem apelar para a baixaria. E, pelos assuntos que aborda, o quanto pode ser sério e moderno sem dizer palavrão ou dar tiros. Tem só dois socos e uns tabefes. E é uma história amarga, salva pelo amor verdadeiro.

Em 1962, dois anos depois deste filme, Orson Welles usou o mesmo impacto visual da gigantesca sala lotada de batedores de máquinas de escrever. em O Processo. Bebeu na fonte do gênio.

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