15 de julho de 2007

DUNGA E OS BRANQUINHAS DE NEVE


A crônica esportiva brasileira é, no fundo, argentina. São todos fãs do Olé, o tablóide sensacionalista dos portenhos. Odeiam a seleção brasileira. Querem ser branquinhos como a neve. Quem vai esquecer a chuva de elogios ao Riquelme, que nesta final era a expressão do desespero? Ele, considerado um virtuose, um cracaço, a coisa mais fofa da mamãe, simplesmente se desmanchava toda vez que ia bater uma falta.

De onde surge esse tremendo equívoco que se repete a cada competição e que serviu para enterrar nosso técnico campeão do mundo, Carlos Alberto Parreira, e que quase fuzilou Felipão em 2002, antes que ele ganhasse a Copa, que encheu o saco do Zagalo em 1970, que a cada amistoso ou campeonato ou torneio vem com a velha cantilena do futebol arte, quando sabemos que arte é fruto de suor e talento? Qual o motivo desse desastre permanente da cobertura esportiva, que usa de todos os truques e artimanhas para incensar a Inglaterra, o Bechkham, o Forlán, o Real Madri e que sei eu mais?

O futebol brasileiro não é Dunga, Parreira, Felipão ou os volantes, cabeças de área ou atacantes. O futebol brasileiro é uma certeza, conquistada ao longo de um século, e que precisa começar do zero a cada competição para conseguir se somar a suas glórias eternas. Ou seja, é uma certeza que se alimenta de dúvidas para se superar. Se transforma assim numa criatura, que é assumida pelos jogadores convocados na hora decisiva. É algo incontestavelmente superior em relação a todos os outros tipos de futebol jogados em todo o mundo. É uma evidência: assim como existem as cataratas do Niágara, que despencam água daquela altura, existe o futebol brasileiro, que ganha a Copa América sem Kaká nem Kuku, mas com ilustres desconhecidos como Doni, Josué, Daniel Alves.

O futebol brasileiro sofre toda vez que precisa começar do zero para se somar às suas glórias. Foi assim sempre, desde 1958, quando mudamos o time no meio do torneio. Em 1962, sem Pelé, instauramos Amarildo e Garrincha brilhou como nunca. Em 1970, tínhamos Felix, Everaldo, Clodoaldo, um monte de dúvidas: será que cumpririam a escrita? Cumpriram. Foi assim nesta Copa América. Dunga trouxe o que achava melhor para vencer e venceu. Três a zero nos virtuoses de araque.

O futebol argentino se acha, ganha antes de ganhar, se prevalece dos cucarachas que os enfrentam, fazem tabelinhas, firulas e deixam molhadinhos os cronistas esportivos brasileiros, tão carentes. É apenas uma correria com precisão de relógio cuco, que se desmonta diante do primeiro rival de verdade. Eles vestem a faixa de campeão na hora de chegar ao local dos jogos. São os grandes pelotudos, os maiorais da cocada preta. Vejam Tosco Tevez aos pontapés, mordendo a língua, à moda dos loucos da Idade Média. É um Quasímodo, uma besta idiotizada. Veja como bateram, chutaram, tão valentões covardes que são.

O futebol brasileiro é outra coisa. Estar sem ângulo e assim mesmo conseguir matar a bola na corrida com o calcanhar, deixando no jeito para seguir a jogada; driblar, só com o movimento do corpo à distância, três zagueiros e colocar no pé do companheiro que chuta de primeira no canto; decidir num milésimo de segundo o chute certeiro e inalcançável. Tudo é obra de arte dessa criatura gloriosa, o futebol brasileiro que tanta alegria nos traz. Obra da seleção brasileira canarinho e não da seleção da CBF, como costumam dizer, pois a CBF é uma entidade que também embarca no que o futebol brasileiro conseguiu ser ao longo de décadas.

Dunga dedicou o título às crianças, à pureza do coração. Foi um brinde à esperança. Contra a desconfiança, ao ódio. Um presente do Brasil soberano ao mundo. Porque todos podem ser o que quiserem, argentinos, ingleses, americanos, franceses. Mas aqui somos brasileiros, do futebol pentacampeão do mundo.


RETORNO - Imagem de hoje: Dunga segundo Mario Alberto.

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