DE REPENTE, INGMAR BERGMAN
Fico impressionado com a cara de pau dos responsáveis pela programação da TV brasileira. Eles cercam a percepção dos telespectadores, da primeira infância à última idade, com todo o lixo disponível produzido pelas mentes mais hediondas e mentecaptas da indústria de alienação. Escolhem a dedo as porcarias que veiculam do amanhecer à última sessão. Socos, tiros, pontapés, as mais variadas crueldades, os cínicos perversos corruptos mais descarados ficam décadas expostos à cidadania desarmada. De repente, um sujeito lá da Suécia morre e eles precisam fazer aquela cara de boi compungido, de sabedores desde criancinha, que se trata de um dos maiores cineastas do mundo, Ingmar Bergman, autor de várias obras-primas que jamais são incluídos na rede de baixarias.
O que custa para esses animais veicular num horário decente – qualquer horário, vai – um filme como Morangos Silvestres, que arrebatou público e crítica nos anos 50? E Fanny e Alexander, por que não colocam esse belíssimo filme no lugar dos van damme e das máquinas mortíferas? Ah, porque o povo gosta mesmo é de pancadaria. Quem gosta de levar pontapé são esses tarados que escolhem os filmes. Devem adorar ser amarrados num poste e levar chicotada, pois não há outra explicação. E Gritos e sussurros, filmaço que faz tremer as pedras? E A Fonte da Donzela ou O Sétimo Selo, este um parâmetro para todo o cinema de vanguarda que veio depois, Glauber Rocha inclusive?
Ah, não dá Ibope. Duvido. Bota coisa fina que todo mundo vê. As pessoas estão secas por cultura e arte. Querem preencher o vazio promovido pela crueldade dos que cuidam do imaginário do país. Pois se trata do velho dilema do ovo e da galinha. Se você cria gerações no berreiro do sertanojo, como as pessoas vão descobrir que existiu um Tamba Trio, um João Pacífico, ou que existe um Zé Gomes? Se você só apresenta assassinatos, torturas, explosões e reuniões de traficantes em galpões abandonados, ou então adolescentes idiotas arrotando e se pelando em frente às câmaras, como as pessoas vão achar que uma vida decente pode ser gratificante, cheia de emoção e realizações? É porque eles querem moldar os destinos das pessoas, por isso atiram a mente e o coração na vala comum onde eles mesmo chafurdam.
O mais trágico é ver a edição sobre a morte de Bergman. Críticos e cineastas aparecem por um segundo com alguma frase pela metade. Não dá para entender o que eles realmente pensam do grande cineasta. Qual a influência que Bergman teve, qual sua contribuição à dramaturgia, ao teatro, ao cinema? Ah, mas temos o Arnaldo Jabor, que fez sua intervenção tradicional. Primeiro, se exibiu com alguns nomes cult, mostrando uma erudição que lhe escapa. Depois, partiu para seu território favorito, a baixaria, dizendo que Bergman teve uma ótima vida pois “comeu” as mais lindas atrizes suecas. Essa é a visão de cineasta que Arnaldo Jabor tem. Diretor de vários filmes horrendos, é isso o que ele deve pensar de uma vida plena: a de “comer” gente.
A cultura, para o pensamento conservador é um ornamento a ser proferido por pessoas como Jabor, o palhaço Bozo da televisão da baixeza e da ditadura. Como podem as criaturas saber que existiu um Bergman, que foram contemporâneos de um gênio, que perderam o principal da produção de pensamento da sua época, que ficaram á mercê desses animais que nos governam. Vejam as cenas horrorosas veiculadas normalmente pela mídia. Olhem o trio de energúmenos ao lado do caixão de ACM: Renan Calheiros, o suspeito de inúmeras contravenções, José Sarney, o fundador da ditadura civil, e Edson Lobão, o pianista. Vejam Nelson Jobim fazendo pose de fodalhão no local do acidente da TAM. É disso que se ocupa a mídia. Agora, as mulheres de Bergman, cercadas por paredes e cortinas vermelhas, só na hora do funeral, quando os bobalhões pomposos que apresentam os telejornais fazem gênero de conhecedores do assunto.