14 de abril de 2005

ENTREVISTA PARA O DIÁRIO DA FRONTEIRA




Queria comentar o jogo do Quilmes contra o São Paulo ontem, em que nações diferentes se defrontam no espaço democrático do gramado, traído pela natureza quântica do jogo. Ou da viagem de Fred Flintstone à África, como representação do continuísmo da política exterior pragmática do regime de 64, ferido por uma distensão lenta e gradual, mas decidi me recompor. Vamos deixar os argentinos e o governo em paz e visitar essa terra grandiosa que é a fronteira brasileira lá no extremo oeste do Rio Grande do Sul, onde, entre os jornais locais, existe do Diário da Fronteira. Nele foi publicado uma entrevista com o locutor que vos fala, feita pelo conterrâneo, escritor e amigo Ricardo Peró Job. A foto escolhida foi a que o Anderson Petroceli fez na minha mais recente viagem a Uruguaiana (os créditos não estão lá, não é sr. editor?) . Essa entrevista, que reproduzo abaixo, comemora o fato de o Diário da Fonte ter alcançado ontem sua mais expressiva performance: as visitas explodiram, praticamente triplicaram em relação ao início do ano. Sinal que nosso DF está agradando e continuará assim, livre, desimpedido, metido, mas de coração aberto para os contemporâneos.

P - Teu site mostra tuas memórias de Uruguaiana, tua família, amigos. Qual é tua relação com a cidade atualmente e em que medida ela influencia tua produção literária?

R - Meu site (www.consciencia.org/neiduclos) foi criado nos final dos anos 90 para romper o cerco que a falta de divulgação impusera ao meu trabalho literário, que não encontrava respaldo nem na mídia nem nas editoras. O resultado foi a retomada das publicações e a exposição pública da gaveta acumulada em décadas e que se espraiava para muito além da poesia, na ficção, nas memórias, nos ensaios e nos trabalhos acadêmicos. O blog, criado em 2002 (http://outubro.blogspot.com/), inaugurou uma nova fase, quando assumi um compromisso pessoal de abordar os mais variados temas todos os dias. Nesse espaço inventei o Diário da Fonte, que é produto jornalístico focado na cultura, que eu defino como encontro e revelação. Meu trabalho na internet serviu para retomar contato com inúmeras pessoas com as quais tinha perdido a pista ao longo dos anos. Revisitar Uruguaiana e as outras cidades onde vivi está sendo um resgate de uma identidade, que se misturou com o tempo mas jamais perdeu sua essência. Redescobri que o que eu faço na poesia é fundamentalmente uma relação com os espaços do tempo e da geografia da minha cidade. O território limpo, sem disfarces nem obstáculos, o convívio pacífico e dinâmico com a diferença (as inúmeras fronteiras, dentro e fora da nação) e a relação telúrica com a natureza (lua, estrelas, pampa, águas) são os insumos básicos de uma poesia que sempre foi lírica, mas jamais abriu mão do seu sentido épico. A responsabilidade que temos pela vida que nos foi outorgada pela vivência e pelas heranças é o que faz de Uruguaiana o umbigo do mundo em que trafego, que é totalmente aberto para todas as influências. Minha cidade é o rosto do Brasil soberano, conceito que tenho desenvolvido a partir do que vi e vivi na infância e adolescência, quando a família, a escola e a comunidade me marcaram para sempre. Posso dizer que sou um poeta do Brasil soberano, no front cultural mais aguerrido, em busca da harmonia e da força que sempre tivemos e que hoje nos está sendo negada.

P - Tu és conhecido como poeta e jornalista. Editaste teu primeiro romance em 2004. Te sentes mais à vontade na prosa ou na poesia?

R - Até hoje tenho em cadernos de espiral meu primeiro romance, escrito ainda na adolescência, e que tratava exatamente da juventude dos anos 60. No jornalismo, sempre escrevi textos, a maioria longos, e nas gavetas acumulavam-se contos, histórias infantis, ensaios, novelas e projetos de romances. Publicar Universo Baldio em 2004 foi a ponta de um iceberg bastante profundo, que tinha ficado à deriva porque nosso país não costuma admitir que possamos desenvolver o talento em mais de uma área. Resolvi assumir publicamente o que trazia guardado e isso enriquece minha biografia. Hoje, já me arrisco em outras áreas que estavam praticamente inéditas para mim, como o teatro e o roteiro de filmes. Mas sempre me senti totalmente à vontade na poesia, vocação que despertou muito cedo, aos nove anos de idade, e que praticamente define meu perfil como escritor. A poesia tomou conta da minha vida e nela moro para sempre.

P - Qual a importância de ter um Blog na Internet?

R - O blog é uma revolução cultural, pois nele não existe censura. O que prejudica o jornalismo é o olhar alheio com poder de vetar parte ou todo o texto que você pretende publicar. Mesmo assumindo cargos importantes na imprensa, costumo despertar a censura interna, pois sei que leitores, anunciantes, diretores, patrões e colegas de trabalho gostam de colocar suas pesadas patas de urso no que faço. Assim mesmo, consegui publicar um razoável acervo de idéias e sacadas nos veículos de comunicação onde trabalhei e trabalho. O importante do blog é que deu voz a milhões de individualidades que estavam mudas. Hoje, os blogs são o ninho onde medra a literatura mais focada no nosso tempo.

P - Sabemos que já moraste em várias cidades do Brasil. Por que Florianópolis?

R - Quem leu o romance Universo Baldio, sabe. No Primeiro Tempo, que tem como título República de Itaguaçu, Florianópolis é a referência, é o lugar onde encontrei a paz na época braba da ditadura. Aqui também conheci minha mulher, Ida, com quem estou casado desde 1972. Morar aqui foi uma decisão familiar em busca de mais tranqüilidade, o que não elimina uma vida com os nós freqüentes dos conflitos. Tenho conseguido um ambiente propício para desenvolver com mais intensidade a minha literatura. Mas, como tudo no Brasil, é um lugar que também dá trabalho e sobreviver apenas com o que sabemos fazer bem é um desafio pesado, especialmente quando nosso ofício é um dos menos cotados no país em que vivemos. Mas se o Primeiro Tempo é Floripa, o Segundo Tempo, que tem como título Papel de bala, é a viagem de São Paulo a Uruguaiana. Uma viagem que desemboca, claro, na praia de mar onde agora estou. Pois a praia é o refúgio de quem viajou pelo país em busca de encrenca e sobrevivência, naquela época em que nos foi negada a vida pública plena, mas que foi marcada pelo fogo da nossa determinação.

P - Fala de teus projetos, de tuas obras inéditas.

R - Tenho um livro pronto de poesias que pretendo lançar este ano. É meu livro poético mais longo, quase o dobro do que os outros e está dividido em três partes: Liberdade, que é a poesia abrindo caminhos num tempo de guerra; Terra, onde estão meus poemas ligados à natureza; e Paz, que é uma homenagem a Sergio Vieira de Mello, o brasileiro massacrado pela barbárie. Tenho dois projetos em andamento junto com Tabajara Ruas, um que está sendo finalizado e outro que está ainda no começo. Tenho um livro de ensaios sobre cinema, que já está no blog e no site, mas que vou reunir num volume. O Diário da Fonte é um maná de novos livros que serão publicados conforme as editoras se manifestarem e se sensibilizarem.

RETRORNO - 1. Luiz Cabral chega com seu blog totalmente literário, tanto que até a autoria é de uma personagem, Kioko. 2. Sonia Coutinho me envia seu romance Atire em Sofia, editado pela Rocco. Ela é Premio Jabuti de 1979 e editora da excelente revista literária Sidarta. Obrigado, Sonia, tenho leitura para os próximos dias. 3. Ricardo Peró Job está envolvido, junto com a escritora conterrânea Vera Ione Molina, com a criação de um caderno cultural em Uruguaiana. Dá-lhe, militância!

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