27 de maio de 2013

BRILHO DO ANDAR



Nei Duclós

Teu brilho independe da aparência. Não que tua inteligência precise de elogio, seria redundância. Falo do esplendor que emites quando andas.

Guardaste um pouco de sonho na bolsa para me mostrar na hora do almoço?

Sou imune aos teus encantos. Meus olhos fixos no alto e não nos teus sapatos, aqueles vermelhos, com laço.

Passar a limpo, só naquele tempo, de cadernos e folhas soltas. Hoje não fabricamos rascunhos, apenas coisas definitivas. Perdemos o vínculo com os registros, que pulsam em passados sujos.

O poema cansa tua beleza. Por isso escreves sinais misteriosos em lagos ocultos, usando a ponta de folhas mortas. Sinais que somem logo que surgem. E que ocupam o único lugar real, a memória.

Te amo tanto que deixei de lado a poesia. Hoje apenas observo os pássaros desmaiados do crepúsculo.

Conversa considerada frescura é a mais excluída das criaturas. Costuma ficar muda para que o marmanjismo de todos os gêneros teça seus inúteis arames farpados.

Quando embrulho meia dúzia de corpos celestes - luas, estrelas, cometas - para te dar de presente, bem que poderias fingir espanto.

Estás toda pimpona, de respiração presa e inflada, indiferente aos meus acenos. Eu tinha esquecido como recomeça a solidão.


HORA DA LUA

Está na hora da Lua. Tome cuidado, ela morde.

A Lua vai descendo enquanto o sol lhe chama. Viaja para outro céu, que tenha estrelas.

Hoje é domingo! disse a Lua, justificando a espera. Pensei que estavas com o mar, disse o Sol, fingindo indiferença.

O dia flagrou a Lua em seu reinado noturno. Precisa ver como está linda espiando os raios do Leste. Parece vergonha, daquelas antigas, na véspera do encontro.

A Lua cheia namora minha janela. Acordou? pergunta ela, passando pó de nuvem em sua face amarela.


RETORNO – Imagem desta edição: Dominique Sanda.